Sharm El Sheikh – Foi em uma reprise do programa Altas Horas, da TV Globo, que Thalita Silva, da zona Leste de Manaus, conheceu o Engajamundo, organização de liderança jovem para atuação em pautas socioambientais. Hoje, em sua segunda Conferência do Clima das Nações Unidas, ela é ativista pela defesa da terra, pela educação popular e pela juventude amazônica. Na foto acima, da esquerda para a direita, Daniela Cruz, Bárbara Pereira e Thalita Silva.
Thalita tem 25 anos e é bióloga pela Faculdade Literatus. Manauara morando na maior zona periférica da capital do Amazonas, ela afirma que sempre viveu os impactos do racismo ambiental, mas que não sabia que isso existia. “O bairro que eu moro não está nem no mapa, então questões como saneamento, infraestrutura, violência, sempre foram muito presentes na minha vida, mas eu não tinha noção que esse era um debate dobre racismo ambiental, sobre mudança climática”, disse à ANBA na COP27.
Depois de assistir à reprise do Altas Horas, ela, que não tinha internet em casa, anotou o site da organização e no dia seguinte, em seu curso técnico, se inscreveu para participar. “Foi aí que comecei. Foi pelo Engaja que viajei pela primeira vez, que saí de Manaus, e também fiz minha primeira viagem internacional. Descobri um mundo que a gente normalmente não tem acesso, porque são poucas as oportunidades”, contou.
Representatividade
O Engajamundo trouxe 19 jovens para a COP27, de todas as regiões do Brasil. São jovens indígenas, negros, de comunidades tradicionais, dos rincões do País que agem localmente e levam para suas comunidades o conhecimento adquirido nesses grandes eventos e as pautas do clima. “O tema do clima e das mudanças climáticas é muito elitista, e as populações historicamente mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas têm outras demandas, demandas de sobrevivência, que voltaram nos últimos anos, como a pobreza, a fome, a falta de saneamento. O clima parece um assunto muito distante da realidade dessas pessoas”, disse Thalita, que observou ainda que há pouca representatividade em espaços como o da COP.
Para remediar esse problema, Thalita conta que trabalha com educação popular, absorvendo os conhecimentos da COP e transformando em uma linguagem mais acessível e democrática. “Principalmente para essas populações [mais vulneráveis], porque são as que vão sofrer e já estão sofrendo diretamente os impactos da crise climática”, disse. Sua primeira COP foi em 2018, a COP24 em Katowice, na Polônia.
Bárbara Pereira tem 26 anos e é de Santo Estevão, no interior da Bahia. Graduada em Engenharia de Energias pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), ela é articuladora nacional do Engajamundo, onde atua há três anos. Também é voluntária da Rede Brasileira de Mulheres na Energia Solar (Mesol). Suas principais pautas são energia e equidade de gênero dentro do setor de energia.
A participação na COP27, para Bárbara, é importante para levar essas informações, essa comunicação, onde ela não chega. “Nosso papel aqui é entender o que está sendo discutido e levar esse conhecimento para nossas comunidades”, disse. Bárbara contou que essa é sua primeira viagem internacional, e que está muito feliz de estar em Sharm El Sheikh não apenas por sua militância mas também como profissional do setor de energia.
Para ela, energia e clima andam juntos. “Não se pode pensar em energia sem pensar em clima e mudanças climáticas. O setor de energia renovável, que é onde eu atuo mais precisamente, é impulsionado pelas demandas climáticas, vemos que a entrada da energia solar, eólica, e de outras fontes renováveis veio dessa demanda do clima”, disse Bárbara. A engenheira conta que o setor é majoritariamente masculino, e que seu papel é levantar algumas provocações. “Por que as mulheres não fazem parte dessas discussões? Por que as mulheres não estão atuando nesse setor? Afinal, metade da população é feminina”, disse.
As poucas mulheres que fazem parte do setor de energia, segundo Bárbara, são brancas e do Norte Global. “E sabemos que a população preta, junto com os ribeirinhos e os povos originários, são as mais afetadas pelas mudanças climáticas, também pela questão econômica e geográfica”, declarou.
Perdas e danos
Bárbara disse que os países europeus, impactados pela crise energética fruto da guerra entre Rússia e Ucrânia, devem se colocar mais ativamente diante das questões climáticas nessa Conferência do Clima. No entanto, quando o assunto é o financiamento de perdas e danos, pauta inédita dessa COP, a baiana percebeu, nas discussões que participou, que os países desenvolvidos estão se esquivando. “Adaptação e perdas e danos precisam de financiamento e ninguém quer pagar a conta, então essas pautas devem se arrastar por um tempo”, explicou.
Geralmente, são países africanos e pequenas ilhas os mais impactados pelas mudanças climáticas, e por consequência, os que mais precisam de financiamento de perdas e danos. “As tragédias já estão acontecendo, e vão se agravar cada vez mais. Então como essa população vai sobreviver sem essa ajuda, sem ninguém querendo assumir essa responsabilidade?”, questionou Bárbara.
Daniela Cruz, de Itabi, interior de Sergipe, é engenheira florestal pela Universidade Federal de Sergipe (UFS) e tem 29 anos. Atua nas pautas de gênero e ativismo climático e é gestora de estratégia de eleições do Engajamundo. Também é voluntária no Empoderaclima, organização de jovens do Sul Global que trata dos impactos das mudanças climáticas nas mulheres.
Assim como Bárbara, essa também é a primeira viagem internacional de Daniela. “É importante estarmos nesse espaço, fazendo parte das discussões”, disse Daniela sobre a COP27. Ela participou de algumas reuniões e da fala de Al Gore para a juventude. Sobre fazer parte da estratégia do Engajamundo nas eleições, a sergipana contou que o trabalho este ano foi intenso, com ações para os jovens tirarem título de eleitor e votar, mostrando como podem se articular, se organizar e mudar sua realidade, sua comunidade, sua cidade e até seu estado.
Pavilhão da Juventude
A COP27 é a primeira a ter um pavilhão da juventude, que reúne jovens de todo o mundo no debate sobre as questões climáticas. “A gente transita por lá e se reconhece. O espaço da COP como um todo não é um espaço pensado para jovens, então aquele lugar é onde a gente consegue se reconhecer, se conectar com outras juventudes de outros continentes, com outras vivências, mas que também estão ali lutando pelo fim da crise climática, então é um espaço bem acolhedor, o mais acolhedor da COP”, observou Thalita.
Esperança
E o que espera a juventude brasileira da COP27? Bárbara, Thalita e Daniela esperam ver o Brasil voltando ao protagonismo da discussão sobre clima e que o País apresente uma nova Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês), que é o compromisso de redução de emissões de gases de efeito estufa.
“Espero muito que a reputação do Brasil melhore e que o País seja mais ambicioso no combate às mudanças climáticas”, disse Thalita. “O Brasil sempre foi protagonista e queremos que ele se coloque de volta para chamar outros países e que se coloque como um líder e seja uma voz para juntar, e não para dividir”, disse Bárbara.
A organização Engajamundo surgiu em 2012 e está completando dez anos de inserção da juventude brasileira dos debates globais sobre o clima, cidades e comunidades sustentáveis, biodiversidade e gênero. Também contam com um laboratório de inovação e outro de comunicação. As viagens são feitas por meio de captação de recursos e editais. Hoje, o Engajamundo atua em 18 estados brasileiros e no Distrito Federal.