São Paulo – Eles estão em todos os setores da vida política, econômica e social do Brasil. Muitos, mas muitos mesmo, ocupando posições de destaque. Basta dizer que o prefeito da maior cidade da América do Sul, São Paulo, Gilberto Kassab, tem ascendência libanesa. O mesmo vale para o atual ministro da Educação do país, Fernando Haddad, para o médico do presidente da república, o cardiologista Roberto Kalil Filho, e para a mais famosa organizadora de casamentos do país, a empresária Vera Simão, todos nascidos em famílias com raízes no mundo árabe.
Seja qual for a área de atuação, o traço que os une é a vocação empreendedora e o respeito a valores como ética e respeito ao próximo acima de quaisquer outros objetivos. Juntos, eles escrevem todos os dias uma história de trabalho, e, principalmente, de muito orgulho de suas origens.
“Nas minhas veias correm esfihas e quibes”, garante Roberto Kalil Filho, médico do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e diretor do Centro de Cardiologia do Hospital Sírio-Libanês. Tamanha paixão pelas raízes faz com que o cardiologista siga até hoje uma lição que aprendeu com a mãe: “Manter sempre a cabeça erguida para enfrentar com dignidade os problemas e se dar bem na vida”.
Além de Kalil, são destaques nacionais na medicina, entre outros, filhos ilustres da comunidade como Adib Jatene, o cirurgião cardíaco mais famoso do Brasil, e Riad Younes, especialista em câncer do pulmão que chegou aqui aos 16 anos, refugiado da guerra civil do Líbano, e ajudou a projetar internacionalmente o Hospital do Câncer, de São Paulo.
Foi do Líbano também que vieram os parentes do ministro da Educação, Fernando Haddad. “Meu pai veio para o Brasil em 1947. Foi o último que veio ao Brasil encontrar a família”, afirma Haddad.
Além dele, homens públicos como o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, enchem a boca para falar de suas origens árabes. À frente da principal entidade de industriais do estado que responde por 33,9% do PIB nacional, Skaf conta que a vocação para os negócios vem do berço.
“A tradição e o talento árabes para o comércio estão em minhas raízes. Comecei a trabalhar cedo, fazendo bicos em lojas no Natal”, diz Skaf. “Minha primeira venda importante foi aos 14 anos, quando ganhei uma boa comissão pela venda de um imóvel na Avenida Paulista. A sensação foi realização para mim e para o meu pai, que mostrava o cheque que recebi pela transação aos amigos, todo orgulhoso”, lembra.
Também um empresário bem sucedido, o diretor de Marketing e Expansão da Ri Happy Brinquedos, rede de lojas com 94 unidades em 17 estados do país, Ricardo Sayon, é outro que tem orgulho total de ser neto de libaneses. “Os primeiros imigrantes foram heróis”, diz Sayon. “Adoro a cultura árabe. Somos solidários, emotivos, passionais. Capazes de brigar por um centavo numa conta e depois pagar mil vezes mais só para ajudar um amigo, só pelo prazer de prover”, explica.
O que ficou dessa herança na formação pessoal e profissional do dono da Ri Happy? Duas lições importantes, aprendidas com o pai e seguidas à risca até hoje: “Ele dizia que os princípios e as relações estão acima dos negócios e ainda que toda decisão definitiva deve ser adiada para o dia seguinte, para que haja tempo para ponderar e agir com isenção”, conta.
É a valores assim que a empresária Vera Simão se refere quando fala de sua origem árabe (ela é filha de pai libanês e neta de imigrantes daquele país por parte de mãe). “Aprendi em casa a importância da ética, correção, respeito pelas pessoas e sinceridade ao fazer negócios”, explica. Criadora da primeira feira de casamentos do país, a Casar, em 2002, Vera trabalha há mais de 30 anos na área de eventos. E se sente parte de uma história vitoriosa, que começou com os primeiros imigrantes e hoje é celebrada no Dia Nacional da Comunidade Árabe. “Me sinto como se tivesse vivido muitas vidas, todas essas que vieram antes. Trago essa história no meu DNA”, afirma.
Uma história tão rica que serve de matéria-prima para os artistas. Os mesmos que, com sensibilidade e talento, transformam em arte diferentes referências. É o caso do escritor carioca Alberto Mussa, autor, entre outras obras, de O Enigma de Qaf, O Movimento Pendular e Elegbara, publicados pela Record. As origens do autor estão nas páginas de seus livros. E muito o influenciaram. “Meu avô paterno, nascido no Líbano, era um homem culto, que tinha uma biblioteca enorme e falava dez línguas”, conta.
Outro representante ilustre da comunidade, o artista plástico e professor universitário Ferres Khoury, também traz nas peças que faz as influências que teve. “É bom ser filho de libanês, ter tido contato com os modos de ser de outras culturas inseridas na cultura brasileira”, explica ele, que usa a caligrafia inspirada na escrita árabe como imagem e como modelo artístico. Na vida pessoal, Khoury diz dever ao pai o capricho na hora de abrir a casa para os amigos. “Ele gostava do bom trato, de criar laços profundos com as pessoas”, diz ele, referindo-se a uma tradição que, muito além de sua família, ficou gravada como uma página importante da história do Brasil.