O pesquisador e engenheiro Pedro Antonio Arraes Pereira assumiu a presidência da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) neste mês com planos de expandir ainda mais a atuação da instituição, que já é o gigante mundial em pesquisa agrícola tropical. Ciente de que a empresa não conseguirá atender todos os pedidos de abertura de escritórios de transferência de tecnologia no exterior, feitos por países das mais exóticas partes do mundo, entre eles as nações árabes, Arraes planeja a abertura de um centro de capacitação internacional em Brasília. Em entrevista à Anba, ele deixa claro que o projeto está ainda no plano das ideias, mas acredita que tem possibilidade de se concretizar. A missão do centro seria capacitar, na área teórica, pesquisadores do mundo afora. As unidades da empresa dariam treinamento na parte prática.
Na área de pesquisa, Arraes afirma que entre as prioridades da Embrapa, em sua gestão, estão atacar a ferrugem da soja, que dá prejuízos volumosos ao Brasil, fazer com que as plantas absorvam com mais eficiência os insumos, já que o país é deficiente em fertilizantes, e recuperar áreas degradadas para expandir a agricultura brasileira sem derrubar florestas. O novo presidente da Embrapa, pós-doutor em Genética, acredita que o melhoramento genético é uma das grandes vias para continuar produzindo alimentos apesar do aquecimento global e afirma que um dos seus sonhos é ver harmonia entre a tecnologia agrícola e a conservação do meio ambiente. “Uma produção sustentável, pujante, com os princípios de sustentabilidade”, descreve ele. Leia a seguir os principais trechos da entrevista à Anba:
Anba – Quais serão as prioridades da Embrapa na sua gestão?
Pedro Antonio Arraes Pereira– A Embrapa é uma empresa muito grande, quase um transatlântico em pleno mar, e qualquer mudança demora muitos e muitos quilômetros para acontecer. Então, essa gestão será pautada pela continuidade dos trabalhos. Há um portofolio de projetos de pesquisa muito interessante e é preciso consolidar algumas ações. Por exemplo, a questão internacional. Temos dois pilares que são os Labex, laboratórios virtuais nos Estados Unidos, na Europa e agora na Ásia, na Coréia, que serão mantidos e fortalecidos. E tem o outro pilar que é o da transferência de tecnologia, na África, América do Sul e Central. E nesta área, a Embrapa entra muito na política externa brasileira. O presidente (Luiz Inácio Lula da Silva) em todo lugar que vai comenta muito da Embrapa. Isso é muito bom para a gente, mas também nos causa alguns problemas, como excesso de demanda. Então uma das coisas que pensamos é montar alguns projetos estruturantes (maiores e de longo prazo), principalmente na África. Estamos fazendo uma parceria com a Jica (Agência de Cooperação Internacional do Japão) para reestruturação da pesquisa e transferência de tecnologia em Moçambique, montando um projeto estruturante lá de quatro a oito anos. Estamos preocupados em ter algumas bandeiras estruturantes na África para que daqui a quatro anos a gente possa dizer: essa foi a contribuição que o Brasil deu no desenvolvimento africano.
A ideia é montar um escritório em Moçambique em parceria com eles?
Não, a ideia é montar um projeto mesmo, fazer um diagnóstico da situação local, das necessidades, e obviamente que o Brasil, a Embrapa, pode contribuir demais na parte de capacitação. Mas não seria uma mera ação pontual, como acontece muito. Muitos países pedem para a gente ir lá, dar uma palestra, demonstrar uma tecnologia, o que é uma ação pontual. Mas com Moçambique é algo estruturante. Estamos pensando em eleger dois ou três países e fazer esse tipo de projeto maior para que a gente possa ter um resultado mais robusto no futuro.
Em relação à pesquisa, temos um portfolio muito interessante. Mas temos que atacar algumas prioridades. Uma é a questão da ferrugem da soja. Óbvio que a gente já tem uma série de projetos atacando esse problema. A ferrugem da soja dá prejuízos de R$ 2,8 bilhões ao Brasil. Vamos, então, fazer uma análise dos projetos que temos e ver o que poderíamos agregar para resolver o problema um pouco mais rápido. O outro grande tema é a questão dos insumos, principalmente os fertilizantes. O Brasil é altamente dependente deles. Claro que não depende da Embrapa a exploração. Isso não é nossa área. Mas é nossa área criar mecanismos, através de nanotecnologia e outras técnicas, para que as plantas possam absorver com mais eficiência esses insumos. A terceira questão é a das áreas degradadas. O Brasil tem um número de hectares imenso de pastagens – e outras áreas – degradadas, passíveis de uso. Dispomos de tecnologias muito interessantes (para melhorá-las), como a integração lavoura-pecuária, na qual já temos uma atuação bastante forte. E agora há ainda a integração lavoura, pecuária e floresta. Essa é uma outra área na qual é possível causar um impacto muito interessante, aumentar a produção de grãos no Brasil sem que se tire uma árvore sequer. E eu acho que isso pode dar uma compensação de carbono.
Os laboratórios que a Embrapa tem hoje no exterior estão nos Estados Unidos, Europa e Coréia?
Na Coréia ainda nem iniciamos. Vamos iniciar agora dentro de um mês, nosso colega está indo para a Coréia do Sul, na Embrapa deles lá. E se chama laboratório virtual porque nós não temos nenhuma estrutura física em nenhum destes locais. Atuamos com parceiros locais. É basicamente pesquisas de ponta. Porque você sabe, a ciência é global e é importante que estejamos nestes laboratórios avançados para saber que rumo estão tomando as pesquisas na questão da agricultura, para que possamos continuar sendo excelência em agricultura tropical. Isso é muito facilitado hoje pela credibilidade que a Embrapa tem nesta área. Então, é uma parceria ganha-ganha.
E na área de transferência de tecnologia, o que a Embrapa tem é o escritório em Gana e na América do Sul?
Além de Gana, temos um escritório na Venezuela. Mas são completamente diferentes. A gente tem uma dívida com a África. E essa dívida não passa só pela questão da escravidão, que já foi mencionada muitas vezes. Tem também a questão de todos os pastos tropicais que são de origem africana. Vieram para cá por alguns centros internacionais, foram melhorados e hoje dão comida para o maior rebanho do mundo, que é o nosso. Então, está na hora de devolvermos um pouco deste conhecimento e outros que vieram da África, com as melhorias que a gente fez, para que eles também possam ter desenvolvimento.
E deve ser aberto algum novo escritório para transferência de tecnologia?
Está em estudo na América Central, no Panamá. Ainda não se definiu muito bem. Há possibilidade, mas ainda não está fechado.
Muitos países árabes já se mostraram interessados em ter escritórios da Embrapa, desde o Sudão até o Catar. Isso tem sido contemplado?
O problema é o seguinte: a gente tem um tamanho de perna e tem que dar o passo de acordo com a nossa perna. Vários países pedem escritórios, mas esse não é o único instrumento de cooperação. Temos que ter alguns escritórios – essa ideia foi bastante inteligente – mas precisamos ir sedimentando os escritórios existentes. Cada escritório que abrimos demora um tempo para que se sedimente, consolide, tenha autonomia financeira, que não nos onere muito, para então podermos pensar em dar outro passo. Porque senão você não consolida nada. Mas isso não significa que não possamos ter parcerias. Estamos com uma ideia: a Embrapa é a potência que é hoje por vários motivos, mas um deles é que há trinta anos os visionários que montaram a Embrapa decidiram mandar 1.500 jovens para as melhores universidades do mundo. Um deles sou eu. E isso causou esse boom. A Embrapa tem bons laboratórios, ótimas construções, mas o talento dela reside em seus empregados, na inteligência que nós temos aqui. Esse foi um fator primordial. Então estamos pensando, conversando com o presidente da República, para montar um centro de capacitação internacional para agricultura tropical em Brasília. Seria a parte teórica apenas, cada unidade da Embrapa também daria a sua contribuição. Mas é só uma ideia ainda. Tem bastante possibilidade de vir a ser concretizada no curto prazo, mas está apenas no campo da ideia ainda.
Aí em vez da Embrapa ir ao exterior, os outros países poderiam vir até o Brasil?
O pessoal do Sudão, por exemplo, a gente poderia identificar as deficiências deles, eles viriam aqui fazer o treinamento, a capacitação, de curto prazo, médio prazo, e depois iriam para os centros, de arroz, feijão, gado de corte, aves, para se aperfeiçoar na parte prática.
E como o senhor avalia o que já temos lá fora, principalmente na África, que é um continente onde há países árabes?
Você já foi para a África? (Já fui para a Tunísia) A Tunísia é meio diferente. Se você desce um pouco mais na África, cada país é completamente diferente um do outro, com problemas fundiários imensos, uma série de questões que a gente não tem aqui no Brasil. Lá a terra, em alguns locais, é da tribo. O que nós estamos fazendo lá no momento são algumas coisas bem pontuais. Há um trabalho junto com a Odebrecht, ela tem uma fazendo em Angola, para onde levamos várias cultivares de milho, feijão, arroz. Eles têm feito campos de demonstração. Isso tem tido um impacto interessante. Há algumas iniciativas em relação ao etanol, pessoal interessado em pequenas usinas de etanol, na tecnologia de produção de cana-de-açúcar. Em Gana isso tem acontecido. Esse projeto (de etanol em Gana) vai exportar álcool direto para a Suécia. Há outras coisas, uma fábrica de farinha de mandioca (em Gana). Então, há algumas coisas que foram mandadas, mas ainda carecemos de um impacto. Por isso falei sobre essa questão de ter projetos estruturantes, onde a gente realmente possa ter um impacto positivo e grande.
Esses laboratórios ou escritórios internacionais são viáveis economicamente?
Nos laboratórios de alta tecnologia temos o custo de pagar o pessoal. Normalmente a pesquisa é paga por Estados Unidos ou pelo país europeu. Mas o custo do pessoal lá é da Embrapa. Obviamente não é possível viver nos EUA com o salário que se vive no Brasil, é preciso ter um bolsa para complementar o salário. É custo, mas só o que esses laboratórios já mandaram aqui para o Brasil em tecnologia, deve ter pago esse custo uma centena de vezes. E no caso dos outros escritórios, a Venezuela, por exemplo, é auto-suficiente com os seus projetos. No caso da África, nós pagamos o custo do pessoal lá. Mas esperamos que com o tempo o escritório possa se consolidar e ficar auto-suficiente também. Essa é a ideia inicial.
A adaptação da agricultura ao aquecimento global é preocupação da Embrapa?
É uma preocupação, com certeza. Nós temos um trabalho de cenários para os próximos 50 anos, onde montamos vários cenários para a agricultura, aumentando dois graus, três graus ou até cinco graus (na temperatura). E aí temos um trabalho muito interessante de zoneamento. Para a cultura do café, por exemplo, identificamos o que aconteceria se aumentasse dois graus de temperatura, onde ela seria mais viável. Isso foi feito basicamente para todas as culturas que temos. São cenários. Tendo isso a gente pode tomar algumas medidas, em melhoramento de solo, aumento da matéria orgânica para diminuir o efeito da falta de água ou do aumento da temperatura. Por outro lado, temos também todo um trabalho de melhoramento genético, procurando materiais (sementes) de milho, soja, feijão, arroz que tenham um pouco mais de tolerância à seca, que possam suportar temperaturas maiores e menos água.
O semi-árido brasileiro produz apesar da seca. Mas lá há muita agricultura de pequeno porte, para subsistência. O semi-árido teria condições de produzir em grandes volumes para exportar ou isso não é viável para a região?
Hoje está acontecendo um negócio interessantíssimo, não apenas no semi-árido, em todo o Brasil, mas principalmente no semi-árido: a caprinocultura. Lá (no semi-árido) em todo lugar tem cabrito. Mas não há frigorífico, eles não sabem como fazer o corte de carne, por exemplo. Então a Embrapa está fazendo um levantamento dos problemas da caprinocultura, juntamente com empresas estaduais, empresas de pesquisa e extensão, identificando como poderiam ser resolvidos os gargalos. A caprinocultura pode ser uma solução para aumentar a renda daqueles produtores. Há uma série de trabalhos neste sentido, abrangendo toda a cadeia da caprinocultura e pode melhorar a renda e a vida daquele pessoal que está lá.
Há alguns anos se falou na possibilidade de a Embrapa ter investimento privado. Isso vai ocorrer?
Na verdade, precisamos de uma mudança no nosso estatuto, principalmente para a área internacional. O projeto de lei de criação da Embrapa diz que ela pode atuar em todo o território nacional. Essa questão atrapalha muito esses escritórios na Venezuela e na África. Temos que fazer toda uma ginástica financeira para repassar recurso. Então, esse projeto de lei tem que ser mudado, como foi feito com a Petrobras, a Embraer, para atuar também fora do território nacional. O problema todo é que é uma questão política. A gente prepara um projeto de lei, manda para o Congresso… sabemos como ele entra ali, mas não sabemos como ele sai. E numa tentativa feita há pouco tempo se tentou colocar na Embrapa um braço que pudesse ter maior flexibilidade administrativa, para captação de recursos de empresas, projetos com a iniciativa privada. E aí isso não foi bem entendido, se falava que era privatização. Então, temos que esperar o momento político certo, trabalhar direitinho isso com as lideranças, explicar para todo mundo qual é o objetivo. Claro que a Embrapa tem que ser uma empresa pública, para ser dos brasileiros. Ela tem que ser uma empresa pública, mas precisa ter um pouco mais de agilidade em algumas áreas.
Qual é o seu maior sonho para a agricultura brasileira?
O primeiro sonho meu é a agricultura perder essa conotação ideológica que existe às vezes de tamanho da propriedade. Agricultura é uma coisa só. Também a gente poder ter uma harmonia entre a tecnologia e a conservação do meio ambiente. Eu acho que vamos chegar a isso. Esse é um sonho de longo alcance. Mas eu acho que a Embrapa pode dar os instrumentos para atingirmos. Eu acho que a Embrapa já fez muito, e não só a Embrapa, mas o sistema nacional de pesquisa agropecuária, o que engloba empresas estaduais, IAC (Instituto Agronômico de Campinas), Iapar (Instituto Agronômico do Paraná), esse conjunto, essa rede toda já proveu a sociedade brasileira com alimentos de qualidade e de baixo custo. Então agora o que a gente tem que fazer? Uma produção sustentável, pujante, com os princípios de sustentabilidade.