São Paulo – Por trás de uma grande mulher há sempre outra grande mulher – a mãe. No caso da empresária Maria Regina Yazbek, diretora superintendente das empresas de logística Movicarga e Célere, dona Sohad é muito mais que uma mãe querida e afetuosa. É seu braço direito, seu porto seguro e o coração da empresa. Comecemos do começo. Foi Sohad, ao lado do marido Alberto, que criou a Movicarga em 1973. Como ambos trabalhavam na empresa Hyster, fabricantes multinacional de empilhadeiras, logo sacaram que ali tinha mercado. Com um empréstimo e muita coragem, compraram cinco empilhadeiras e decidiram montar o negócio de aluguel dos equipamentos. Nesse tempo, Regina era só uma menininha.
A sede da empresa era na casa do casal Yazbek. Dona Sohad pilotava o fogão, lavava roupa, cuidava dos (três) filhos e tocava o negócio. Quando o telefone tocava, ela se fazia de secretária e dizia que ia chamar a Sohad. Então, atendia o cliente em potencial fazendo uma nova voz. Foram uns bons anos assim.
Um dia, um cliente fez questão de ir até a “sede” da empresa. Chegando lá, Sohad, no papel de secretária, disse que a dona da empresa tinha saído. O cliente, percebendo a situação, pediu que ela digitasse na máquina de escrever que estava na sala: gostaria de contratar o uso de cinco empilhadeiras. “Ele viu aquelas roupas para passar, aquela bagunça, viu o esforço que a gente estava fazendo e resolveu apostar”, conta Sohad.
Alberto Yazbek só se juntou para valer à esposa quando a empresa tinha um ano e meio. Ele percebeu que já poderiam viver da Movicarga e largou o emprego. A empresa ganhou uma sede própria e Alberto, no papel de presidente, começou a fazer mais contatos. Sempre com Sohad, firme e forte, ao seu lado. E mesmo depois que Alberto se retirou, por problemas de saúde, e Regina assumiu o negócio, Sohad continuou atuando – o que acontece até hoje.
Sohad, na verdade, é a presidente da Movicarga. Os tempos de empresa dentro de casa definitivamente ficaram para trás. A sala de estar, cheia de roupas para passar, deu lugar a uma sala espaçosa na sede da Movicarga, decorada com fotos dos filhos, dos netos e de filhos dos funcionários. “Minha mãe nunca deixou de vir um único dia. Até mesmo quando meu irmão passou 70 dias seqüestrado, ela veio trabalhar. Sofrendo, mas veio”, conta Regina. “É ela quem cuida do financeiro, que assina todos os cheques. Eu nem vejo essas coisas”.
Fora da curva
Maria Regina Yazbek é uma das mais conhecidas e respeitadas empresárias de São Paulo. Assumiu a Movicarga em 1987, aos 23 anos, quando o pai se retirou para se tratar de uma obesidade mórbida. O irmão mais velho, que seria o sucessor natural, até chegou a trabalhar na empresa, mas não abraçou a causa. A mais nova também não teve interesse. Regina queria trabalhar em outro lugar, mas acabou topando o desafio. O pai, completamente descrente da capacidade dela, achou que não ia dar certo. A falta de crédito do próprio pai foi o impulso que ela precisava. Pegou a Movicarga com as duas mãos, se apaixonou por ela e fez de uma empresa que alugava empilhadeiras, com 15 funcionários, um negócio que hoje oferece serviços em logística e fatura R$ 108 milhões. Ah, sim, e hoje são 1.350 funcionários ao todo.
Os desafios não foram poucos. Primeiro, o “fogo familiar” – a resistência do próprio pai. Segundo, o preconceito dos funcionários da Movicarga, que estavam habituados ao comando do pai daquela moça loira, jovem e bonita. Por fim, o preconceito do setor. “Eu era a única mulher no comando de uma empresa do ramo. Tanto que, quando me encontravam pessoalmente, muitos clientes diziam que me imaginavam uma gorda, feia e com cara de caminhoneira – já que estamos lidando com transportes”, lembra Regina.
A história da Movicarga – e da dupla mãe e filha – mudou completamente depois do “advento Fórmula 1”. Regina se apresentou à Formula One Management (FOM) para oferecer seus serviços durante o GP Brasil. Foi ridicularizada pela tentativa. Inclusive pelo pai, que achava que era um péssimo negócio. Conseguiu. Isso foi em 1992. O contrato dura até hoje e é o xodó de Regina. Mas até do próprio Bernie Ecclstone, presidente da FOM, ela ouviu certa vez: “Se naquele tempo eu soubesse que era você a dona da empresa, provavelmente não teria fechado o negócio”. Hoje, além dos negócios com a Inglaterra, por causa da Fórmula 1, Regina também colocou um pé no Japão. Há dois anos, a Movicarga é a distribuidora oficial da Nissan Forklift, fabricante de empilhadeiras.
Regina está há 22 anos à frente da empresa da família. Provou ao pai, ao mercado machista de transportes, ao mundo masculino da Fórmula 1 e todos que não acreditavam nela, que uma mulher pode perfeitamente tocar um negócio desse porte.
Mas se ela é assim, meio fora do padrão, é porque se inspirou na mãe. Embora Sohad tenha seu jeito discreto de tocar o negócio, ela sempre foi diferente das irmãs e demais mulheres de seu tempo. “Mamãe é uma árabe meio fora da curva. Enquanto todas as irmãs viraram donas de casa e sequer sabem dirigir, ela montou seu próprio negócio”, diz a filha. Quando fala da mãe, Regina deixa o papel de empresária poderosa e vira filha de novo. Admira, respeita e se orgulha da mãe que tem.
Intuição feminina
Com duas mulheres no comando, natural que a empresa tenha uma certa tendência a contratar profissionais do sexo feminino – inclusive para pilotar as empilhadeiras. Há uns quatro anos, Regina resolver encomendar uma pesquisa para saber se o fato de a Movicarga ser conhecida como “uma empresa de mulheres” prejudicava os negócios. Afinal, assim como ela, muitas de suas gerentes e funcionárias passavam por situações constrangedoras como a de clientes que exigiam a presença de um homem nas negociações – e coisas do gênero.
O estudo nem foi necessário. A própria Regina chegou a uma conclusão. “As mulheres são melhores mesmo. Quando a mulher é ruim, você descobre logo. Quando o homem é ruim, ele engana por mais tempo. E como a gente é mais cobrada, nos preparamos muito mais”, acredita. “Fora que as mulheres são mais personalizadas, têm estilos próprios. Cada uma usa um vestido diferente, tem um estilo todo seu. Homens vestem terno e ficam todos iguais”, diz, rindo.
Intuição
Regina também acredita na intuição feminina. Acha que não sabe usar muito bem a dela própria – mas nem se preocupa, já que a intuição da mãe é afiadíssima. A história da Movicarga é toda marcada pelos insights de Sohad. E também pela crença na numerologia. “Nossas empilhadeiras não seguem a numeração lógica: 1, 2, 3…, mas sim 1, 27, 3 e uma série de combinações que a minha mãe acreditou que eram as melhores”, conta Regina. “O pessoal de TI fica enlouquecido, mas desde o começo é assim”.
Sohad também se guia por uma espécie de anjo a quem ela chama de “meu protetor”. É ele quem dá grande parte das coordenadas para ela. Seguindo a intuição, Sohad fez o marido cobrar mais que o dobro do que ele tinha imaginado a uma grande empresa automotiva lá no começo da história da Movicarga. O negócio foi fechado. “Também rezo muito para os meus santos”. A família Yazbek é católica.
A intuição ajudar a guiar grandes decisões, mas Regina não abre mão de estudos e pesquisas para saber que caminho seguir. Há três anos, ela pediu um diagnóstico geral do negócio e descobriu que seria interessante criar uma nova empresa voltada apenas para a inteligência em logística, uma prestadora de serviços customizados do setor. “Isso porque a Movicarga é muito atrelada ao aluguel de empilhadeiras e serviços de mão-de-obra, uma coisa mais ‘pesada’ e de ‘baixo valor’. Era difícil vender esse conceito de inteligência em logística dentro da marca Movicarga”, explica Regina. E assim nasceu a Célere, o que proporcionou um crescimento imediato à empresa.
Raízes
Regina é a típica mistura sírio-libanesa. Sohad é filha de sírios. Alberto, de libaneses. Sohad conta que os pais vieram de Homs. Primeiro veio o pai. Montou a loja “vende-tudo”, cresceu e mandou chamar outros parentes. Só não buscava a mãe dela. “Minha mãe começou a achar que ele a tinha esquecido”. Quando ele finalmente se estabeleceu, chamou a esposa –e Sohad nasceu já em terras brasileiras. Uma de suas maiores lembranças da infância era a mesa sempre farta, mesmo nos tempos de crise. Comer bem era um valor caro à família, custasse o que fosse.
Sohad acha que só conseguiu tudo o que conseguiu porque “tem grandes amigos”. Ou porque teve sorte. “Minha mãe tem um coração puro demais. É até meio ingênua, até hoje”, diz, com olhar de admiração, a filha Regina. E assim, num misto de intuição e fé de Sohad e otimismo e praticidade de Regina, a Movicarga segue colhendo seus frutos.