Alexandre Rocha
São Paulo – O Senado Federal aprovou na semana passada a indicação do diplomata Bernardo de Azevedo Brito como novo Embaixador no Iraque. Trata-se de um dos quadros mais experientes do Itamaraty e terá como missão fazer com que as relações entre os dois países voltem a ter a força que já tiveram no passado. "Nós não estamos começando, estamos retomando uma presença que já foi importante e que poderá voltar a ser importante", disse ele em entrevista à ANBA durante visita à Câmara de Comércio Árabe Brasileira.
De fato, se a corrente comercial entre os dois países ficou em US$ 572,5 milhões no ano passado, já foi de quase US$ 2,5 bilhões em 1985, segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do governo federal. Em meados da década de 1980, as exportações brasileiras para o país árabe chegaram a bater nos US$ 630 milhões anuais, contra US$ 50 milhões registrados em 2005.
E cacife para tal missão Azevedo Brito tem. Ele acumula um currículo de pioneiro. Ingressou na carreira diplomática em 1958 e foi responsável pela abertura de diversas embaixadas, como as de Zâmbia, Zimbábue e Namíbia, e mais recentemente do Escritório de Representação do Brasil em Ramallah, na Cisjordânia. "Considero a Palestina, do ponto de vista pessoal e profissional, uma boa introdução para a compreensão da região, seus problemas, suas ansiedades, suas frustrações e também suas realizações", afirmou.
O diplomata também já ocupou os cargos de Embaixador na Finlândia e de diretor-executivo do Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas (ONU). Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
ANBA – Como foi sua nomeação?
Bernardo de Azevedo Brito – Isso responde à decisão do governo brasileiro de reativar a embaixada, o que será feito de forma progressiva. Começaremos atuando a partir de Amã, na Jordânia, mas esta será uma etapa inicial com idas a Bagdá tão freqüentes e tão prolongadas quanto as circunstâncias o permitirem. O objetivo é de assegurar a presença física em Bagdá tão logo isso seja factível, em condições de segurança viáveis.
A razão, claro, é que o Brasil já teve no passado relações comerciais muito importantes com o Iraque, que é um país de grande expressão na região. É um grande produtor de petróleo, tem uma população significativa, tem um passado de relações com o Brasil e, portanto, estamos procurando voltar a esta presença, dando a ela um novo dinamismo.
O Senhor tem uma área de atuação mais forte?
A maior parte da minha carreira teve como tônica principal as questões econômicas e de desenvolvimento. Já mais para o final, nos casos da África Austral e da Palestina sobretudo, houve um enfoque político maior. Mas sempre tive uma preocupação principal com o desenvolvimento econômico e com as relações comerciais.
Existe um cronograma para saber quando efetivamente o senhor estará em Bagdá?
É muito difícil ser mais preciso quanto a este particular, porque somente após as primeiras viagens e levantamentos será possível verificar a logística necessária. Outros países já estão operando lá, mas é preciso ver a que custo, financeiro e outros. Essa é uma resposta, portanto, que não posso dar agora, pois dependerá dos levantamentos a serem feitos. Tanto pode ser relativamente rápido, como pode demorar um pouco. Após as primeiras estadas em Bagdá, espero poder fazer uma avaliação que possa submeter a meus superiores. De início serão idas e vindas a Bagdá, o que não impede que encontros sejam organizados em Amã com empresas desejosas de expandir a sua presença comercial no Iraque.
Há algum tipo de ação que as empresas devem tomar para participar da reconstrução do Iraque, que o Itamaraty imagina que devam ser tomadas?
O governo brasileiro já está tomando essa iniciativa. A feira realizada em Amã no ano passado teve esse sentido, e a própria designação agora de um embaixador, com vistas à reativação da embaixada em Bagdá, representa um novo gesto que redundará em apoio às iniciativas das empresas brasileiras que busquem espaço no mercado iraquiano. Outros países estão fazendo a mesma coisa. Pelo que pude observar várias empresas brasileiras têm interesse em retomar ou ampliar seus contatos no Iraque. O Brasil tem uma tradição de presença no Iraque e o país árabe pode oferecer uma demanda expressiva por produtos brasileiros. Não estaremos começando, portanto, mas retomando uma presença que já foi importante, e que poderá voltar a sê-lo.
Existe alguma dica para que as empresas não percam o momento?
Apesar das dificuldades, a normalização do comércio e da vida econômica está progredindo. Na região norte do país a situação já está estável, com negócios sendo feitos. As estatísticas de que se dispõe no momento não indicam claramente, contudo, o que é a exportação do Brasil para o Iraque, pois, na verdade, as exportações estão seguindo também por vias indiretas. O Brasil tem inúmeros produtos, altamente competitivos, de que o Iraque necessita. Sou otimista, mas devemos ir aos poucos, ver a realidade, os novos canais de comércio. Mas tendo sempre presente que há grande simpatia pelo Brasil, não apenas no Iraque, mas em todo o mundo árabe. Pude ser testemunha dessa simpatia na Palestina, onde sempre encontrei as portas abertas para os contatos feitos em nome do Brasil. A amizade do povo palestino, e do povo árabe em geral, muito me ajudou a cumprir a minha missão. Isso será também um fator extremamente favorável para minha nova missão.
Que produtos competitivos o senhor poderia citar?
Todos os alimentos, como carnes, produtos das áreas hospitalar e odontológica, equipamentos de transporte, serviços de construção. São apenas alguns exemplos. Ao governo cabe ajudar a identificar áreas de interesse, mas não podemos substituir o setor privado.
E nesse sentido qual o papel que a Câmara Árabe pode desempenhar?
A Câmara pode ser de grande utilidade na difusão das oportunidades, dos canais de comércio, da realidade que começa a aflorar. Ela tem todas as condições para isso. É um estímulo para mim ter a certeza de poder contar com a Câmara no apoio ao meu trabalho.
Como a experiência do senhor em Ramallah poderá ajudar agora no Iraque?
Trata-se de uma região que tem problemas interconexos. É claro que a questão da Palestina é muito diversa do problema que o Iraque está enfrentando neste momento, mas a compreensão da região no seu todo é importante. Considero a Palestina uma boa introdução para compreender a região, seus problemas, suas ansiedades, suas frustrações, que são muitas, e também suas realizações. Por exemplo, apesar de todas as dificuldades de uma terra ocupada, impressionou-me ver o enorme esforço feito pelos palestinos no setor da educação. É admirável ver como esse povo tão sofrido, pelo qual tenho o maior respeito, preocupa-se com a formação de suas novas gerações.
E quais iniciativas o senhor pretende tomar logo no início?
São tantas: primeiro ver a realidade, quais os países que estão operando no mercado, quais os nossos competidores, onde e como vêm eles atuando. Verificar, do lado iraquiano, quais os canais de comércio que já estão mais consolidados. Este reinício é delicado e é preciso conduzi-lo bem. É necessário ter um pouco de paciência. Um bom reinício será a melhor garantia de um caminho posterior seguro, seja em termos de relações entre governos, seja em termos da presença cada vez mais importante de empresas brasileiras no mercado iraquiano.
Mas o senhor acredita que o Brasil pode se tornar um parceiro comercial privilegiado?
Não tenho a menor dúvida de que o Brasil tem condições de ter um comércio importante com o Iraque, mas precisar isso em termos quantitativos é difícil, pelo menos por agora. O Brasil é um país que tem inúmeros produtos competitivos, e eu mencionei alguns. Vamos ver como as coisas irão se desenvolver.
E nas áreas social e humanitária, o que o Brasil pode fazer?
Por exemplo, gostaria de desenvolver uma presença brasileira em matéria de formação técnica, como contrapartida inclusive para relações comerciais em expansão. O Brasil tem uma grande experiência nisso e tem contribuído de maneira efetiva em vários países em desenvolvimento. Presumo assim que, também no Iraque, seja possível fazer algo na área da formação profissional.

