São Paulo – Programas sociais previstos em lei são fundamentais para garantir os direitos das crianças. A afirmação é de Anna Carolina Machado, co-autora do estudo “O Direito das Crianças à Proteção Social na Região do Oriente Médio e Norte da África – Uma Análise dos Marcos Legais de uma Perspectiva dos Direitos da Criança” (Children’s Right to Social Protection in the Middle East and North Africa Region—an Analysis of Legal Frameworks from a Child Rights Perspective), que será lançado nesta quinta-feira (08) pelo Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG, na sigla em inglês). O estudo para conhecimento público, em inglês, é uma parceria com do Fundo das Nações Unidas para a Infância do Escritório Regional para o Oriente Médio e Norte da África (Unicef Menaro).
Este é o segundo volume de uma série de quatro estudos sobre o tema da infância na região. O primeiro foi divulgado em maio e teve foco no mapeamento de políticas de proteção social, como programas de transferência de renda, doação de alimentos e merenda escolar. Em breve, o sumário executivo dos dois estudos publicados poderá ser lido também em português, francês e árabe.
Neste novo estudo, o foco é sobre a parte jurídica dos países do Oriente Médio e Norte da África no que concerne às leis voltadas para os direitos das crianças. Foram pesquisadas legislações, constituições e estatutos das crianças em um total de vinte países da região. São eles: Arábia Saudita, Argélia, Bahrein, Djibuti, Egito, Emirados Árabes Unidos, Iêmen, Irã, Iraque, Jordânia, Kuwait, Líbano, Líbia, Marrocos, Omã, Palestina, Qatar, Síria, Sudão e Tunísia. Todos são árabes, com exceção do Irã. O estudo completo, em inglês, pode ser lido no site do IPC-IG.
Machado, mestre em Políticas Públicas pela Universidade de Bristol (Reino Unido), antecipou à ANBA que a pesquisa teve como base um estudo da Unicef de 2017 com onze países árabes, que revelou que uma em cada quatro crianças sofre de pobreza aguda multidimensional, e os países afetados por conflitos e situações humanitárias, como Iraque, Líbia, Síria e Iêmen, em especial, viram uma reversão nos indicadores de bem-estar infantil. De acordo com ela, as populações vulneráveis são as mais afetadas em ambientes extremos, pois dependem do governo e de doações para subsistir. A outra autora do estudo é a alemã Charlotte Bilo.
“Pesquisamos o que existe de legislação nacional de cada país e encontramos cerca de 150 programas de proteção social voltados para crianças, sendo 88 previstos em lei, e entendemos que esse é um passo relevante para preservar os direitos das crianças e os direitos humanos naqueles países”, explicou a pesquisadora.
Machado informou que o fato de existirem essas leis, ainda que recentes, é um elemento importante para a agenda de desenvolvimento da ONU, em que constam 17 objetivos de desenvolvimento sustentável a serem aplicados até 2030. “Notamos que algumas leis são muito novas, dos anos 2000 e 2010, porque a região passa por um período de muitas mudanças políticas e econômicas, e observamos uma transição importante, com políticas focalizadas, centradas, que prestam mais atenção à população mais pobre”, apurou.
Um dos exemplos de programas sociais mencionados no estudo é o Takaful, um programa de transferência de renda do Egito similar ao Bolsa Família, do Brasil – que se tornou uma referência mundial no combate à pobreza -, e tem funcionalidade parecida. Ou seja, para famílias com crianças de até seis anos, é necessário fazer exames regulares em postos de saúde, e para crianças em idade escolar, a presença em sala de aula é o que garante o direito ao programa.
Machado disse que no Iêmen também existe um programa de proteção social de transferência de renda similar ao Bolsa Família, chamado Social Welfare Fund, mas que ele foi interrompido devido ao conflito no país, que está em guerra civil desde 2015. Já na Argélia, muitos programas sociais voltados para crianças estão previstos em lei, o que surpreendeu as pesquisadoras.
“Pudemos ver que em alguns países teocráticos [aqueles em que o poder político se baseia em preceitos religiosos, neste caso, no islamismo], existe uma menção do Alcorão que prevê assistência aos mais pobres, o chamado Zakat (um dos pilares do livro sagrado do Islã), uma espécie de dízimo da Igreja Católica, e que no Sudão, na Palestina e na Jordânia, é aplicado como lei em formatos que variam de país para país, canalizando recursos para políticas de assistência e programas sociais a partir da coleta do Zakat, instituído como um imposto”, informou.
O estudo revelou que no Iraque existe uma lei de proteção social desde 2014, que compreende programas de distribuição de renda, distribuição de alimentos e fontes de financiamento. “É um caso muito positivo porque identifica os beneficiários, e quando o programa social vira lei, há maior chance de se consolidar como direito”, explicou Machado. No Djibuti também consta legislação semelhante.
De forma geral, o estudo contabilizou programas de transferência de renda, programas de alimentação escolar, de acesso à saúde, à moradia, distribuição de alimentos (segundo Machado, muito comuns na região), Cash-for-Work – programas assistenciais de curto prazo para fornecer emprego temporário em projetos públicos -, e também subsídios para baratear o custo de insumos como alimentos e combustíveis.
“Nesse caso do subsídio, o país acaba beneficiando mais as famílias mais ricas, que consomem maior quantidade de insumos. Sabemos que não há uma solução perfeita, mas poderia haver uma transição gradual, porque cortar o benefício também poderia elevar muito os preços e prejudicar muita gente”, ponderou Machado. O corte de subsídios vêm ocorrendo em países árabes que promovem políticas de ajuste fiscal.
A pesquisadora analisou que estão acontecendo mudanças importantes na região e que há políticas sociais muito novas, portanto há espaço para fazer mais pelas crianças dos países pesquisados. “Queremos expor as boas práticas da região e disseminar os resultados para incentivar esses programas, para que essa experiência possa ser compartilhada com outras regiões do mundo”, concluiu.
Entre as recomendações do estudo para os países pesquisados estão o trabalho em prol de legislações e documentos que estabeleçam a proteção social como um direito, garantindo que tal direito seja estendido a todos, inclusive às crianças; assegurar que a legislação de proteção social seja inclusiva e não discriminatória, com foco nos menos favorecidos e marginalizados; estabelecer marcos regulatórios para garantir o acesso por parte dos refugiados a um mínimo de proteção social, com apoio de doadores internacionais, e garantindo igualdade de tratamento para todos em situação de refúgio independentemente da nacionalidade.
Sobre
O Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG) é um fórum global para o diálogo Sul-Sul sobre políticas de desenvolvimento inovadoras, que tem por objetivo promover a produção e divulgação de estudos e recomendações políticas, o intercâmbio de melhores práticas em iniciativas de desenvolvimento e a expansão do diálogo Sul-Sul. Criado em 2004, o IPC-IG é fruto de uma parceria entre o Governo do Brasil, representado pelo Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (MP) e pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
Anna Carolina Machado é mestre em Políticas Públicas pela Universidade de Bristol, no Reino Unido, e bacharel em Administração Pública pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ingressou no IPC-IG em 2015, onde trabalha como pesquisadora e contribuiu com projetos em parceria com a Unicef sobre proteção social sensível às questões relacionadas às crianças, com o Programa Mundial de Alimentos (PMA), Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (Fida) e outras organizações no Brasil, África subsaariana e no Oriente Médio e Norte da África.