São Paulo – “Podemos dizer que sou 75% libanesa”, diz Juliana Ganan, mineira que tem DNA libanês por parte de toda família materna e do avô paterno. A engenheira agrícola, com mestrado em Relações Internacionais, morou nos Estados Unidos, onde trabalhou no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), mas foi no Brasil que ela abriu seu primeiro negócio, a microtorrefação Tocaya Torradores de Café.
Nascida e criada em Itajubá, Minas Gerais, onde fundou a torrefação, não é de hoje que a cultura do café está presente na vida da família Ganan. O avô de Juliana veio do Líbano para o Brasil com 20 anos e trabalhou como mascate, anos depois ele conseguiu auxiliar o pai dela a comprar uma fazenda de café. “Meu pai trabalhou o café como commodity lá. Nós íamos para lá todo fim de semana. Mas é um produto diferente do que eu faço hoje”, conta ela.
As terras hoje não são mais da família, mas o gosto pelo fruto prosseguiu e se lapidou. “Eu tive contato com café especial, por incrível que pareça, fora do país. E voltei para trabalhar aqui no Brasil. Café é uma paixão muito grande. E eu não trabalhava com o que gostava, então fui fazendo cursos e decidi trabalhar com café”, revela ela, que cursou barismo nos Estados Unidos e torra em Berlim. “Estudei lá para pegar know-how de torra clara. Os cursos comecei em 2013 e voltei em 2016. Hoje, temos bastante torrefação boa aqui no Brasil também, mas na época não havia muitas”, explica Ganan.
Na família de origem libanesa, os mais velhos trabalham no comércio, mas os mais jovens estão cada um em uma área, ‘espalhados’ como diz a mineira. “A torrefação foi o meu primeiro negócio. Um dos meus irmãos mais velhos sempre foi comerciante e muito bom de comercialização, me deu dicas, mas foi um choque. Eu estava acostumada com as coisas andando certinhas nas empresas. E aqui demorou muito mais tempo e ficaram muito mais caras do que eu planejei. Mas todo mundo com quem eu converso e que empreende me diz que é assim mesmo”, lembra.
A torrefação tem Juliana à frente e mais duas mulheres na equipe que tem como objetivo oferecer uma torra que valorize cada característica dos grãos. A marca compra cafés de produtores da região em que está sediada, a Mantiqueira de Minas, mas tem também grãos da região do Caparaó e as Montanhas Capixabas. A marca vende para cafeterias e restaurantes e conta com um e-commerce para consumidor final.
Café para Bayrut
Ganan visitou o Líbano pela primeira vez no ano passado. Na viagem, a brasileira, que escreve para o portal especializado em cafés Sprudge, fez uma parada para conhecer a torrefação Kalei Coffee Co. A companhia fica na capital libanesa e lá, ela conheceu e entrevistou Dalia Jaffal, dona da torrefação. O contato se manteve e, quando ocorreu a explosão no Porto de Beirute, a brasileira escreveu sobre financiamentos coletivos em prol do comércio local, cercado de turismo e cafés.
Mas vendo a situação em que a população do país árabe se encontrava, a empreendedora quis fazer mais. “Decidi fazer algo pela Tocaya também. Peguei um café de um produtor parceiro nosso e criamos a campanha Café para Bayrut. Parte do faturamento estávamos destinando para a Live Love Beirut. Foram nossos contatos no Líbano que nos sugeriram essa instituição, que é menos conhecida e presta o serviço de apoio lá no Líbano”, afirmou Ganan.
A campanha foi bem aceita pelos consumidores da Tocaya. “Acabou muito antes do que esperávamos. Teve uma compra coletiva de Brasília, que levou 40 pacotes. E no final doamos o dobro do que estava previsto porque a cotação do real para o dólar estava muito ruim”, explicou a dona da torrefação.
Feliz com o resultado da ação, a mestre de torra conta como foi estar no país do Levante ano passado, onde ela conheceu Byblos, o Vale do Bekaa e Beirute. “Encontrei uma prima minha e foi muito legal, e rico em cultura. O que achei mais engraçado é que todo mundo parecia com a minha família. Até no jeito de falar. Pretendo voltar com mais calma”, relatou a mestre de torra.
Aqui no Brasil, a pandemia também mudou a rotina da empreendedora, que viu alguns de seus principais parceiros, restaurantes e cafeterias, de portas fechadas por meses. Uma das soluções foi investir tempo e estratégia nas vendas diretas ao consumidor pelo e-commerce da marca. “Já vendíamos, mas era uma porcentagem bem ínfima. Depois da pandemia, o faturamento com a venda online cresceu de 5% para 36%. Fizemos uma promoção que pretendo manter até o ano que vem de frete grátis acima de R$150 para algumas regiões. Isso incentiva as pessoas a estocar café bom em casa”, revelou ela.
Para o futuro da empresa, Ganan aprendeu uma nova lição com a pandemia, que afetou o setor de cafés especiais no Brasil. “Estamos tentando reestruturar os processos. E nos adaptando a esse novo modelo de negócio que é mais online do que tudo. Mas se tem algo que a pandemia ensinou foi a não fazer planos. Um passo de cada vez”, arrematou ela.