Por Murilo Ramos, da Agência Brasil*
Brasília – Os produtos brasileiros são conhecidos ao redor do mundo pelo baixo valor agregado. Minério de ferro, café, soja e frutas, por exemplo, dominam há tempos a pauta exportadora. Existe uma impressão corrente de que nada tecnologicamente avançado pode ser produzido em larga escala por essas bandas e, principalmente, vendido no exterior.
No entanto, uma rápida visita à fábrica da Embraer, na cidade paulista de São José dos Campos, é perfeita para derrubar o estigma. Aviões modernos, que custam alguns milhares de dólares, pintados com os emblemas de companhias aéreas estrangeiras, como a American Airlines e a Delta Airlines, são encontrados no pátio. Aeronaves desses tipos cruzam os céus dos Estados Unidos, Europa e até da Ásia diariamente, nítido sinal de que conseguiram agradar a diferentes públicos.
Mesmo com uma importante participação no mercado da aviação – a Embraer é a quarta maior do setor – está claro que há espaço para crescer e a aposta é na família de aviões Embraer 170/190, com capacidade que varia de 70 a 120 poltronas.
Na última segunda-feira, em um vôo experimental para a cidade de Foz do Iguaçu (PR), foi possível compreender, em parte, por que a corporação tem se destacado. Enquanto o aparelho esquentava as turbinas e preparava-se para decolar, funcionários observavam-no com uma expectativa digna de final de copa do mundo, ou melhor, de lançamento de foguete no Cabo Canaveral.
Desvendar o fascínio dos trabalhadores da Embraer pelo avião é fácil. Há quase cinco anos, cerca de duas mil pessoas se dedicam com afinco para o sucesso do projeto. Estudos, busca de financiamento, testes e reparos, por exemplo, têm feito parte da vida das pessoas.
Tanto esforço parece, em princípio, ter valido a pena. O avião é bonito, moderno e tem sido o "menino dos olhos" nas grandes feiras temáticas. Depoimentos de grandes empresários do setor ajudam a reforçar essa visão. “É um revolucionário avião que vai dar a US Airways uma significativa vantagem comparativa”, diz o diretor-executivo da companhia, David Siegel.
Por dentro, a estrutura também impressiona. Os assentos são largos e a distância para a cadeira da frente – 32 polegadas – garante conforto ao passageiro. As fileiras são duplas e não há, portanto, poltronas no meio, que tanto dificultam a locomoção. A iluminação foi reforçada e existe, inclusive, sistema capaz de transmitir ao vivo programação de televisão. Na viagem para Foz que durou cerca de 1h30, as queixas se direcionavam, no entanto, ao forte ruído das turbinas.
O sistema de navegação é computadorizado, o que diminui as chances de falha humana. Por intermédio do uso de um software, ligado a um computador portátil, identifica-se a necessidade de reparos. Com apenas um clique no mouse, os comandantes do vôo acionam um manual virtual que explica o que deve ser feito para reparar algum distúrbio.
Até quem estiver em terra tem a oportunidade de conferir o que se passa no vôo. Além disso, principalmente em função dos atentados terroristas nos Estados Unidos, em 2001, a porta da cabine dos pilotos é blindada, iniciativa que agradou as companhias aéreas.
Apesar de todas essas novidades, é possível dizer que o principal apelo dos aviões da família 170/190 está na economia, já que as companhias aéreas passam por dificuldades financeiras. As aeronaves, que integram a série, apresentam um índice de harmonização de 89%. Ou seja, as peças para a manutenção são pouco diferentes de um avião para o outro.
Ademais, os mecânicos preparados para consertar um avião conseguem, com certa facilidade, resolver os problemas existentes nos outros. Hoje em dia, muitas companhias trabalham com modelos diferenciados, o que encarece e dificulta a manutenção. No Brasil, por exemplo, a Tam trabalha com aviões da Fokker e da Air Bus simultaneamente.
Graças a uma potente arrancada, o Embraer 170 e os outros aviões da série conseguem decolar e aterrisar de aeroportos de pista curta. Em localidades como Congonhas, na cidade de São Paulo, e o de Santos Dumont, no Rio de Janeiro eles se saem bem.
Outra vantagem é o alcance. A partir de um vôo de Brasília, no centro do país, é possível atingir qualquer ponto da América do Sul, sem a necessidade de abastecimento. A autonomia é de mais de 3,3 mil quilômetros. Na Europa, por exemplo, consegue sobrevoar em uma única rota vários países.
Estão aptas, ainda, a operar em aeroportos que usam pontes móveis. Isto é, aquelas ligações que permitem que o passageiro vá do avião ao terminal sem ter de descer da aeronave. Isso é possível em função da envergadura do aparelho. Antigamente, aviões de médio porte não eram preparados para tal.
Ansiedade
Nesses dias, o clima na fábrica da Embraer em São José dos Campos é de grande expectativa. Isso porque até o final do mês de novembro o 170 – o primeiro filho da família – deve ser certificado pelas autoridades de aviação civil do Brasil, Estados Unidos e Europa, para que as companhias adquirentes do avião possam utilizá-lo.
A primeira da fila deve ser a Alitalia, que receberá o primeiro exemplar em meados de dezembro. Até o mês de agosto, 119 aparelhos haviam sido encomendados e outros 127 contratos de opção foram firmados, o que totaliza 246 aeronaves.
Depois do 11 de setembro
Suprir uma lacuna existente no mercado é o foco da Embraer atualmente. De acordo com o diretor de Marketing e Inteligência, Orlando Neto, não havia aviões com capacidade entre 70 e 100 lugares.
O problema se agravou para as companhias depois dos atentados a Nova York, no dia 11 de setembro de 2001. É que a procura diminuiu bastante e os vôos para cidades menores continuavam a ser feitos com aviões grandes. Com isso, ressalta Neto, as aeronaves viajam vazias, gastam muito combustível e acentuam a crise.
Um grande trunfo da Embraer, na verdade, está na análise do mercado nos últimos anos. Somente nos Estados Unidos, que representam mais de 50% do mercado de aviação no mundo, o número de rotas regionais pulou de 76 para 1874 de 1995 a 2003.
Na Europa, apesar de um pouco mais ameno, o fenômeno se repete. Saltou de 104 para 1072 rotas. Pelo fato de serem velozes, as máquinas da Embraer conseguem percorrer, diariamente, vários trechos, até porque foram idealizados para voar 14 horas por dia.
Outra oportunidade está nas companhias de “low cost”, (custo baixo) como a norte-americana Jet Blue, verdadeira febre nos Estados Unidos. Os passageiros estão abrindo mão de acessórios, como serviço de bordo, para obter um custo menor na viagem. Nos Estados Unidos, em oito anos o número de rotas desses vôos praticamente triplicou.
As perspectivas da Embraer para os próximos anos são animadoras. As taxas de ocupação de aviões com as características da família 170/ 190 têm crescido, a despeito da economia mundial que há praticamente três anos patina. “Mesmo se houver um boom na economia, não sairemos em desvantagem com grandes companhias. Estamos consolidando um modelo”, afirma Orlando Neto.
Há, ainda, uma outra boa notícia. A média de idade dos aviões é elevada. Surge, assim, a chance de vender aeronaves para substituir os “vovôs do ar”. No Brasil, o interesse latente da Embraer é na Vasp. A ex-companhia estatal utiliza aparelhos com mais de 25 anos de operação que, dentro em pouco, terão de deixar de voar nos ares do Brasil.
Nem tudo é céu de brigadeiro
A Embraer é apontada como uma referência no mundo da aviação. Pertencer a um restrito grupo de empresas que fabricam aviões é um cartão de visita de primeira linha. Até a gigante estadunidense Boeing tem enviado técnicos a São José a fim de se inteirar sobre algumas das táticas da companhia brasileira. Mas nem com todas essas virtudes, existe a certeza de que a empresa voará em céu de brigadeiro.
Especialistas da empresa acreditam que só dentro de cinco anos o mercado da aviação estará recuperado. A dificuldade central é o preço de se produzir aeronaves. Trata-se de um setor que necessita de investimentos maciços em tecnologia para que continue evoluindo e competindo em pé de igualdade com rivais.
Também em função dos altos e baixos da economia, os pedidos das companhias aéreas são desfeitos com certa freqüencia. Os financiamentos surgem como outro empecilho. É difícil encontrar, em algumas oportunidades, quem “banque” a compra de produtos que superam os US$ 20 milhões. O Embraer 170, por exemplo, custa US$ 24 milhões.
A concorrência também é forte. A canadense Bombardier, que se engalfinhou numa briga com a Embraer na Organização Mundial do Comércio (OMC), por uso indevido de subsídios governamentais à produção, produz aviões com qualidade e preços parecidos. Ainda mais hoje em que fornecedores são encontrados por todo o mundo e qualquer detalhe pode fazer a diferença no final.
Diante desse cenário complexo, a Embraer abriu escritórios nos Estados Unidos, Europa, Cingapura e um no mercado estratégico da China que, segundo técnicos da Embraer, tem excelente potencial de crescimento. Trata-se de uma forma de estar mais próxima do cliente, até para ouvir o que eles têm a dizer, e encontrar quem venda suprimentos bons a preços mais vantajosos.
A decolagem da família de aviões 170 foi perfeita. Resta saber se os céus permitirão que se vá ao longe. Os funcionários da Embraer, certamente, nutrem grande esperança de que as turbulências serão deixadas para trás.
*Murilo Ramos viajou a convite da Embraer