São Paulo – Mesquitas do Brasil e do mundo inteiro estão fechadas diante da quarentena. Ficar em casa e se prevenir do contágio do novo coronavírus é o mais importante neste momento para os muçulmanos, mesmo com a chegada do mês do Ramadã nesta quinta-feira (23). O jejum do nascer ao pôr do sol é um dos pilares do islamismo. A orientação agora é fazer as orações e a quebra do jejum em casa. As refeições que as mesquitas costumam oferecer, este ano, serão doações de cestas básicas, entregues em domicílio.
Segundo o vice-presidente da Federação das Associações Muçulmanas no Brasil (Fambras), Ali Zoghbi, a programação deste ano foi completamente modificada, mas o jejum e as orações seguem normalmente, feitas individualmente ou em família, em casa.
Ele afirmou que a decisão de que nenhum tipo de aglomeração aconteça foi unânime entre as autoridades religiosas do Islã. “A integridade física é prioridade no Islã, portanto a orientação é manter as mesquitas fechadas, e quem tem qualquer tipo de enfermidade não deve fazer o jejum”, informou à ANBA.
Pessoas infectadas pelo coronavírus ou que tenham qualquer doença estão liberadas de fazer o jejum, podendo repor quando estiverem recuperadas ou fazendo doações de alimentos para famílias que precisam no período. Pessoas em viagem, mulheres grávidas, mães amamentando, crianças e idosos tampouco devem jejuar. Leia tudo o que você precisa saber sobre o Ramadã nesta reportagem.
Durante o mês sagrado, segundo ele, se multiplicam as práticas de solidariedade e as orações. “A aproximação com o criador é muito importante neste período, são cinco orações obrigatórias, e são recomendadas orações adicionais durante o Ramadã; obedecendo o que a ciência está falando neste momento, devemos fazer as orações de forma individual dentro de nossas residências”, disse.
A reza em conjunto, segundo Zoghbi, é sempre benéfica e positiva, é um momento de interação social importante. “Mas a reza individual com a família em casa é a forma que temos de fazer agora. Há perdas e ganhos nisso. Essa pandemia está nos reeducando sobre como pensamos o mundo e terá influência em tudo que seremos. É um momento de fé que pede mais misericórdia, mais paciência dentro do que é prescrito para nós. Não sairemos iguais depois dessa pandemia”, disse.
Sobre a caridade, ele declarou que decidiram doar cestas básicas porque as refeições nas mesquitas para o Iftar, a quebra do jejum, formariam aglomerações. “As doações de cestas básicas e alimentos estão sendo feitas tomando os cuidados necessários, com poucos voluntários, evitando colocar pessoas em risco, com uma logística de entrega”, disse.
O Iftar Brasil é um projeto da Fambras de mais de uma década, que proporciona a quebra de jejum dentro e fora da comunidade. “Este ano estamos doando carne de frango e bovina e cestas básicas para entidades em um programa de distribuição, para levar os alimentos para a casa das pessoas, com recursos próprios da Fambras”, disse Zoghbi. Serão distribuídas cerca de três mil cestas básicas por todo o Brasil.
Zoghbi fez uma reflexão sobre o Ramadã e a quarentena. “O Ramadã também tem por objetivo a transformação pessoal a partir de reflexões. O distanciamento social pode nos ajudar a ter mais clareza para rever e reavaliar hábitos, repensar caminhos, a nos arrepender por atitudes prejudiciais a nós mesmos e ao próximo e a pedir perdão para os pecados. É a purificação para que uma nova etapa de vida se inicie, e que possamos viver de forma mais plena e feliz”.
Tecnologia que une
O egípcio Abu Bakr Ibrahim é xeque da mesquita São Miguel (foto acima), em São Paulo, e chefe dos xeques do Ministério da Awqaf do Egito no Brasil. No País há dois anos e meio, ele contou à ANBA de que forma a tecnologia pode ajudar a aproximar a comunidade durante o nono mês sagrado do Islã.
“O mês do Ramadã é o mês das visitas, esse vai ser um pouco mais difícil. Com as mesquitas fechadas, os encontros estão proibidos, mas podemos seguir em contato com quem amamos por meio das redes sociais, dos aplicativos ou mesmo pelo telefone. Vamos confraternizar de outra forma, o que também aquece nosso coração”, disse Bakr.
Com as mesquitas fechadas, o xeque está se comunicando com os muçulmanos pelo Whatsapp, por vídeos no Facebook e também por lives, os vídeos ao vivo. “Os xeques podem se comunicar com suas comunidades fazendo aulas e preces online, pelo Facebook e pelo Instagram, para aconselhar muçulmanos”, disse. Ele orienta que a comunidade muçulmana procure se informar sobre qual formato de comunicação está sendo adotado na mesquita que frequenta.
“Acompanhe as redes sociais de sua mesquita, há várias maneiras de se comunicar com as pessoas, a mesquita é importante, mas se não podemos ir, temos que ver o que é mais importante e mais benéfico para a comunidade”, disse.
Bakr contou que sua mesquita já distribuiu mais de cem cestas básicas para a comunidade, e que deve doar mais quinhentas.
Famílias
Victória Fares tem 23 anos, é estudante de Medicina e frequenta a mesquita Misericórdia, que fica na zona Sul de São Paulo, em Santo Amaro. “Em casa, somos em quatro, meus pais, meu irmão e eu, porém no Ramadan, costumamos ser nós e mais dois amigos de infância”, disse à ANBA. O pai dela é filho de libaneses, e a mãe, libanesa.
O Ramadã para ela significa união, além de ser um mês muito esperado pelos muçulmanos. Com a pandemia da covid-19, Victória disse que a rotina em casa está mudando principalmente quanto às medidas de higiene.
“O salat [as cinco orações diárias] e o iftar [quebra do jejum] terão a mesma dinâmica, continuaremos em seis pessoas, minha família e nossos amigos, mantendo as devidas precauções. Em casa, não teremos muitas alterações, exceto a falta de irmos todos juntos rezar o salat isha e o taraweeh [orações na mesquita]. No entanto, tenho apenas que agradecer a Alá por tudo e mesmo que passemos por algumas mudanças, Alá tem de facilitar e estou ansiosa pelo seu início”, contou.
A síria Heba Altabakh é estudante de Odontologia em Palhoça, Santa Catarina. Ela veio para o Brasil há três anos e é casada com um sírio. Em quarentena, Heba não está indo para a faculdade, mas tem aulas online. Durante o Ramadã, ela poderá fazer seus horários alternativos de acordo com o jejum, e assistir as aulas na hora que quiser.
“A mudança do Ramadã para mim aconteceu quando eu vim morar no Brasil, e não agora com a quarentena, porque em Damasco eu tinha a minha família, tenho quatro irmãs e um irmão, minha família é muito grande e eu perdi isso vindo para cá”, contou à ANBA.
A jovem afirma ser a única muçulmana em sua faculdade, e contou que na cidade não conhece nenhum outro árabe muçulmano além dela e de seu marido. Além disso, a cidade ainda não tem mesquita, apenas uma sala de orações, mas ela afirmou que duas estão sendo construídas. “Mas isso não importa, me importa mais a minha paz interna”, declarou.
Heba disse que seu marido continua trabalhando fora e não terá horários alternativos no período, porque trabalha para brasileiros. Ela ficará sozinha em casa durante o iftar. “Devo quebrar o jejum por volta de 18 horas, não sei se vou ligar para a minha família por causa do fuso horário”, disse. A Síria tem seis horas a mais do que o horário de Brasília.
“O jejum nos ensina a ter paciência e controle. Eu tenho vontade de comer e ninguém vai ver, mas eu não posso comer porque tenho prioridades na minha vida. É um momento de aproximação de Deus, uma experiência muito legal, eu gosto muito. A relação mais importante na vida é com Deus, não com as pessoas”, declarou.
Hajj
A peregrinação à Meca, conhecida como Hajj, este ano tem data prevista entre 28 de julho e 02 de agosto. As autoridades sauditas ainda não anunciaram seu cancelamento, mas a Umrah, peregrinação fora do período do Hajj, já está proibida, pois os locais sagrados estão fechados para cumprir a quarentena, e a entrada de estrangeiros está restrita no país. A orientação para o Hajj, por enquanto, é que os peregrinos não programem a viagem, pois o cancelamento pode acontecer a qualquer momento.