Alexandre Rocha
São Paulo – A decisão da Organização Mundial do Comércio (OMC) de condenar os subsídios norte-americanos ao algodão poderá, no futuro, abrir uma fatia de 16% do mercado mundial para outros produtores, entre eles o Brasil. Essa é a avaliação do diretor-executivo da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), Hélio Tollini.
Hoje o comércio internacional de algodão movimenta cerca de 20 milhões de toneladas por ano, sendo que os EUA são o maior exportador com 42% do mercado. Segundo Tollini, o fim dos subsídios pode representar uma queda de 40% nos embarques norte-americanos.
“É claro que outros produtores vão disputar essa fatia, mas o Brasil certamente estará nessa disputa. Ainda não fizemos a conta de quanto o país pode ganhar, mas posso dizer que somos muito competitivos”, disse.
O diretor da Associação Nacional dos Exportadores de Algodão (Anea), Marco Antonio Aluisio, acrescentou que o corte dos subsídios certamente vai resultar também no aumento do preço do produto no mercado internacional, que hoje gira em torno de 50 centavos de dólar por libra-peso. “O preço foi colocado para baixo artificialmente com os subsídios, já que os Estados Unidos são o maior exportador”, afirmou.
Em sua queixa, o Brasil sustentou que os EUA concederam US$ 13,1 bilhões em subsídios aos seus produtores entre 1999 e 2002, o que causou uma queda de 12,6% no preço médio da commodity. A redação do relatório final do painel que o Brasil moveu contra os EUA foi divulgada na quarta-feira (08) pela OMC.
Apesar das previsões otimistas, os especialistas afirmam que é preciso cautela, uma vez que os Estados Unidos ainda podem recorrer da decisão e, mesmo se ela for confirmada, o país não é obrigado a acatá-la, já que a OMC não tem poder executivo no caso.
“A OMC recomenda a retirada dos subsídios, não tem poder de forçar os Estados Unidos a cumpri-la”, disse o presidente da Associação de Empresas Brasileiras para a Integração de Mercados (Adebim) e secretário-geral da Câmara de Comércio Árabe Brasileira (CCAB), Michel Alaby. “O Brasil pode até retaliar em caso de descumprimento, mas pessoalmente eu não sou favorável porque isso pode representar menos comércio e nós queremos mais comércio”, acrescentou.
Segundo ele, os Estados Unidos têm 60 dias para recorrer da decisão, a contar de 8 de setembro. Já o prazo original para a recomendação de retirada dos subsídios expira no dia 1 de julho do próximo ano. Mas, na avaliação de Alaby, com o recurso dos norte-americanos, este prazo pode aumentar em mais um ano.
O fato é que eventuais efeitos da decisão, de acordo com os representantes do setor, só deverão ser sentidos a partir da safra que será colhida em 2006. Isso porque, mesmo que os EUA não recorram, quando o prazo para o corte dos subsídios expirar, a safra 2004/2005 já terá sido plantada. “O julgamento da OMC não vai influir na decisão de plantio desta safra”, disse Tollini.
Tanto isso é verdade que, segundo ele, a previsão da produção brasileira para 2005 é bastante semelhante ao que foi colhido em 2004, algo em torno de 1,25 milhão de toneladas. Desse total, espera-se exportar, até o final do ano, 400 mil toneladas.
Investimentos, açúcar e álcool
No entanto, na avaliação de Alaby, a decisão da OMC deve favorecer os investimentos na produção brasileira de algodão no futuro. “O custo de produção no Brasil é mais baixo do que nos EUA. Então a tendência é que os próprios norte-americanos venham investir aqui, como já ocorre no caso da soja”, afirmou.
Se o aumento dos investimentos na cultura de algodão ainda não é garantido, no caso do açúcar e do álcool ele já pode ser observado. Também na quarta-feira (08) o governo brasileiro recebeu o relatório final do painel da OMC sobre os subsídios da União Européia à produção e exportação de açúcar.
Em julgamento de primeira instância, divulgado no início de agosto, o órgão havia condenado os subsídios europeus, atendendo à demanda proposta por Brasil, Austrália e Tailândia. O conteúdo do relatório ainda é confidencial, mas o Itamaraty já anunciou que a OMC “manteve a essência das conclusões” da decisão preliminar.
Segundo o assessor técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), José Ricardo Severo, mais de 40 unidades industriais para a produção de açúcar e álcool devem ser construídas no Brasil no futuro próximo.
De acordo com ele, a decisão dos produtores de fazer os investimentos teve como principais causas a possibilidade de abertura de mercados com a decisão da OMC e as perspectivas de crescimento do comércio internacional de álcool combustível, já que outros países, além do Brasil, começam a adotar a mistura do derivado de cana-de-açúcar na gasolina para diminuir a emissão de poluentes.
“As decisões de fazer investimentos não ocorreram só por causa da decisão da OMC mas, com certeza, ela contribuiu para isso”, declarou.
Segundo projeção da União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (Unica), entidade que representa o setor no estado que, por sua vez, responde por 60% da produção de açúcar no país, o Brasil poderá exportar anualmente pelo menos 1,5 milhão de toneladas a mais da commodity com o fim dos subsídios europeus, o que deve render receitas adicionais de US$ 400 milhões.
Outras queixas: Arroz e lácteos
Na avaliação de Alaby, as vitórias brasileiras nas disputas em torno do açúcar e do algodão indicam que outros processos contra os subsídios concedidos pelos países ricos na área agrícola podem ser movidos, como no caso da produção norte-americana de arroz e os benefícios europeus ao setor de lácteos.
“Mas isso deve partir do próprio setor produtor que tem que solicitar ao governo (que entre com a queixa)”, afirmou.
Ele ressaltou, porém, que, com a liderança que o Brasil tem exercido nas queixas à OMC relativas à área agrícola, o país corre o risco de sofrer retaliações ou perder a classificação de “país em desenvolvimento” no que diz respeito à agricultura e, conseqüentemente, os benefícios que goza nessa situação.

