São Paulo- A aplicação da Sharia em contratos comerciais entre empresas brasileiras e árabes pode dar à relação comercial regras distintas das aplicadas pela legislação do Brasil. A Sharia é o nome dado ao Direito Islâmico, conjunto de regras baseado no Alcorão e nas tradições do profeta Maomé. O modo como as companhias nacionais podem lidar com estas diferenças legais foi o tema da palestra “Direito Islâmico e Direito Internacional”, realizada nesta quarta-feira (26), na Câmara de Comércio Árabe Brasileira, em São Paulo, com os advogados Rabih e Salem Nasser.
Rabih e Salem são sócios em um escritório de advocacia que atua nas áreas de comércio e investimentos internacionais, consultoria empresarial, direito internacional e arbitragem. Ambos são professores da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo (FGV).
“Em caso de divergências entre duas empresas, como uma mercadoria que não atende às especificações, é preferível que esteja determinado [em contrato] a regra de qual país será aplicada”, destacou Rabih. Segundo o advogado, é importante que as empresas considerem quais regras do outro país, como sanitárias ou de transferências de recursos, por exemplo, podem afetar seu negócio com a outra parte. “Nos países árabes, existe a determinação de que o produto precisa chegar lá com um prazo de validade estabelecido, sob pena de não ser liberado”, exemplifica.
Rabih explicou ainda quais as cláusulas devem constar de um contrato comercial internacional, como as que indicam os bens que estão sendo comercializados, prazos de entrega e pagamento, fórmula de cálculo do preço, consequências da inadimplência, condições para rescisão, entre outras. “Há países que exigem certas certificações e isto tem que ser levado em consideração no custo da empresa que está vendendo”, afirmou.
Sobre esta questão, Michel Alaby, CEO da Câmara Árabe, destacou o trabalho da entidade. “É importante que os documentos sejam certificados na Câmara, porque isso dá uma segurança maior [ao negócio].”
Salem lembrou que a Sharia não é algo “único”. “Há quatro grandes escolas jurídicas sunitas e uma grande escola xiita. Assim, a Sharia varia de acordo com a escola adotada em cada país.” De acordo com ele, há termos em comum entre o direito brasileiro e a Sharia, “como a questão da boa fé, a questão do respeito aos contratos e da observância do que foi contratado”.
“Há uma dupla preocupação quando há a possibilidade de a Sharia se aplicar a um contrato de uma parte brasileira. É preciso tomar cuidado com quais são os princípios gerais da Sharia e também se estamos nos referindo à Sharia tal como ela é implementada por um sistema jurídico nacional, que normalmente vai ter suas especificidades. Ou então, partes da Sharia podem ser incorporadas pelas duas partes como termos do contrato, incluídas como cláusulas”, explica o advogado.
Participantes
Com uma plateia cheia, o tema despertou o interesse e também dúvidas entre os participantes, que buscavam mais detalhes sobre como poderiam tratar do assunto em suas empresas.
“Nossa intenção é conhecer mais sobre o relacionamento comercial com os países árabes, ter um contato mais próximo”, afirmou Charles Amaral, analista de exportações da Inbra Indústrias Químicas, empresa que produz e exporta óleo de soja para utilização como plastificante. “Exportamos para vários países. No mundo árabe, vendemos principalmente para os Emirados”, conta.
“Precisamos ter pelo menos um conhecimento básico para saber com o que estamos lidando”, destacou Eduardo Ariboni, sócio da ARB Assessoria Empresarial, empresa que atua com companhias produtoras de açúcar e tem clientes no Egito, Síria e Iraque.
Para Geovana Quadros, coordenadora de Exportações da Cadiveu, empresa de cosméticos para cabelos, que há três anos exporta para o mundo árabe, há importantes regras da Sharia que acabam influenciando seu negócio.
“Quando eu trato de divulgação da imagem do produto, tenho que respeitar as modelos que utilizo nesta divulgação. Por exemplo, não posso mostrar ombros, a parte do colo. Querendo ou não, isso influencia quando você faz uma exportação”, afirma.

