São Paulo – Cada bezerro que nasce hoje no Brasil tende a ser “melhor” do que a geração anterior. Resultado de anos de pesquisa nas fazendas, universidades e na indústria, o Brasil produz hoje um gado de elevada produtividade, menor tempo para o abate e carne cada vez mais macia. Mas ainda há um longo caminho a percorrer em busca da perfeição, afinal o melhoramento genético do DNA dos animais dá os seus primeiros passos.
Chefe-geral do escritório de Gado de Corte da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, Antonio Ferreira Rosa explica que o grande ganho de qualidade que se tem obtido no Brasil vem da escolha dos animais. Seleção dos touros que podem produzir bezerros com a melhor carne; seleção das vacas matrizes com maior capacidade de parto e produção de leite; e seleção da alimentação e melhores pastagens.
“Com a seleção, nós evoluímos de forma impressionante. O escritório da Embrapa aqui em Campo Grande foi criado em 1977. Naquela época, um boi ia para o abate com cinco, seis anos de vida. Foi feito desenvolvimento do capim, do solo, melhoramento na qualidade da alimentação. Com a evolução proporcionada, o abate caiu para 24 a 26 meses, a carne está melhor, tem mais qualidade. Isso reflete até no meio ambiente. Hoje se produz mais utilizando-se a mesma unidade de área”, diz.
Diversas características envolvem o aperfeiçoamento do gado: a quantidade de pigmentos escuros do seu pelo, por exemplo, permitem que o animal seja mais resistente ao sol e ao clima do Brasil. Gados da raça nelore (foto de abertura) são naturalmente mais resistentes ao calor e aos parasitas, mas sua carne não é, historicamente, tão macia como a dos animais das raças hereford e angus. Essa realidade está mudando.
Professor da disciplina de tecido muscular e cárneo no departamento de Zootecnia da Escola Superior de Agronomia Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq/USP), Eduardo Francisquine Delgado observa que o Brasil só tem rebanhos 100% formados por animais da raça angus na região Sul. É um rebanho pequeno se comparado à população nacional de aproximadamente 213 milhões de cabeças de gado. Pequeno porque este animal não sobrevive em regiões mais quentes do país.
No entanto, nos últimos anos, a tecnologia e os processos de seleção têm permitido obter bons resultados do cruzamento de nelore com angus, que geram um animal resistente e de carne macia. “Vemos que cada vez mais o produtor busca não só melhorar o animal, mas também o cruzamento. A base genética ainda é de nelore, mas há uma mistura das raças. O nelore com angus entrega qualidade de maciez (do angus) com a rusticidade do nelore”, diz Delgado.
Francisquine afirma que a indústria também faz a sua parte no processo de amaciamento da carne, o que é possível por meio não só da maturação, mas de processos físico-químicos. Já Ferreira diz que hoje em dia é possível ter um conhecimento amplo da carcaça do animal (parte utilizada para alimentação) quando ele ainda está vivo, por meio de exames. Resultado: produtividade maior.
Presidente da Associação Brasileira de Angus e criador de animais da raça, Nivaldo Dzyekanski afirma que o angus é um “melhorador” da qualidade da carne. “Ele tem uma capacidade ampla de transferir suas características, é um melhorador natural”, afirma. “Também é verdade que ele tem dificuldade com o calor”.
Dzyekanski explica que a instituição e a Embrapa de Bagé, no Rio Grande do Sul, vão desenvolver um trabalho para identificar animais que sejam capazes de suportar melhor o calor, que tenham pelo mais liso e que sejam mais resistentes a carrapatos. Além de ser um melhorador de rebanhos dos zebuínos, entre eles a raça nelore, o angus tem seu público cativo. Há um nicho de consumidores que busca pela carne deste animal, com maior quantidade de gordura intramuscular, o chamado marmoreio. No mercado externo, ele cita China e Emirados Árabes Unidos como países que buscam carne mais macia.
Delgado, da Esalq, afirma, ainda, que o Brasil é exemplo na qualidade sanitária do animal e nos processos de rastreabilidade. No entanto, existe uma característica muito específica para se definir o que é qualidade. “Existem atributos sensoriais intrínsecos que variam de acordo com a cultura do consumidor de cada país. Mesmo aqui dentro do Brasil, o que é considerado bom para um grupo pode não ter o mesmo valor para outro”, diz.
Ainda assim, o gosto do freguês leva os produtores a buscar a melhor carne. É possível analisar o DNA de um touro e identificar se há, neste DNA, marcadores que indicam que ele pode produzir um bezerro com uma característica específica, como a carne macia, por exemplo. A partir daí ele pode transferir essa característica para os filhotes e eles podem apresentar um amaciamento de carne.
A seleção e a inseminação artificial, que é feita em cerca de 16% dos processos reprodutivos no Brasil, são os principais métodos em busca de se obter o melhor animal. Há, também, o processo de clonagem. O animal clonado, porém, recebe não apenas as qualidades, mas também os defeitos do original, como predisposição a determinadas doenças. “A edição gênica já acontece em alguns países, como os Estados Unidos. Este é o futuro, mas ainda tem muito o que acontecer”, diz Ferreira, da Embrapa.
*Reportagem de Marcos Carrieri, especial para a ANBA