São Paulo – Tebet, Feghali, Haddad, Aziz, Kassab, Boulos, Temer, Amin, Maluf e tantos outros são os nomes árabes que transitam na política atual e que por ela passaram nos mais altos cargos do legislativo e executivo do Brasil. Sua presença na política brasileira não é apenas coincidência. Desde a primeira diáspora sírio-libanesa, iniciada no final do século 19 pela instabilidade do Império Otomano, árabes e descendentes conquistaram espaço no País nas mais variadas áreas, sendo mais reconhecidos por sua atuação no comércio, na medicina, no direito e na política.
Para celebrar o Dia Nacional da Comunidade Árabe (25 de março, como a rua paulistana), data que consta no calendário oficial do País desde 2009, a ANBA entrevistou duas importantes figuras políticas do cenário atual. A ministra do Planejamento e Orçamento do governo Lula, Simone Tebet, e a deputada federal pelo Rio de Janeiro, Jandira Feghali. As duas autoridades falaram sobre a família de origem libanesa, o legado da cultura árabe em suas vidas, a importância da comunidade árabe no País e a perspectiva para os quatro anos do governo que se inicia.
História
Os avós de Simone Tebet viajaram do Líbano para o Brasil no início do século 20. Parte da família fincou morada no interior de São Paulo, enquanto eles seguiram rumo ao Centro-Oeste do País e desembarcaram na estação ferroviária de Três Lagoas, no Mato Grosso do Sul, onde Simone nasceu, décadas depois. Lá, o avô Taufic Tebet conheceu a avó Angelina Jaime Tebet, que também migrou do Líbano com a família. Eles abriram um pequeno comércio de roupas e utensílios e tiveram cinco filhos.
“Um deles também partiu em outros trens da vida, estudou Direito no Rio de Janeiro e voltou um dia para ser prefeito da nossa cidade. Foi deputado estadual, governador, senador e ministro. Essa parte da história familiar é a do meu pai, Ramez [Tebet]. Portanto, qualquer semelhança não terá sido mera coincidência com a minha história de vida, porque também passei e passo por essas mesmas estações”, disse a ministra à ANBA.
A família de Jandira Feghali também é de origem libanesa e foi seu pai quem veio para o Brasil. Albert Feghali tinha 18 anos quando veio fazer turismo no País, onde conheceu a filha de libanês Nilza Mussalem Feghali e aqui ficou. Do casamento, nasceram Jandira e Ricardo Feghali.
“Minha família é uma família grande, única, Feghali é uma família só, a maioria ainda mora no Líbano. Uma boa parte é da área artística, uma parte é da área do direito e uma pequena parte é ligada à área de saúde, médicos. Minha tia, irmã do meu pai, foi uma grande atriz de cinema, teatro e cantora chamada Sabah; esse era o nome artístico dela, era muito conhecida”, contou Jandira Feghali à ANBA. A deputada disse que a família vem de uma cidade das montanhas chamada Bdadoun, perto de Wadi Chahrouh. Bdadoun fica a 18 km ao Sudeste de Beirute, uma viagem de cerca de meia hora de carro.
Comunidade árabe no Brasil
Simone Tebet afirmou que “a comunidade árabe teve, e tem, uma importância ainda não merecidamente reconhecida na formação da cultura brasileira”. Em sua visão, os libaneses sempre foram conhecidos como aqueles homens que, de porta em porta, vendiam bens de primeira utilidade. “Falantes, como sempre fomos. Mas eles não falavam somente da qualidade dos seus produtos. Eles levavam, e distribuíam, gratuitamente, a notícia dos outros mundos, dos outros quintais. Diria que a conversa deles, naquele tempo, foi precursora das nossas redes sociais, deste nosso tempo. Tal e qual, promovia a integração cultural de um País tão grande e tão diverso. Que 25 de março seja, portanto, pelo menos por um dia, o outro nome de todas as ruas do Brasil”, declarou.
A comunidade árabe no Brasil, Para Jandira Feghali, tem uma relação de reconstrução do País em muitas áreas, no setor do comércio, da indústria, entre os profissionais liberais e no campo político. “São muitos os que se estruturaram na representação política. Na minha família só eu, mas tem muitos árabes no campo da política, a começar pelo próprio ministro da Fazenda, Fernando Haddad”, lembrou.
Legado
A inquietude, o gosto pela boa prosa e o jeito coletivo de ser são alguns traços da origem árabe que Simone Tebet diz levar consigo. No mesmo tom, Feghali mencionou a generosidade, o lado afetuoso, amoroso e o acolhimento como parte de sua ascendência libanesa. “Essa capacidade de acolhimento, de receber em casa, os árabes têm muito essa característica”, disse.
Mas para a deputada, o legado mais importante da família foi o artístico, tanto para ela quanto para seu irmão. “Meu irmão é músico, Ricardo Feghali, do Roupa Nova, e eu também fui baterista profissional por muitos anos”, declarou.
A gastronomia árabe é um legado que Feghali e Tebet compartilham. Para a deputada, é uma herança marcante em toda família árabe. Tebet conta que falta tempo para exercitar a arte culinária, mas que a comida árabe sempre ocupou suas preferências. “E não somente pela variedade e pelo sabor. Talvez seja exatamente porque ela, além dessas características inigualáveis ao meu gosto, me faz bem à alma e me leva, numa viagem de retorno, à minha origem familiar. Uma viagem que me traz as mais belas lembranças da mesa de refeição familiar completa, com a presença física do meu pai, e dos tempos da comida árabe, variada e saborosa, da minha avó”, lembrou a ministra.
Perspectivas
Como ministra de um governo com o qual Simone Tebet afirma comungar dos mesmos sonhos, ela disse que fará todos os esforços possíveis para realizá-los. “Tirar o Brasil do mapa da fome, por meio da criação dos empregos que devolvam a cidadania; fertilizar, novamente, o trigo da fraternidade, do amor ao próximo e da justiça social em um campo no qual se lançou, ultimamente, sementes do joio do ódio e do negacionismo à vida. Cultivar novos sonhos, onde se plantou velhos pesadelos. Acho que esses mesmos sonhos também unem os nossos povos”, declarou Tebet, sobre suas perspectivas para os próximos quatro anos de governo.
Como deputada federal, Jandira Feghali afirmou ter “a perspectiva de quem está num campo que derrotou o fascismo no sentido eleitoral, porque ele ainda existe na base da sociedade”. Para ela, o sonho para os próximos quatro anos é a reconstrução do Brasil, criando um projeto de desenvolvimento humano para o País superar a guerra cultural no campo das ideias. “E deixar o Brasil de fato crescer, reconstituindo o papel do Estado brasileiro, reconstituindo as políticas públicas e fazendo o Brasil avançar, superando essa violência, esse ódio, e construindo uma cultura de paz”, declarou.
Cargos
Simone Tebet foi prefeita de Três Lagoas, vice-governadora do Mato Grosso do Sul e senadora pelo estado. É filiada ao MDB e atual ministra do Planejamento e Orçamento do Brasil. Tebet também é advogada e professora.
Jandira Feghali é deputada federal pelo Rio de Janeiro e está no oitavo mandato. Também é líder do PCdoB na Câmara dos Deputados. Antes de ser deputada federal, foi deputada estadual de 1987 a 1991. Ela é médica e foi baterista profissional.
Brimos
O autor do livro “Brimos: Imigração sírio-libanesa no Brasil e seu caminho até a política”, Diogo Bercito, falou à ANBA sobre o que mudou no cenário político brasileiro desde a publicação de seu livro, em 2021. Bercito é jornalista, historiador e romancista e está cursando doutorado em História na Georgetown University, nos Estados Unidos.
“O surgimento da Simone Tebet é uma das primeiras coisas que mudam o cenário”, disse Bercito, afirmando que gostaria de incluir um capítulo sobre a ministra em uma próxima edição de seu livro. “Surgiram outras figuras, como o senador Omar Aziz, que presidiu a CPI da covid-19, que eu poderia incluir no livro no futuro. [O deputado federal Guilherme] Boulos é outra figura que se consolidou muito. As lideranças vão mudando”, declarou.
Em um texto de Bercito para o Brazil Journal de 03 de janeiro, que ele mencionou na entrevista à ANBA, o pesquisador lembra que o comando da economia brasileira está agora na mão de dois descendentes de libaneses: Fernando Haddad na Fazenda e Simone Tebet no Planejamento. “A nomeação da dupla é mais um indício da projeção que os árabes e sua prole ganharam na política brasileira nas últimas décadas”, disse.
Bercito lembrou que, quando foi indicada ao Ministério do Planejamento, Tebet disse ter três coisas em comum com Haddad. Que ambos são professores universitários, têm família no Mato Grosso do Sul e são de origem árabe, e com isso, ela afirmou que “Não tem como dar errado”.
“Acho que a presença de Fernando Haddad e Simone Tebet nesses cargos tão altos e que tratam de um mesmo universo não foi acidental, a comunidade árabe chegou em um momento que ela é capaz e tem espaço para ocupar esses cargos de poder”, disse o autor.
Abdulbaset Jarour, um sírio muçulmano que veio como refugiado para o Brasil após a guerra no país em 2011, hoje é naturalizado brasileiro e concorreu ao cargo de deputado estadual por São Paulo em 2022. “Temos o surgimento dessa figura que também tenta entrar no jogo político brasileiro, de novas figuras desses migrantes mais recentes, e muçulmanos, vamos ficar de olho se eles terão o mesmo destaque”, disse Bercito.
Sobre o Dia Nacional da Comunidade Árabe, Bercito considera a data importante e emocionante. “Sou suspeito, porque tenho muito interesse por essa história. Acho bom a gente sempre lembrar essas histórias. Todo mundo aqui, pelo menos em São Paulo, come esfiha, kibe, tabule, e não só isso, os árabes estão no comércio, no direito, na medicina, na política. Os árabes têm um espaço especial no meu coração”, disse.
O autor afirmou que a história da imigração árabe ao Brasil é incomparável porque os árabes chegaram em um contexto muito diferente dos europeus. “A migração árabe é incomparável a qualquer outro movimento migratório que o Brasil recebeu. Os árabes vieram um pouco à revelia do governo brasileiro da época, porque não foram convidados, não existiu nenhum esforço diplomático brasileiro para que eles viessem. O Brasil recrutava migrantes na Europa, queria embranquecer a população, e os europeus católicos eram o grande alvo dessa política migratória”, contou Bercito.
Os árabes, em sua maioria, não passaram pela Hospedaria dos Imigrantes, não pararam nas plantações de café, continuou o pesquisador. “Eles viveram uma experiência muito diferente de italianos, de alemães. Não ficaram atrelados à terra. Ficaram mais na cidade e no comércio – não só, também trabalharam no interior, no cafezal, mas ficaram conhecidos pelo comércio, que não era considerada uma atividade nobre na época, a de caixeiro viajante”, disse.