São Paulo – No primeiro contato, a firmeza no aperto de mãos e o sorriso aberto revelam a determinação, a confiança e a simpatia de Denise Jafet (foto acima), que desde 2021 ocupa a cadeira de presidente do Conselho de Administração da Sociedade Beneficente de Senhoras do Hospital Sírio-Libanês, entidade que conta com 350 associadas há 25 anos, e que administra o hospital há mais de cem. “A liderança feminina é parte da nossa história. Muito antes de começarem a falar em inclusão e igualdade de gênero, nós já praticávamos esses conceitos por aqui”, conta Denise, em entrevista exclusiva dada à ANBA para marcar o Dia Nacional da Comunidade Árabe.
A organização presidida por ela foi fundada em 1921 por iniciativa de dona Adma Jafet (Líbano, 1886 — São Paulo, 1956), que ao lado de amigas da colônia árabe, lançou a ideia de construir um hospital como forma de agradecer à sociedade brasileira pela acolhida que tiveram ao chegar. “Acredito que a filantropia e o trabalho voluntário eram formas de expressão feminina numa época em que muita coisa era proibida às mulheres, até mesmo o voto.” Isso explica como, no início do século 20, esse grupo pôde captar recursos para concretizar a ideia de criar um espaço que atendesse a população em geral, e não apenas dos oriundos da sua colônia. “Outros hospitais da cidade têm origem semelhante, como o Oswaldo Cruz, da comunidade alemã, e foram construídos com esse mesmo propósito: contribuir para melhorar a vida das pessoas.”
Denise está na mesma função que dona Violeta Jafet (1908-2016), avó de seu marido, ocupou por 50 anos, e assumiu seu cargo atual quando a instituição completou um século de vida. Não foi coincidência que, naquele mesmo ano, a entidade tenha sido reconhecida internacionalmente como um espaço corporativo que promove a presença feminina em conselhos consultivos ou de administração, e tenha recebido por isso o selo de certificação do WOB, Women on Board, uma iniciativa sem fins lucrativos respaldada pela ONU Mulheres. Ela destaca que entre os profissionais da instituição, 66% são do gênero feminino. “Mas ainda vamos melhorar isso”, garante. Dos 12 membros do Conselho de Administração, cinco são mulheres.
Dona Violeta herdou da mãe, a idealizadora do hospital, a missão de fundar o Sírio-Libanês, cujas portas só foram abertas em 15 de agosto de 1965, nove anos depois da morte de Dona Adma. O prédio construído na região da Bela Vista, em São Paulo, levou 20 anos para ficar pronto e foi entregue em 1941. Poderia ter começado suas atividades no mesmo ano se o governo paulista não requisitado a propriedade e instalado ali uma escola de cadetes. Foram décadas de muita conversa, diplomacia e persistência até que a comunidade recuperou o edifício, fez a reforma necessária e deu a ele o destino para o qual tinha sido criado. Nascia o Sírio-Libanês!
Como carreira, Denise escolheu exatas: formou-se em Matemática e fez pós-graduação em Economia, mas acabou escolhida pela área de humanas. Ela garante que manter uma instituição filantrópica no país, por tanto tempo, não é uma tarefa fácil, e destaca esse como seu desafio número um. “Isso é inegociável, a gente não abre mão de ser uma instituição sem fins lucrativos.” Assim como ela, diretoras e conselheiras trabalham voluntariamente. O segundo ponto importante no seu trabalho é o legado que a instituição quer deixar para a posteridade: “Sabe aquela ideia de entregar algo melhor do que quando você recebeu? É isso!” Ela diz que é um estímulo, e cita dona Violeta, com quem conviveu, como uma verdadeira inspiração. “Ela não frequentou escolas formais, mas foi educada por preceptores; tinha uma cultura incrível, falava vários idiomas e também sabia escutar. Até os 99 anos, ela circulava pelos corredores do hospital, e até os 106, fazia discursos nos Natais da família. Ela e a mãe eram mulheres muito avançadas, que pensavam e agiam muito à frente do seu tempo.”
Desde o início dos anos 2000, o Sírio oferece cursos de pós-graduação, residência médica, mestrado e doutorado e acaba de abrir as primeiras turmas de graduação para Psicologia, Fisioterapia e Enfermagem, com 50 vagas em cada uma, sendo que 20% desse total são para bolsas de estudo integrais. “Uma coisa da qual tenho certeza é que a educação é transformadora. Ela muda a vida da pessoa, de quem está em torno dela, e de toda a sociedade. É nossa obrigação elevar a régua da educação na área da saúde, temos conhecimento adquirido, tecnologia, e queremos formar profissionais que possam atuar aqui, em outras instituições ou no sistema público.” Num segundo momento, para evitar a evasão, Denise explica que as bolsas de estudo também terão ajuda de custo. “Parece óbvio, mas para estudar com tranquilidade e dedicação, as pessoas precisam de recursos para viver e isso está difícil.”
Denise assume fortemente sua fé na sinergia entre diferentes gerações. “Essa convivência com jovens nos atualiza, provoca, estimula movimentos de mudança, e isso é muito bom! Até renovarmos o vocabulário.” Aproximar as novas gerações do trabalho no hospital é uma tarefa encampada por ela. “Queremos apresentar o espírito e o propósito desta missão para os jovens que ocuparão esta cadeira no futuro.” Uma das ideias que está sendo discutida é a criação de um grupo de voluntariado jovem, que vai trabalhar junto a uma ONG que incentiva o esporte para cadeirantes, além de manter uma oficina que conserta cadeiras de rodas. “O objetivo é desenvolver esse olhar para o outro, a empatia, entender as reais necessidades dessa pessoa e ajudar na construção de um objeto que poderá ser doado.”
Reportagem de Paula Medeiros, especial para a ANBA