Alexandre Rocha, enviado especial
Alto Araguaia (MT) – Mais do que ajudar a desafogar o transporte de cargas no Mato Grosso e reduzir o custo do frete, a chegada da ferrovia a Alto Araguaia, no sudeste do estado, levou desenvolvimento econômico à região. No rastro do trem vieram grandes empresas que instalaram unidades industriais para processar soja e fertilizantes. Entre elas estão três das maiores exportadoras do Brasil.
Numa cidade que, segundo estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), tem 11.738 habitantes, foram criados mais de 500 empregos. O terminal da Ferronorte entrou em operação em 2002 e hoje responde pelo transporte de 7 milhões de toneladas de soja e farelo, quase um terço da produção de grãos e fibras do Mato Grosso (Lei mais sobre a Ferronorte no link abaixo).
"A economia da cidade melhorou muito, antes ela vivia à base da pecuária e de um comércio fraco. Hoje a base já é a indústria. A pecuária responde por um percentual muito baixo", afirmou o prefeito de Alto Araguaia, Jerônimo Samita Maia Neto (PL).
O prefeito de 42 anos, mas com jeito de garotão, é um dos maiores entusiastas da ferrovia, se mobiliza pessoalmente, aciona contatos, negocia e corre para cima e para baixo quando o assunto é a instalação de uma nova companhia na região.
Esmagadora de soja
Uma das empresas que se instalaram junto ao terminal da Ferronorte foi a Coinbra, que pertence ao grupo francês Louis Dreyfus e está em 12° lugar entre as maiores exportadoras do país. Ela investiu R$ 110 milhões na construção de sua maior unidade esmagadora de soja no Brasil. A fábrica, que começou a funcionar em janeiro, tem capacidade para processar três mil toneladas do grão por dia e produzir 2,4 mil toneladas de farelo e 600 toneladas de óleo. Capacidade essa que pode ser ampliada para 5 mil toneladas de soja.
O empreendimento gerou 300 novos empregos, sendo que 80% do pessoal foi contratado na região e 20% foi trazido de fora, segundo o gerente industrial da unidade, João Dimas Fantinel, ele mesmo um "estrangeiro" no local. Gaúcho de São Leopoldo, Fantinel trouxe a mulher e o filho de quatro anos para morar em Alto Araguaia. "Nós nos adaptamos muito bem, o clima por aqui é muito bom", disse.
Outro que trocou o Rio Grande do Sul pelo Mato Grosso foi o engenheiro químico Marcos Zanata Espínola. Formado no ano passado na Fundação Universidade de Rio Grande (Furgs), leu no jornal um anúncio dizendo que a Coinbra estava contratando e se candidatou. Desde que chegou a Alto Araguaia, já notou mudanças na cidade. "Não havia caixas eletrônicos e o comércio fechava às 17 horas. Agora a cidade tem caixas eletrônicos e o comércio fica aberto até mais tarde, inclusive no sábado à tarde", afirmou.
A Ferronorte, porém, não transporta toda a carga da Coinbra pois seus trens ainda não carregam óleo, o que deve começar a ocorrer no próximo ano. Mas o farelo é embarcado em grandes quantidades. Das empresas que se instalaram no local, a Coinbra é a única que tem um terminal de cargas próprio. As demais se utilizam das instalações da Ferronorte.
Fábricas de fertilizantes
Na viagem de volta, o trem traz de Santos matérias-primas para a produção de fertilizantes, que são utilizadas em unidades construídas ao redor do terminal pelas multinacionais Bunge e Cargill, respectivamente quarta e quinta maiores exportadoras do Brasil, e pela brasileira Galvani.
A Galvani foi a primeira a se instalar no local há dois anos. Hoje a unidade emprega 53 pessoas e produz 130 mil toneladas de fertilizantes por ano, capacidade que, segundo seu gerente-geral, Rudah Pirajá Filho, pode ser ampliada para 200 mil toneladas.
Engenheiro agrônomo, Rudah está na cidade há seis meses e se orgulha do trabalho que realizou até agora, não só no comando da produção, mas para a melhoria do ambiente da fábrica. Como o clima na região é bastante seco nesta época do ano, ele comprou equipamento de irrigação para formar um belo gramado e plantar árvores frutíferas nativas da região. Sua intenção é atrair aves como tucanos e araras. "Quem vem para o Mato Grosso não sai", disse.
Já a Cargill, empresa de origem norte-americana, investiu um total de US$ 4,3 milhões para construir duas unidades, uma de armazenagem e transbordo de grãos e uma misturadora de fertilizantes. Os dois empreendimentos, localizados lado a lado, empregam hoje cerca de 100 funcionários.
A Bunge, por sua vez, construiu uma unidade que tem capacidade para armazenar 40 mil toneladas de matérias-primas que são comercializadas a granel para clientes locais, ou enviadas para a misturadora que a empresa possui em Rondonópolis. A estrutura, inaugurada em abril, consumiu US$ 1,3 milhão em investimentos e gerou 12 empregos diretos.
Raízes criadas
Na operação do terminal da Ferronorte em si, administrada pela empresa ATT, trabalham cerca de 60 funcionários. Vários deles chegaram a Alto Araguaia junto com o trem, como o supervisor operacional Fabiano Prado Ribeiro e o gerente operacional Luis Furtado da Silva. Ambos trabalharam na construção da estrada de ferro como empregados da Constran, construtora do empresário Olacyr de Moraes, idealizador da Ferronorte.
Ribeiro é de Campinas, interior de São Paulo, e mudou-se com a família para Alto Araguaia. Ele tem um filho pequeno e sua mulher está grávida do segundo. "O Mato Grosso é muito bom para trabalhar nessa área (de logística)", disse ele.
Já Furtado é de Teresina, no Piauí, e migrou para São Paulo para trabalhar na construção do Metrô, obra que teve também a participação da Constran, depois atuou como encarregado-geral nas obras da Ferronorte e acabou ficando em Alto Araguaia. "Acho o trabalho aqui melhor do que na construção civil porque o setor de logística e transporte não é temporário. Obra não é sempre que tem", afirmou.
O salário também é melhor. Na Constran ele ganhava R$ 2,5 mil por mês, agora ganha R$ 4 mil. Como Ribeiro, Furtado, de 40 anos, trouxe a mulher, duas filhas e um neto. "Eu vim para ficar, já criei raízes", disse. Tanto isso é verdade que sua mulher, Célia Oliveira da Silva, de 36 anos, cursa atualmente a faculdade de letras na cidade e vai concorrer, pelo PFL, a uma vaga na Câmara Municipal nas eleições de 3 de outubro.
Alto Araguaia é uma típica cidadezinha do interior. Tem avenida principal, onde se concentra o comércio, a praça da matriz e os órgãos públicos. Ela termina na ponte que atravessa o rio Araguaia. Na região, o rio é pouco mais que um córrego e pouco lembra a imensa massa de água que vai se tornar quilômetros ao norte. Do outro lado da ponte está Santa Rita do Araguaia, já no estado de Goiás.
Quem conheceu a cidade antes da chegada do trem diz que muita coisa mudou para melhor. As principais ruas têm pavimentação nova, não se vê lixo nas vias públicas e o comércio floresce. "Houve um aumento de 40% no comércio local", disse Maia Neto, segundo quem o impacto econômico da ferrovia permitiu realizar mais melhorias do que em toda a história do município, fundado em 1939.
Leia amanhã (22) na ANBA a quarta reportagem da série sobre a infra-estrutura de transportes e o agronegócio no Mato Grosso, que vai falar sobre a hidrovia Madeira-Amazonas e a possibilidade de utilização de outros canais hidroviários para o escomento da safra do estado.

