Isaura Daniel, enviada especial
Porto Iguaçu (Argentina) – O negociador do Egito na Organização Mundial do Comércio (OMC), Magdi Farahat, disse em entrevista à ANBA que o comércio entre seu país e o Mercosul poderá dobrar, ou até triplicar, após a conclusão do tratado de livre comércio negociado entre as duas partes. Ontem (07) ele assinou, como representante do Egito, um acordo prévio com o bloco sul-americano. O ato, realizado no primeiro dia da reunião de Cúpula do Mercosul, marcou o lançamento oficial das discussões para se chegar a um tratado de preferências tarifárias.
"Já temos a semente e com este acordo (prévio) vamos transformar a semente numa árvore, que dará frutos depois", declarou.
Ao contrário do quem vêm dizendo autoridades brasileiras e argentinas, que acreditam na assinatura de um acordo final até o término de 2004, Farahat, que também é ministro plenipotenciário de Comércio Exterior do Egito, disse que o processo de negociação deve levar mais um ano para ser concluído.
Farahat não disse quais as mercadorias que o Egito quer ver incluídas no tratado, e que vão gozar de tarifas preferenciais, mas disse que ele vai contemplar cerca de 30 produtos de cada um dos países envolvidos (Egito, Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai). Ele deu, no entanto, alguns exemplos de itens que seu país tem interesse em exportar para o bloco, como o algodão, além de outros produtos agrícolas e farmacêuticos.
O ministro acrescentou que, como membro do Mercado Comum do Leste e Sudeste da África (Comesa), o Egito está numa posição estratégica e poderá comprar produtos básicos do Mercosul para depois transformá-los e vendê-los aos demais países do continente africano. "Mas temos interesse tanto em produtos agrícolas, como industrializados e serviços. Estamos abertos a todo tipo de produto", disse.
Farahat destacou ainda a importância do comércio entre os países em desenvolvimento. "O comércio sul-sul deve ser a base para o desenvolvimento dos países do sul", afirmou. "Nós compramos um pouco (de trigo) na América (EUA), um pouco na Austrália. Por que não comprar tudo no Mercosul?", perguntou.
Entre setembro e outubro deste ano deverá ocorrer uma reunião entre ministros e diplomatas dos países envolvidos para dar continuidade às discussões. Leia a seguir alguns trechos da entrevista:
ANBA – A aproximação comercial entre o Egito e o Mercosul pode gerar também uma aproximação política?
Magdi Farahat – Sempre que as relações econômicas se fortalecem, é normal que as relações políticas fiquem ainda mais fortes. Podemos ver isso em várias partes do mundo. As estreitas relações econômicas do Egito com os outros países do Comesa renderam frutos em outras áreas, como no caso da água e do desarmamento. As relações entre o Egito e o Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai não são novas. Nós não estamos começando esta relação, mas estamos aprofundando na direção econômica. Já temos uma relação profunda no campo político e menor no econômico. Agora é tempo de fazer com que os dois campos tenham a mesma profundidade e amplitude.
O que o Mercosul pode transferir de tecnologia para o Egito e vice-versa?
Cada país faz as coisas de uma maneira diferente do outro. Com certeza podemos aprender com Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. A pecuária na América Latina, por exemplo, é algo fenomenal. Nós não temos a mesma tecnologia. Podemos importar a tecnologia. E podemos exportar, por exemplo, a tecnologia do algodão, que é algo de alta qualidade no Egito. Vendemos o algodão cru, mas também fazemos fios, tecidos e roupas. O acordo pode gerar não somente integração comercial, mas também investimentos, intercâmbio de tecnologia e de técnicos.
O Egito tem interesse em investir em alguma área específica no Brasil?
Os investimentos não são decisões do governo, mas do setor privado. O que podemos fazer, como governo, é chamar o setor privado para conversar. Sempre que as pessoas conversam pode haver um resultado.
Qual a sua opinião a respeito do Mercosul?
Nós temos relações políticas com os países do Mercosul faz muito tempo. E, além disso, na OMC, em Genebra, temos relações muito estreitas. Nós estamos no G-20, por exemplo, na área da agricultura. Estamos juntos em muitas posições também fora desse setor, na área de meio ambiente, temos intercâmbio de serviços e de produtos industriais, então já temos a semente. E com este acordo vamos transformar a semente numa árvore, que dará frutos depois. O que estamos fazendo agora é espalhar a semente e colocar um pouco de água.
O acordo deve aumentar em quanto o fluxo de comércio entre Mercosul e Egito?
As possibilidades são muitas. Hoje o intercâmbio de produtos do Mercosul com o Egito já é grande, em torno de US$ 1 bilhão. Pode aumentar cem por cento, duzentos por cento…vai depender da terra que colocaremos na semente. Se a terra é boa…
O senhor acredita que o comércio sul-sul é uma saída para os países em desenvolvimento?
O comércio sul-sul deve ser a base para o desenvolvimento dos países do sul. Há muitas oportunidades a serem exploradas entre eles, há mercados muito grandes e ainda poucas relações econômicas. É possível aumentar mais, muito mais as relações comerciais dos países do sul. O Egito, por exemplo, é um país de 70 milhões de habitantes. Nós somos o maior importador do mundo de trigo. Brasil e Argentina são países exportadores. Nós compramos um pouco na América (EUA), um pouco na Austrália. Por que não comprar tudo no Mercosul? Por que os países do Mercosul, a Argentina, por exemplo, não compram algodão e açúcar do Egito? Entre o sul as oportunidades são enormes.
O Egito vai participar da reunião de cúpula dos chefes de estado árabes e sul-americanos que deve ocorrer no início do próximo ano?
Sim, o presidente Mubarak (Hosni Mubarak) disse que quer participar.
O que o Egito espera desta reunião?
Um aprofundamento das relações. As conversas entre os chefes de estado são catalisadoras de outras relações, sejam políticas, econômicas ou culturais. A cúpula será uma oportunidade muito boa para que, não apenas os chefes de estado se encontrem, mas para que as culturas dos países se encontrem, a economia dos países se encontrem e aí teremos os frutos dessa cúpula em vários aspectos das relações bilaterais.

