São Paulo – Filha de libaneses, a bailarina, coreógrafa e gestora cultural Dalal Achcar construiu uma trajetória que une arte, persistência e raízes familiares. Nascida no Rio de Janeiro, passou parte da infância no Líbano, onde reencontrou o avô paterno e a avó materna, e conheceu mais profundamente a cultura que sempre carregou dentro de casa. Essa experiência, que marcou a sua formação pessoal e ajudou a sedimentar a ligação entre Brasil e mundo árabe, a acompanha até hoje.
“Vivi no Líbano dos 10 até os 13, 14 anos. A gente vinha às vezes para o Brasil porque meu pai tinha negócios aqui, mas sempre voltava para lá. Por isso, me sinto brasileira, mas me sinto muito libanesa também. O Líbano me deu raízes, uma ligação com a história e com a cultura que me amadureceram e me inspiraram na criatividade”, conta.
De volta ao Brasil, o balé surgiu como vocação. Mas como a dança ainda não era difundida no País, Dalal começou os estudos formais com dificuldades. Quando a mãe, que ficou viúva muito cedo, casou-se novamente, com um polonês apaixonado por música e cultura, foi ele, Henryk Spitzman Jordan, o padrasto, que a incentivou a estudar dança em Paris e dar os primeiros passos rumo à profissionalização.

O momento decisivo na carreira, no entanto, veio alguns anos depois com o encontro de uma das maiores estrelas do balé mundial, Margot Fonteyn, que se encantou com o talento da jovem brasileira e a convidou para concluir os estudos em Londres. “Foi assim que começou a minha carreira profissional. Eu fui para ficar um mês e acabei ficando um ano, aprendendo tudo e me apresentando”, relembra.
A partir daí, a carreira ganhou contornos internacionais. Dalal representou o Brasil em um baile de gala para a Família Real em Londres, realizou turnês pela Europa e montou espetáculos ao lado de alguns dos principais nomes da arte brasileira.

Na juventude, de volta ao país, fundou o Balé do Rio de Janeiro, associação sem fins lucrativos dedicada a oferecer espaço a jovens bailarinos talentosos sem oportunidades. Mais tarde, trouxe ao Brasil a metodologia da Royal Academia de Dança, de Londres, que revolucionou a formação de professores de balé no País.
“Foram dez anos viajando pelo Brasil inteiro para ensinar professores e implantar essa metodologia. Isso mudou o nível do ensino e fez com que bailarinos brasileiros se tornassem competitivos no cenário internacional”, afirma.
Nos anos 1970 ela criou uma escola que leva o seu nome. A instituição, que ensina a dança, cresceu e permanece até hoje como referência do balé no Brasil. Paralelamente, dentro da escola, ela desenvolveu o projeto social “A Dança Como Poder de Transformação”, que oferece aulas de forma gratuita e preparação profissional a crianças e jovens de comunidades em situação de vulnerabilidade. Dalal conta que muitos dos talentos formados pelo projeto conquistaram espaço em companhias de renome internacional.
“O projeto social permite que jovens que não teriam oportunidades encontrem um caminho. Já temos brasileiros dançando em companhias na Europa, Estados Unidos e até na Austrália”, explica a brasileira.
Além da vida como dançarina e dona de escola de balé, Dalal também atuou como coreógrafa. Nesta função, ela dirigiu o Balé do Teatro Municipal do Rio de Janeiro e, posteriormente, toda a Fundação Teatro Municipal, responsável por ópera, orquestras e corpo de baile. Durante sua gestão, levou milhares de estudantes para assistirem espetáculos, democratizando o acesso à arte e consolidando intercâmbios com importantes centros internacionais.
Ligação com o Líbano
Dalal conta que a ligação com o Líbano segue presente em sua vida. Ela guarda memórias da avó, das casas da família em diferentes regiões do país e da hospitalidade libanesa. Pretende levar o filho e os netos em uma futura viagem para que conheçam a terra de seus antepassados. “O Líbano é um país de história e cultura. É um lugar abençoado, com um povo muito bom. Sempre me senti pertencente, e ainda quero voltar muitas vezes”, diz.
Mesmo após décadas de carreira, até hoje mantém uma rotina intensa: dirige a escola, ensaia a companhia, escreve artigos e prepara novas coreografias. Aos que perguntam sobre sua idade, responde com humor: “Se eu parar para pensar na idade, não faço nada. Trabalho 14 horas por dia e isso me mantém ativa e jovem”.
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