São Paulo – Fabio Faria, Nicandro Figueiredo e Gilson Hiroshi Yagi estão entre os médicos brasileiros que nos últimos anos deixaram tudo para trás a fim de tentar novas oportunidades de trabalho em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.
“Eu tinha essa vontade de sair do Brasil há um tempo, mas nunca tinha tido uma oportunidade de tentar alguma coisa totalmente diferente. Em 2018, comecei a avaliar minhas possibilidades”, relembra Fabio.
“Destinos óbvios para os brasileiros são os Estados Unidos e a Europa, só que na área da medicina, principalmente nos Estados Unidos, é um pouco complicado. Para minha especialidade, por exemplo, que é ortopedia, eu precisaria fazer de novo minha residência antes de atuar no país, e para mim não compensava financeiramente. Até que pensei em Dubai.”

Como naquela época não havia muitas informações nas redes sociais ou sites de notícias, a pesquisa de como seria trabalhar em Dubai veio através de um colega de faculdade. “Ele me falou que trabalhar por lá seria um processo um pouco mais simples do que na maioria dos outros países. Para começar, não precisaria ter um trabalho antes de revalidar meus documentos, e era bem rápido.”
Decidido a tentar uma nova oportunidade profissional, foi no meio do ano de 2018 que o carioca começou o processo de revalidação de documentação. Traduzidos para o inglês e com as devidas taxas pagas, Fabio enviou para o Dataflow – principal entidade para a verificação de documentos médicos em Dubai – o título de médico, título de especialista, um currículo, histórico da faculdade e um documento do Conselho Regional de Medicina onde constava que ele não tinha nenhum processo, além de uma documentação comprobatória de sua experiência como ortopedista.
“Depois disso, essa empresa fez a verificação da frente primária, que é basicamente entrar em contato com a sua faculdade e com o local que você fez residência, conversando com todos os setores para verificar se aqueles documentos são realmente verdadeiros. No meu caso essa verificação durou dois meses. Quando tudo estava certo, eles me liberam para fazer uma prova de revalidação da minha especialidade, que tinha, se não me engano, 100 questões”, conta o ortopedista.
Após fazer a prova de forma on-line e acertar mais de 80% das questões, Fabio recebeu uma carta de elegibilidade e foi liberado para realizar a próxima etapa do processo: solicitar inscrição da licença para prática nos Emirados Árabes Unidos. Solicitada, essa licença dava ao brasileiro um período de dois anos para conseguir um emprego no setor privado ou público e, assim, ter sua permissão oficialmente ativada.
“Diferentemente do que acontece no Brasil, que com a CRM você pode atuar como médico em um consultório próprio, por aqui só podemos ativar a licença e atuar como autoridade médica se algum hospital ou clínica fizer essa ativação. Precisamos ser contratados”, explica Fabio.
“Enquanto estava participando do processo de validação de documento, mandei mensagem para alguns hospitais e estabeleci contato. E também trouxe minha esposa e minhas filhas para ver se era isso que a gente queria. Elas se viram morando aqui. Daí, quando pude começar a trabalhar, logo recebi uma proposta e me mudei.”
Em pouco tempo vivendo em solo árabe, ele recebeu uma proposta para trabalhar para o grupo Medcare, onde permaneceu por quase três anos, até que, em 2023, o brasileiro recebeu outra proposta de emprego, desta vez para prestar serviços ao governo de Abu Dhabi, na capital dos Emirados Árabes Unidos.
“Em 2020, recebi o visto Golden Vista, que me garante a estadia de 10 anos. Esse visto é dado para alguns profissionais específicos, como pesquisadores, e daí entram médicos especialistas, como eu sou”, explica Fabio.
Enquanto atuava em Dubai, o carioca atendia em sua maioria pacientes brasileiros. Já trabalhando na capital, 90% dos pacientes acabam sendo emiradenses. Mas, independentemente da rede, seja pública ou privada, para que os pacientes passem em consulta com o ortopedista brasileiro, precisam ter um seguro de saúde, uma espécie de convênio.
Mudando de ares na saúde
Gilson Hiroshi Yagi é outro médico brasileiro que sempre teve vontade de trabalhar fora do país. Formado como clínico geral, nutrólogo e psiquiatra, enquanto atuava no Brasil teve uma clínica de estética, emagrecimento, performance e longevidade, por 15 anos.

“Em 2021, eu e minha esposa, que é minha sócia no negócio, pensamos em abrir uma filial da nossa empresa em Dubai, para melhorar o nosso marketing. Mas quando fomos para lá, nossa ideia mudou, e decidimos trocar, focar nosso negócio em Dubai. Neste momento, comecei a pesquisar sobre trabalhar como médico no país árabe”, relembra o paulistano.
No mesmo ano, o clínico geral entendeu que para regulamentar sua profissão, precisaria enviar documentos, como currículo, a fim de serem analisados, e se submeter à prova. E como não queria trabalhar em hospitais, para poder atuar na cidade dos Emirados Árabes Unidos, Gilson começou a procurar possíveis parceiros de negócios, em clínicas similares às dele, em 2022.
“Eu paguei para validar cada documento que eu mandei, e depois que eles estavam validados, paguei para poder fazer a prova. Foram 150 questões voltadas para a área de clínico geral. E depois disso, foram mais sete meses até achar um parceiro de trabalho. Depois de um tempo me mudei com a minha esposa”, relembra o paulistano.
A chegada em Dubai aconteceu em 2023. “Para trabalhar aqui, existem quatro licenças que os médicos podem tirar. A minha, eu preciso renovar todos os anos. Eu pago um valor determinado e faço os cursos obrigatórios, e assim posso continuar atuando aqui”, conta o clínico geral.
Experiência em dois países árabes
Já a história da medicina árabe com Nicandro Figueiredo, que é neurocirurgião com subespecialidade em cirurgia da coluna, começou bem antes do que Fabio e Gilson. “Sempre quis fazer medicina por influência do meu irmão e depois de fazer o pós-doutorado nos Estados Unidos, era só esperar a ‘morte chegar’, porque não tinha mais como evoluir profissionalmente. Até que comecei a procurar outros países para trabalhar e encontrei a Arábia Saudita em 2012.”
Nascido em Cuiabá, Mato Grosso, ele resolveu tentar sem nenhuma pretensão a sorte de trabalhar em outro país. Após mandar o currículo para um grande hospital de Riad, Nicandro foi chamado para fazer uma entrevista por telefone e passou.

“Naquela época, poucos brasileiros moravam por aqui e na internet não tinha muita informação sobre o país. Entretanto, me informei sobre o que precisava fazer para mudar. Em seis meses, consegui resolver tudo da parte da documentação e mudei em janeiro de 2013 com minha esposa, dois filhos e uma cachorrinha”, relembra Nicandro.
Para conseguir se mudar e atuar como médico na Arábia Saudita, naquele momento, o cirurgião precisou ter todos os diplomas de suas especializações reconhecidos pelo órgão validador do país. Enquanto trabalhava lá, se submeteu a uma prova oral, onde discutiu sobre diferentes casos em um hospital universitário.
“Com a licença temporária eu poderia ficar por dois anos no país, mas se quisesse ficar mais tempo precisaria fazer a prova para conseguir a licença mais permanente como médico”, completa o especialista.
A vida ia bem e a família estava acostumada a viver do outro lado do mundo, mas Nicandro achou que era hora de voltar em dezembro de 2015. Até que recebeu uma proposta para trabalhar em Dubai. “Perguntei para meus filhos se queriam voltar ou se mudar novamente, e eles aceitaram se mudar. O pessoal trata muito bem o brasileiro aqui no Golfo. Me deram as condições e equipamentos de trabalho que pedi, e foi assim que mudei novamente.”
Como o cuiabano já trabalhava como médico em um país árabe, a validação da documentação, que é feita pelo Dataflow nos Emirados Árabes Unidos, aconteceu de forma mais rápida. Meses depois do início do processo, foi a vez de fazer a prova oral. Com sua especialidade testada, o brasileiro recebeu a oportunidade de atuar como médico, tanto em hospitais públicos quanto privados, do país árabe.
“Na comparação com o Brasil, agora atendo pessoas com maior poder aquisitivo, que têm seguro saúde maior, e tenho um ganho maior também, além de ter equipamentos mais modernos. Depois de cinco anos prestando serviço para o Medicare, um grande grupo de saúde, fui chamado para trabalhar no King’s College Hospital Dubai, onde permaneço até hoje”, conta Nicandro.
Além de atender pacientes todos os dias, que muitas vezes são brasileiros, o cuiabano ainda dá aula para estudantes de medicina de duas faculdades, que vão até o hospital para aprender com ele.
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*Reportagem de Rebecca Vettore, em colaboração com a ANBA


