Alexandre Rocha
São Paulo – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai ser o primeiro presidente da República do Brasil no exercício do cargo a visitar os países árabes. No entanto, ele não será o primeiro governante brasileiro a fazê-lo. Esse feito coube ao imperador Dom Pedro II, que em duas grandes viagens que fez em 1871 e em 1876-77 passou longos períodos no Oriente Médio e no Norte da África.
D. Pedro, homem erudito e entusiasta da cultura, das artes e das ciências, viajou pela Palestina, Síria, Líbano e Egito, estes três últimos países que serão também visitados por Lula em dezembro. Das suas andanças, o imperador trouxe artefatos, mapas, exemplares da flora local, anotações preciosas, vários livros que hoje integram o acervo da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, e muitas, mas muitas fotografias.
"Ele era encantado pelo Oriente, principalmente o Egito o fascinava muito, fazia registros em seu diário como se fosse um pesquisador", diz o professor Rubens Fernandes Júnior, diretor da Faculdade de Comunicação da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), em São Paulo, e curador da exposição "De Volta à Luz", que mostra fotografias nunca vistas do acervo pessoal do imperador (ver texto abaixo).
Interesse pela influência oriental
De acordo com o professor, mesmo nas viagens que fez a Portugal e Espanha, o imperador demonstrou mais interesse na influência oriental, presente principalmente na arquitetura dos dois países que viveram durante séculos sob o domínio árabe. Várias das fotos adquiridas por ele na Espanha, por exemplo, foram tiradas na Alhambra, cidadela construída entre 1238 e 1358 pelos governantes mouros de Granada.
Fernandes ressalta que d. Pedro foi um dos únicos governantes do mundo que visitaram o Oriente Médio em sua época "e o único brasileiro".
"Mas ele não buscava só a arquitetura, mas também personagens", disse Fernandes. Entre as fotos que comprou e ganhou durante suas viagens estão imagens do cotidiano das cidades, principalmente do Egito, nas quais podem ser vistas pessoas no mercado, um encantador de serpente, uma família árabe, etc.
Uma de suas paixões era a etnografia, que é o estudo de aspectos sociais e culturas de diferentes povos. "Ele era ultracurioso, certa vez promoveu um concurso de estudos sobre os índios brasileiros e suas línguas. D. Pedro conhecia o Tupi-Guarani e também línguas mortas (como o sânscrito)", conta o historiador Marcus Venicio Ribeiro, da Biblioteca Nacional, que elaborou os textos históricos da exposição.
Prova disso era seu conhecimento de línguas, segundo Fernandes: dominava oito, entre ocidentais, orientais e mortas. Não falava árabe, mas até conseguia entender, como revela o trecho transcrito abaixo.
Além das fotografias (como a que ilustra este texto), o imperador deixou vários registros escritos de suas experiências. Após visitar a mesquita de Al-Aqsa em Jerusalém, o terceiro local mais sagrado para os muçulmanos depois de Meca e Medina, ele escreveu: "4 de dezembro de 1876, Jerusalém (…) Segui para a mesquita El-Aksah atrás da outra que ocupava o lugar do templo como esta o da vivenda das mulheres que trabalhavam para o templo. Mostram aí um retângulo pintado de preto sobre o muro que se deve tocar com a mão andando para ele de certa distância e de olhos fechados, se quem o faz tem de salvar-se – tentei-o e toquei a parede à direita – e duas colunas entre as quais passa quem deve salvar-se, mas desisti por causa do meu diâmetro. Felizmente Fr. Lievin disse que também se salvaria quem passasse entre outras duas colunas mais separadas uma da outra e eu passei, com muita alegria do chefe da mesquita de Omar, homem inteligente que fala o árabe tão claramente que meu hebraico fazia-me entender a significação de algumas palavras."
Mais intelectual que governante
"Foram viagens de conhecimento. D. Pedro II não gostava da dinâmica do poder, ele se interessava mais pela vida civil, queria ser mais reconhecido como intelectual do que como governante", diz o professor Fernandes.
Em suas viagens, ele preferia encontrar-se com intelectuais e artistas, embora tenha sido recebido por reis, presidentes, sultões e governantes de toda a natureza. Prova disso é que, em sua passagem pelo Egito, se fez acompanhar do egiptólogo Marriette Bey, diretor do museu de Bulaq. Em uma de suas anotações ele registra uma conversa com o cientista durante uma vista ao complexo de templos de Karnak em Tebas, capital do Egito antigo.
"Ele procurava mais intelectuais do que autoridades, embora fosse recebido por elas", disse Ribeiro. Encontrou-se, por exemplo, com a rainha Vitória e com o presidente dos Estados Unidos, mas também conheceu o escritor Victor Hugo, Pasteur, Alexander Graham Bell, Thomas Edson, entre muitos outros artistas, intelectuais e cientistas de peso do século 19.
Entre os registros de suas passagens pelo mundo árabe, d. Pedro também fez descrições minunciosas de uma viagem de barco pelo Nilo e do complexo templário de Baalbeck no Líbano.
As três grandes viagens internacionais de d. Pedro foram bastante longas, na primeira passou 15 meses entre o Oriente Médio e a Europa, na segunda, que durou 18 meses, esteve na Europa, Oriente Médio e nos Estados Unidos, e na terceira, em 1888, passou 10 meses na Europa, a pretexto de tratar de sua saúde e da de sua mulher, a imperatriz Thereza Christina Maria.
Na passagem pelos EUA, por exemplo, visitou a Feira Internacional da Filadélfia, onde conheceu Graham Bell, o criador do telefone. "Ele conheceu o Graham Bell, falou no telefone e disse que compraria o sistema para o Brasil quando fosse industrializado", afirma Fernandes. "Ele fazia questão de estar próximo das tecnologias de ponta da época", acrescenta.
De acordo com o professor, d. Pedro estimulou a introdução das estradas de ferro no país, por meio do barão de Mauá; trouxe o telégrafo; e foi o primeiro fotógrafo amador do país, pois comprou uma máquina fotográfica logo após a primeira exibição da técnica fotográfica no Rio de Janeiro, em 1840.
Profundo estudioso
Nascido em dezembro de 1825, d. Pedro II foi educado por tutores após a abdicação de seu pai, o imperador d. Pedro I. Seus estudos incluíram boa parte do conhecimento da época, além dos esportes, como equitação e esgrima, e da música. Mas ele nutria especial paixão pela astronomia, arqueologia e etnografia.
Foi entronado em setembro de 1840, quando ainda não tinha completado 15 anos, no episódio que ficou conhecido como o "golpe da maioridade", pois as leis brasileiras previam que ele só poderia assumir aos 18.
Governou o Brasil durante quase 50 anos até 1889, quando foi proclamada a república, vindo a falecer no exílio na França em 1891. Durante seu reinado vários fatos importantes ocorreram no Brasil, como a abolição da escravatura em 1888, decretada pela princesa Isabel, filha de d. Pedro, que foi regente do país no período em que ele esteve em viagem.
Ribeiro ressalta que as aventuras do imperador pelo mundo tiveram realmente caráter pessoal, justificadas pelo desejo do conhecimento, tanto que, segundo o historiador, as despesas foram pagas com a "dotação" da família real, não com o dinheiro do governo.