Homs, Síria – Homs é a terceira maior cidade da Síria, depois de Alepo e Damasco. Localizada cerca de 170 quilômetros ao norte da capital, há muito tempo tem grande importância econômica, geográfica e estratégica. Fica no meio do caminho entre as duas metrópoles maiores, numa região de forte vocação agrícola, perto do Rio Orontes, e na extremidade leste da única ligação natural do interior do país com o Mediterrâneo, a passagem entre as montanhas chamada de “Passo de Homs” ou “Portal da Síria”.
Nesse sentido, é um entreposto comercial de relevância significativa desde a Antiguidade, quando era chamada de Emesa, e lá nasceram dois imperadores romanos. Foi também um polo industrial antes da guerra iniciada em 2011, e é tema da terceira reportagem especial da ANBA sobre a Síria.
A agência visitou a cidade em 30 de agosto, junto com um grupo de jornalistas de diferentes nacionalidades, a convite do Ministério do Turismo da Síria. Homs foi um dos principais centros da insurgência armada contra o regime na guerra, principalmente entre 2011 e 2015. Ao contrário de Damasco, onde os combates ocorreram majoritariamente nos subúrbios, lá os conflitos aconteceram nas áreas centrais, hoje sob controle do governo.
Um dos marcos de Homs é a Mesquita Khalid Ibn Al-Walid (foto do alto), construída no início do século 20 em homenagem ao general árabe de mesmo nome, companheiro do profeta Maomé. Conhecido também como “Espada de Deus”, Khalid Ibn Al-Walid consolidou a conquista da Síria pelos árabes muçulmanos na Batalha de Yarmouk, em 636 d.C., com a derrota do exército bizantino. Ele morreu em Homs, em 642 d.C., e seu túmulo está localizado dentro da mesquita.
O templo foi bastante danificado durante os combates recentes, mas agora está totalmente restaurado. No entanto, o bairro de Khalidiya, ao redor, e outras partes da área central de Homs seguem em ruínas.
O chefe do Departamento de Assuntos Religiosos de Homs, xeique Issam Al-Masri, disse que o local é um sítio de peregrinação muçulmana desde a Idade Média. Apesar de a mesquita atual ser relativamente nova, edifícios mais antigos foram construídos ao redor do mausoléu de Khalid Ibn Al-Walid ao longo dos séculos, e depois demolidos para dar lugar a novas construções. “A população de Homs faz aqui suas celebrações”, disse Masri em entrevista dentro da mesquita.
Ele contou que o levante na cidade começou com manifestações de oposição ao regime em 2011. “No início não havia armas, mas rapidamente começaram a aparecer muitas, armas pesadas”, afirmou.
O xeique relatou momentos de ansiedade e amargura durante o período em que grupos armados controlaram partes da cidade. Ele disse que participou de negociações com estes grupos para que deixassem Homs. “Sim, claro que participei, pois sou chefe do Departamento de Assuntos Religiosos”, declarou. “Alguns aceitaram e outros rechaçaram [um acordo]. Os que aceitaram estão aqui, os outros foram expulsos”, disse.
Houve um alto número de mortes em Homs. A ONU calcula em cerca de 400 mil o total de mortos na Síria durante a guerra. “Quase todas as famílias sírias e de Homs tiveram alguém morto ou ferido”, declarou Masri.
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Brasileira
Moradora da cidade, a brasileira Renata Issa contou o drama de quem foi pego no meio do confronto. Filha de sírios, ela é paranaense de Curitiba e decidiu se mudar para o país árabe no início de 2011 com o marido, um engenheiro sírio de Homs, e os dois filhos. “Ele (o marido) queria voltar para a terra dele, e queríamos criar as crianças num lugar mais seguro, sem tanta criminalidade [como no Brasil]”, afirmou. Na época, os conflitos ainda não haviam começado. “Havia os protestos da Primavera Árabe, mas nós não sabíamos o que ia acontecer, até onde iria chegar”, acrescentou.
Quando a crise começou, o casal ficou em dúvida se voltava ou não ao Brasil. “Eu tinha vendido meu consultório no Brasil, encerrado minhas atividades no País, e resolvemos esperar”, contou Issa, que é dentista. Ela disse que o bairro onde mora em Homs não foi diretamente atingido, mas com o agravamento da situação ocorreram explosões perto de sua casa, pessoas morreram, e era possível ver soldados atirando em direção ao centro da cidade no telhado de um prédio próximo.
“Foi assustador, o barulho, os morteiros, queria fazer as malas e voltar para o Brasil”, afirmou. A família decidiu se mudar para o vilarejo onde moram os sogros de Issa, na região de Tartus, no litoral mediterrâneo. “Muitas famílias mudaram para esta região, quem tinha condições foi”, destacou. Lá permaneceram por um ano e meio. “Até das coisas se acalmarem”, declarou. A família agora está de volta a Homs e a dentista atende em consultório próprio.
Palmira
De Homs, no mesmo dia, a reportagem da ANBA e os demais jornalistas seguiram para Palmira, joia arqueológica da Síria localizada 164 quilômetros a leste da metrópole. O percurso concentrava a maior presença militar observada em toda a viagem pela Síria, entre postos de controle e campos erguidos dos dois lados da estrada.
As referências mais antigas sobre Palmira datam do século 19 a.C. O nome, no entanto, foi dado pelos romanos, que conquistaram a cidade no século 01 d.C., sob o imperador Tibério, e significa “Cidade das Palmeiras”. O nome original Tadmor é utilizado até hoje e designa também a cidade moderna construída ao lado das ruínas.
Palmira foi uma cidade de grande relevância na Antiguidade, pois foi construída num oásis na principal rota de caravanas entre o Oriente e o Ocidente. Uma de suas figuras mais conhecidas é a rainha Zenóbia, que ascendeu ao poder por volta de 268 a.C., conquistou a maior parte da Ásia Menor e declarou independência de Roma. Posteriormente, o controle foi retomado pelo imperador Aureliano (270-275 d.C.).
As ruínas de Palmira e a moderna Tadmor foram invadidas pelo autoproclamado Estado Islâmico em 2015. Antes de ser expulso em 2016 pelo exército sírio e seus aliados, o grupo dinamitou uma série de monumentos do sítio histórico, como Arco do Triunfo, pórtico da colunata principal da cidade; e parte do anfiteatro. Desde 2013, Palmira é considerada Patrimônio Mundial em Risco pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
O grupo de profissionais de imprensa chegou ao sítio histórico no final da tarde, junto com um magnífico pôr do sol. O local estava repleto de famílias, jovens e crianças. Naquela noite seria realizada uma apresentação da Orquestra de Homs no antigo anfiteatro.
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Jovens que tiravam selfies entre os monumentos logo se interessaram pelos jornalistas estrangeiros e puxaram assunto. Na Síria, como no mundo árabe em geral, as pessoas costumam ser hospitaleiras e é fácil engatar uma conversa.
Dois deles contaram que são moradores da moderna Tadmor, mas fugiram com suas famílias para Homs quando os terroristas chegaram. Um deles, agora com 16 anos, tinha apenas oito quando a guerra na Síria começou.
Tadmor foi palco de combates e os danos são aparentes. O local parece desabitado e o sítio histórico de Palmira estava fechado para visitação regular na época da visita, com exceção daquela noite, por causa do espetáculo. As pessoas vieram de outras cidades para assistir.
O público lotou as arquibancadas portando bandeiras da Síria e outros símbolos nacionais. A orquestra acompanhada de cantores se apresentou em frente ao palco original, que teve seu frontão destruído (assista vídeo no final do texto). Ao fundo, um retrato do presidente Bashar Al Assad, onde antes reinou Zenóbia.
Um dos guias que acompanharam os jornalistas comentou nostálgico que, durante os oito anos antes do início da guerra, levava turistas a Palmira religiosamente todas as terças-feiras, rotina interrompida pelos oito anos seguintes.
O show terminou, mas a noite estava longe de acabar. Esta história, porém, você vai ler na quarta reportagem da série sobre a Síria nesta sexta-feira (13).
*A estadia da reportagem da ANBA ocorreu a convite do Ministério do Turismo da Síria