São Paulo – Na esquina com a Avenida Ipiranga e a Praça da República, no número 276 da Rua 24 de maio, está localizado o Edifício David C. Cury. O prédio comercial de 1951 leva o nome do pai de seu construtor. Alberto Cury era imigrante sírio, veio de Homs para São Paulo e tinha uma loja de tecidos na Rua 25 de Março. David Cury, ou Daud Cury, no árabe, era um poeta sírio.
Em um cenário pós-pandêmico, os bisnetos de David, que atualmente administram o imóvel, viram a necessidade de reinventar o local. Assim começou o projeto de reforma e atração de negócios da economia criativa para o espaço, no intuito de fazer parte da revitalização dessa tão importante região do Centro de São Paulo. “Para transformar o Centro de São Paulo o que a gente precisa é gente na rua, morando, trabalhando na região”, disse à ANBA Otávio Cury, cineasta e um dos três irmãos da família Cury que tocam o projeto. Os outros dois são os administradores Alexandre e Marcos Cury.
A reforma busca recuperar materiais originais dos anos 1950, como pastilhas coloridas e chão de tacos de madeira. O prédio já conta com empresas da economia criativa, como a Editora Fósforo, e instituições de impacto social, como o Instituto de Referência Negra Peregum. Eles buscam novos locatários nesses setores, como galerias de arte, escritórios de arquitetura, editoras e organizações não governamentais.
“Há muitos edifícios no Centro de São Paulo que levam o nome de árabes imigrantes, e esse não é diferente. Ele foi construído na mesma época que o Copan, e era considerado uma joia da arquitetura no coração da Cinelândia, região que naquele momento abrigava as salas de cinema da cidade, algumas com mais de mil lugares – por isso o nome. Todo final de semana, cerca de cinco mil pessoas iam ao cinema naquelas salas”, explicou Otávio.
O prédio ficou pronto em uma época de verticalização da cidade de São Paulo, e abrigou a sede grandes empresas como a antiga companhia aérea Pan Air e o Consulado da Síria em São Paulo.
Com o tempo, começaram as mudanças no Centro e em toda a cidade. “Houve uma mudança de perfil dos ocupantes do Centro, uma mudança de eixo, aparece a [Avenida] Paulista, a {Avenida] Faria Lima, vai mudando e com o tempo [o Edifício David Cury] passou a ser mais um prédio comercial no Centro de São Paulo”, disse Otávio.
O neto de Alberto Cury afirmou que então o Centro passou a ter baixa demanda e muita oferta de unidades para alugar, o que é um problema enfrentado até hoje e principalmente no momento da pandemia. “Com a pandemia, o cenário piorou, o prédio ficou praticamente desabitado. Imagine só, quinze andares e o edifício vazio. Então paramos para pensar no que fazer, já que o prédio ainda é da nossa família. Vendo fotos e anúncios antigos do edifício, decidimos trazer a joia da arquitetura de volta. Sabemos que tem pessoas que valorizam esse lugar, que querem valorizar o Centro Histórico de São Paulo”, disse Otávio.
Há cerca de um ano, os três irmãos começaram a fazer visitas semanais ao edifício com potenciais novos inquilinos. “O prédio tem uma curva, a fachada é de vidro, tem espaços amplos. Quisemos fazer algumas mudanças que traduzissem o momento que estamos vivendo e o nosso projeto. Uma varanda no 12º andar, que não era usada, nós transformamos em um espaço de convivência dos ocupantes; também fizemos um bicicletário e estamos fazendo um projeto de acessibilidade do prédio, em linha com os protocolos da prefeitura”, disse Otávio.
Eles perceberam que muitos dos interessados pelas unidades do edifício eram pessoas que estão inseridas na economia criativa e em instituições de impacto social. “Hoje, temos uma editora, um escritório de arquitetura, duas organizações de impacto social e alguns andares são ateliês de artistas. São pessoas que se apropriam daquele entorno por seu trabalho criativo”, contou Otávio.
Os irmãos não queriam que este fosse mais um prédio genérico, cheio de empresas desconexas, mas que o projeto tenha um significado, girando em torno da economia criativa, das artes e de projetos de impacto social. “Por quê? Porque o prédio está localizado em um eixo que liga o Theatro Municipal com o Sesc 24 de Maio, somos vizinhos do [antigo] Cine Ipiranga, próximos também ao Centro Cultural Pivô, no Copan, ou seja, o prédio está em um local estratégico, que tem uma vocação natural para se inserir nesse eixo de visita a pé ao Centro. Esse é o projeto”, disse.
O edifício ainda conta com unidades disponíveis para alugar, com metragens que variam entre 110 metros quadrados e 270 metros quadrados. O primeiro andar abriga um espaço aberto de 270 metros quadrados, com pé direito de 4 metros de altura. Ali, Otávio e seus irmãos visualizam um espaço público, que tenha ligação com a rua. “Poderia ser uma espécie de ateliê, vamos tentar trazer galerias de arte para ser um espaço expositivo, disse.
“Queremos e procuramos pessoas, empresas e instituições que tenham interesse em participar desse projeto. Temos duas reformas em andamento e os novos ocupantes estão recuperando materiais originais do prédio. Alguns andares perderam os azulejos e ladrilhos originais e nós vimos que existe a possibilidade de resgatar isso, como uma arqueologia dos materiais originais. Carências e descontos fazem parte do que está acontecendo”, informou Otávio. Ele explicou que o prédio funciona dentro da realidade de horários do Centro, em horário comercial, não fica aberto 24 horas nem funciona aos domingos.
Ele acredita que o Centro de São Paulo precisa de mais endereços assim, e que com esse projeto, o Edifício David Cury só tem a ganhar. “A Rua 24 de Maio é histórica, é quase uma responsabilidade fazer a nossa parte para que isso não se perca e para contribuir para essa reinvenção da Praça da República. Praças são geralmente lugares de encontro. Queremos criar esse lugar de encontro”, disse Otávio. Segundo ele, este é um projeto de médio prazo, é algo que está em construção.
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