São Paulo – Já não é novidade para os passageiros de voos de empresas norte-americanas terem que pagar para tomar um drinque na classe econômica em alguns trajetos. Assim como também não é novidade para os passageiros da Qatar Airways poder esticar mais suas pernas ou ter à disposição uma vasta programação de TV.
Essa diferença não se restringe a algumas empresas, mas, cada vez mais, separa companhias ocidentais e orientais. Enquanto as norte-americanas, latino-americanas e europeias sofrem para cortar gastos e baixar seus custos de operações, as concorrentes árabes e asiáticas investem para cativar o cliente desde a classe econômica de seus voos.
De acordo com o professor de transporte aéreo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Respício do Espírito Santo, o que faz as empresas americanas e europeias cortar custos, inclusive na prestação de serviços de bordo, e as asiáticas a investir, especialmente em serviço de bordo, não é estratégia, mas falta de dinheiro.
“As americanas sofrem com geração de caixa e com a disputa no mercado interno”, afirma. Em 2010, a United teve lucro líquido de US$ 253 milhões (em 2009, o prejuízo passou dos US$ 600 milhões) e a Lufthansa, de US$ 1,23 bilhão. No ano fiscal encerrado em 31 de março, a Emirates Airline, dos Emirados Árabes Unidos, registrou lucro de US$ 1,6 bilhão.
Espírito Santo lembra que as empresas americanas ainda se recuperam de sucessivas crises econômicas, a última delas em 2008. Além disso, essas companhias estão no mais concorrido mercado doméstico da aviação mundial, onde também enfrentam concorrência das operadoras de baixo custo, que quase não dispõem de serviço de bordo. Em muitos casos, a solução é cortar gastos com serviço de bordo e atendimento e se unir a uma concorrente para sobreviver. É que ocorreu com a United atual, resultado da fusão da antiga United Airlines com a Continental Airlines.
Se as companhias de países ocidentais sofrem com a concorrência e o mau desempenho, o mesmo não se pode dizer das empresas do mundo árabe e do Sudeste Asiático. De acordo com Espírito Santo, são dois os principais motivos que levam as companhias orientais a investir nos passageiros. “A Emirates, por exemplo, é uma empresa estatal e parte de um projeto maior do emirado de Dubai, que envolve turismo, a projeção do país, marketing… Ela é parte de um projeto maior”, afirma.
Ele observa que no Oriente ainda não há empresas grandes e poderosas no setor de jatos executivos, como ocorre no Ocidente. “Por isso, um passageiro ‘VIP’ ou ‘muito VIP’, europeu ou americano, aluga um jato ou usa o jato da empresa em vez de gastar US$ 25 mil em uma passagem de primeira classe”, diz.
Professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP) e especialista em aviação, Gilson Garofalo diz que a crise de 2008 ainda afeta o desempenho das empresas aéreas, mas observa que os passageiros não se preocupam como antes com o glamour a bordo, e lembra que a possibilidade de se parcelar as passagens ajuda a popularizar o transporte.
“As empresas aéreas ocidentais querem vender passagens com o menor custo e sacrificam o conforto. O serviço de bordo foi simplificado para reduzir perdas”, diz. Do lado dos passageiros, afirma o professor, o importante é chegar ao destino. “As amenidades, hoje em dia, não fazem tanto sentido. Voar perdeu o glamour que existia no passado. O passageiro quer chegar ao seu destino com segurança”, acrescenta.
Mesmo com diferenças de serviços prestados antes do embarque e durante o voo, a variação de preços nas classes econômicas pode não ser tão grande. Uma simulação de viagem com uma conexão entre os dias 15 (ida) e 27 (volta) deste mês, de São Paulo para Pequim, custa US$ 2.244 pela United. O mesmo destino na mesma data custa US$ 2.504 pela Emirates. A Air France cobra US$ 2.900,00 e a British Airways, US$ 2.265,47. A passagem para o mesmo destino comprada na norte-americana Delta Airlines custa US$ 2.359,90, porém com duas conexões na ida e três na volta. No quesito preço, a grande exceção ficou por conta da Lufthansa, cuja passagem sai por US$ 4.821,13.
O diretor da Multiplan Consultores Aeronáuticos, Paulo Bittencourt Sampaio, volta no tempo para explicar a batalha dos serviços de bordo. Ele recorda que, quando a classe turística foi instituída, em 1952, as empresas passaram a servir sanduíches para os passageiros, enquanto que a primeira classe continuava a desfrutar da alta culinária. Os produtos das companhias europeias eram melhores do que os das americanas, que reclamaram à Associação do Transporte Aéreo (Iata, na sigla em inglês). A instituição, então, padronizou o lanche servido a bordo, mas permitiu que o recheio fosse escolhido pela empresa aérea.
“O serviço de bordo das empresas norte-americanas sempre foi ruim. As europeias eram boas, tinham tradição, mas houve uma massificação do transporte aéreo no mundo ocidental e elas viram a necessidade de concorrer. Isso fez com que se preocupassem em cortar custos e, assim, ficaram parecidas com as americanas”, afirma Sampaio. Enquanto norte-americanas cobram pela bebida alcoólica que servem a bordo, exceto em voos que sobrevoam o Pacífico, as asiáticas e do Oriente Médio se preocupam com detalhes.
“De uma forma muito discreta, para o passageiro não se sentir constrangido, a comissária de uma companhia asiática ou árabe presta atenção nele e se esforça para encher seu copo com vinho ou outra bebida antes que fique vazio. Isso ocorre até na classe econômica”, diz. Entre as companhias orientais que se destacam no esmero, Sampaio cita a Thai Airways, Cathay Pacific, Singapore Airways e as árabes Emirates Airline, Etihad Airways e Qatar Airways. “Elas têm um conceito elevadíssimo do serviço de bordo, de decoração da aeronave e prestação de serviço”, afirma.
Em um mercado dinâmico e muito sensível a turbulências, como o da aviação civil, não é fácil traçar previsões. Sampaio observa que as companhias árabes têm pressionado suas concorrentes europeias. “As árabes causam grande apreensão na Europa e nos Estados Unidos porque estão bem localizadas geograficamente para captar passageiros da Europa, Oceania e Ásia, com acesso à Índia, China”, diz. As europeias, no entanto, continuam a reduzir gastos.
“A meu ver, cortar custo com serviço de bordo é uma estratégica equivocada”, afirma o especialista, pois, mesmo que as árabes e asiáticas cobrem um pouco a mais pela passagem aérea, passageiros de voos longos querem conforto. As amenidades e bons serviços de bordo podem ser o fiel da balança na hora de escolher com que empresa voar.