São Paulo – A oferta de cursos de árabe em São Paulo vem crescendo graças à chegada de pessoas em situação de refúgio e migrantes que vieram principalmente da Síria para a capital paulista nos últimos cinco anos.
Há cursos do idioma oferecidos pela Abraço Cultural, organização não governamental que tem por objetivo promover a troca de experiências, a geração de renda e a valorização dos refugiados, e pelo Centro da Língua Árabe, escola voltada ao ensino do idioma e da cultura árabe, fundada pelo sírio Mohamed Alsaheb. Também é possível encontrar professores nativos para aulas particulares pelo site Profes.
Cerca de dez anos atrás, um dos poucos locais em que eram oferecidas aulas de árabe na cidade era o Centro Cultural Árabe Sírio, que fechou em 2015.
Segundo a diretora executiva do Abraço Cultural São Paulo, Mari Garbelini, em 2019 a ONG teve mais de quarenta alunos de árabe. Em 2018, foram trinta e seis estudantes, e em 2014, vinte. A Abraço também oferece cursos de espanhol, inglês e francês, todos com professores nativos, migrantes ou que vieram para o País em situação de refúgio. “Tivemos duas turmas de árabe este semestre, fora as aulas particulares, até o nível cinco. Temos três professores sírios e semestre que vem pretendemos contratar mais”, disse Garbelini. A Abraço Cultural tem cinco anos.
Garbelini conta que como houve um aumento na oferta de cursos, a demanda pelas aulas de árabe de sua escola se manteve estável. Este ano, o espaço da ONG dobrou de tamanho e ela espera que a procura volte a aumentar para 2020. “Com novelas como Órfãos da Terra [folhetim das seis da Globo que foi ao ar entre abril e setembro], as pessoas ficam mais curiosas para aprender o idioma e a cultura árabe. Agora que a novela O Clone está reprisando no canal Viva [sucesso de audiência do horário das oito na rede Globo entre 2001 e 2002], deve voltar a aumentar a procura, e os motivos são diversos, às vezes a pessoa tem família árabe, ou é por causa do trabalho, ou mesmo por curiosidade”, avaliou.
O sírio Ali Jeratli é coordenador do curso de árabe da Abraço Cultural e um dos professores da escola. Formado em Hotelaria e Turismo, ele veio para o Brasil há cinco anos e trabalha na Abraço há quatro. Hoje, também atua na parte administrativa do Consulado da Síria em São Paulo. “Mudei de profissão porque queria mostrar as coisas boas sobre o meu país para os brasileiros e mudar a percepção das pessoas sobre a Síria, e árabe é uma língua muito bonita, muito rica, quero ver os brasileiros falando árabe”, disse Jeratli, que daqui dois meses deve receber seu passaporte brasileiro. “Não vim como refugiado, estava como residente e agora vou ganhar a nacionalidade, estou muito feliz, vou receber meus documentos”, contou.
O assessor de informação pública do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), Miguel Pachioni, corrobora a impressão de Garbelini. “Não só a oferta de cursos vem crescendo, mas a procura de brasileiros interessados em aprender o árabe e a receptividade em relação à cultura desses países vem aumentando também”, disse à ANBA.
Para ele, um caso emblemático é o do professor Mohamed Alsaheb, que fundou o Centro da Língua Árabe. “É uma proposta incrível por si só, ele envolve uma série de elementos culturais e gastronômicos além das aulas tradicionais. O idioma é um meio no qual tem toda uma cultura imersiva, a caligrafia também é outro elemento que trabalha a relevância da escrita, ele é um artista múltiplo”, elogiou Pachioni.
Alsaheb veio como refugiado para São Paulo há cinco anos. O sírio nascido em Damasco tem 38 anos é formado em Publicidade, e há dois anos abriu a escola de idiomas e cultura árabe. Ele e a síria Yamam Saad dão aulas na escola, que conta ainda com uma outra professora síria freelancer. No segundo semestre deste ano, o centro teve mais de setenta alunos de turmas. Se somados com os alunos particulares, adultos e crianças, são mais de noventa pessoas estudando a língua árabe.
Para o ano que vem, Alsaheb quer crescer mais. “Vamos abrir uma nova unidade no Paraíso, perto do metrô, uma casa maior com espaço para fazer também os eventos culturais, e esperamos ultrapassar os 100 alunos por semestre”, desejou. Os cursos intensivos para janeiro já estão com inscrições abertas.
Marcelo Haydu, diretor e fundador do Instituto Adus, contou à ANBA que a ONG não oferece mais cursos de árabe, mas continua fazendo capacitação de refugiados para o mercado de trabalho, e tem dois professores sírios e um palestino que dão aulas de inglês. “Começamos a ter muito mais procura pelo espanhol, e como nos especializamos no segmento de aulas in company [em empresas], optamos por fechar o curso de árabe”, disse.
Fundado em 2010, o Instituto Adus de Reintegração do Refugiado é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) que atua junto a refugiados e estrangeiros vítimas de migrações forçadas em São Paulo, para tentar reduzir os obstáculos que enfrentam para sua reintegração na sociedade. O Adus oferece aulas de português, inserção no mercado de trabalho e orientação jurídica para refugiados, além de contar com uma escola de idiomas na qual refugiados ministram aulas de inglês, francês e espanhol.
Dados
É considerada refugiada a pessoa que teme perseguição por raça, religião, nacionalidade, associação a um grupo social ou opinião política, e pela grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigada a deixar seu país de nacionalidade para buscar asilo em outros países.
O Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) do Ministério da Justiça e Segurança Pública decidiu 13.084 processos de solicitação do reconhecimento da condição de refugiado ano passado, e reconheceu 777 pessoas, sendo 476 da Síria, 52 da Palestina, 50 do Congo, 45 de Cuba, sete do Marrocos e cinco da Venezuela, entre outros países. A lista completa pode ser conferida aqui.
O Conare concedeu também a extensão dos efeitos da condição de refugiado para 309 pessoas, sendo 134 do Congo, 79 da Síria, 13 do Paquistão e 12 do Iraque, entre outros. Ou seja, 555 sírios foram reconhecidos como refugiados no Brasil em 2018, 51% do total.
O número de pessoas reconhecidas como refugiadas no País cresceu de 4.035 em 2011 para 11.231 em 2018. Mas muitas pessoas já saíram da situação de refúgio, ou seja, se naturalizaram brasileiros, optaram pela residência, retornaram ao país de origem ou faleceram. Atualmente, 6.554 pessoas mantém a condição de refúgio, sendo 36% sírios.