São Paulo – Foi a necessidade que fez com que três brasileiras criassem e incorporassem o burquíni às suas marcas de roupas, abastecendo o mercado nacional com uma peça de moda muçulmana que não é tão facilmente encontrada no País. Usado na praia, piscina e até na academia, no entanto, o burquíni tem consumidoras ávidas no Brasil e no exterior.
Inicialmente fazendo parte do guarda-roupa de milhares de muçulmanas, sejam elas nascidas na religião islâmica ou convertidas, hoje a vestimenta também é escolhida por mulheres de outras religiões que simplesmente gostam de moda modesta. Quem trabalha com o setor percebe uma demanda crescente.

Nascida no interior de São Paulo, Alessandra Volpi é uma das brasileiras que vende e exporta burquínis. Criadora da marca Alai, a paulista se aproximou da moda, primeiro através da costura, para pagar contas.
“Desde os meus nove anos eu já costurava. Sempre desenhei e fiz meus próprios looks. Mas não trabalhava na área. Até que tudo mudou. Quando me mudei para a cidade de São Paulo com meu marido, precisei trabalhar fora, para ajudar com as contas e resolvi investir na costura”, relembra Alessandra.
Anos depois de costurar para diversas clientes, Alessandra decidiu se aprofundar nos estudos e fez o curso de Design de Moda.
“Quando a minha situação financeira se organizou, meu marido me incentivou a estudar. Foi na faculdade que percebi que já dominava a prática, porém me aprofundei na parte técnica e teórica. Como costurava bem, minhas professoras e colegas passaram a pedir peças de costura”, conta a paulista.
A criação do primeiro ateliê aconteceu de forma natural. Primeiro em Alphaville, São Paulo, ao lado de uma amiga. Mais tarde, ao se mudar para São Bernardo do Campo, cidade do mesmo estado, resolveu seguir carreira solo e criou sua própria marca, Alai, em 2010.

A aproximação com a moda voltada para mulheres muçulmanas surgiu de forma orgânica, a partir da observação da falta de opções no mercado brasileiro. “Conversando com clientes que eram muçulmanas, percebi que não tinha muitas opções de vestidos de mangas compridas leves para enfrentar o calor do Brasil”, conta Alessandra.
“Depois da criação do primeiro vestido para elas, uma cliente que morava em Londres e me conhecia das redes sociais, disse: ’no Brasil não tem burquíni. Por que você não faz?’ Eu nem conhecia a peça na época, mas resolvi pesquisar e desenvolver.”
O fato de ter conhecimento técnico sobre costura e tecidos ajudou Alessandra a trilhar o novo caminho dentro da marca. “Percebi que essa era uma roupa que não serviria só para muçulmanas. Tem gente que não gosta de mostrar o corpo, pessoas em tratamento de saúde, mulheres que preferem mais cobertura.”
A produção dos burquínis da Alessandra começou pouco antes da pandemia de Covid-19 e ganhou força durante o período. “Enquanto muita gente parou, para mim foi uma das épocas mais fortes. Eu vendi muito durante a pandemia, porque minhas clientes decidiram se reunir com as famílias em chácaras, onde usavam bastante a peça”, conta a empresária.
Atualmente, o burquíni, que é um dos principais produtos da marca, conta com 30 modelos diferentes, que são vendidos pela página no Instagram e site da empresa. “Além das peças prontas, eu também produzo peças sob medida. Vendo para brasileiras e também já mandei burquínis para Dubai, Portugal, Moçambique, Arábia Saudita, Líbano, Marrocos, Egito e Japão”, conta Alessandra.
Geralmente quem compra a vestimenta, de acordo com a empresária, é a brasileira que leva a peça em suas viagens ao exterior. “Para mim, produzir burquínis no Brasil tem um significado que vai além da moda. E acredito que essa peça está ajudando a mudar o olhar sobre as mulheres muçulmanas. Antes as pessoas só as viam com roupas fechadas, mas agora veem beleza, estilo e identidade.”

Mag Halat é outra brasileira que comercializa burquínis no País. Dona da marca By Mag Halat, a muçulmana produz peças modestas desde 2021. “A ideia da criação dessa peça surgiu de uma necessidade muito pessoal. Eu mesma tinha dificuldade em encontrar peças de moda praia modesta no mercado brasileiro”, relembra a empresária.
“Quando uma cliente me pediu um burquíni, percebi que aquela demanda não era só minha — havia muitas mulheres buscando exatamente isso. Então decidi criar algo que suprisse essa carência e realmente atendesse mulheres que, como eu, querem se vestir com modéstia sem abrir mão de aproveitar a praia, a piscina ou momentos de lazer.”
A peça surgiu a partir da união de elegância, conforto e funcionalidade, e da busca de referências internacionais, especialmente do Oriente Médio e da Europa. “Mas para criar essa vestimenta, acima de tudo eu observei minhas clientes. Por isso, adaptei as tendências ao clima tropical brasileiro e às necessidades reais das consumidoras”, conta Mag.
Para ela, o mercado de burquínis ainda é bastante nichado no País, por isso, o custo de produção, usando tecidos tecnológicos, modelagens específicas e cuidados extras para garantir conforto e segurança na água, acaba sendo alto.
“No Brasil já enviei minhas peças para todas as regiões, de Norte a Sul. E também ultrapassamos fronteiras: já chegaram a clientes nos Estados Unidos, Angola, Arábia Saudita e Japão. Isso mostra que a necessidade é global e que a moda modesta conecta mulheres do mundo inteiro”, conclui Mag.
Lançamento em 2026
Nascida em Brasília, Beatriz Kehdy é dona da iCovered, uma marca nacional que vai começar a vender burquínis em 2026.

Formada em Arquitetura, a moda também se tornou profissão mais tarde na vida de Beatriz. “Aos 18 anos fui para os Estados Unidos, após uma oportunidade familiar, inicialmente para estudar inglês, mas acabei ingressando na faculdade por lá e permaneci no país por cerca de 12 anos. Nesse período concluí a minha formação e trabalhei na área de arquitetura por aproximadamente seis anos. Meu retorno ao Brasil aconteceu quando tinha 30 anos”, conta Beatriz.
Sem ter origem árabe ou ser nascida muçulmana, ela, que converteu-se ao islamismo enquanto morava nos Estados Unidos, encontrou dificuldades para atuar na área de arquitetura por aqui.
“Além da dificuldade profissional, ao voltar para meu país natal, comecei a enfrentar desafios pessoais relacionados à vestimenta. Como mulher alta, sentia dificuldade em encontrar roupas mais modestas, que fossem adequadas ao clima brasileiro e refletissem uma identidade latina. Queria peças que fossem coloridas, com estampas, e tivessem tecidos e fluidez compatíveis com o clima tropical. Como não encontrei, decidi criar minha própria marca em 2015”, explica a brasiliense.

Apesar de contar com um público principal formado por mulheres muçulmanas, a marca também atende clientes que não são muçulmanas e buscam roupas mais modestas. “A minha proposta não é atender um nicho restrito, porém a mulher como um todo. As minhas peças contemplam diferentes momentos da rotina feminina: trabalho, lazer, ambientes institucionais e corporativos, além de encontros sociais”, conta Beatriz.
A dona da marca iCovered explica que a linha de burquíni surgiu a partir da demanda das clientes, que buscavam produtos com qualidade e acabamento.
“Estou em processo de criação das peças e ainda busco tecidos que atendam aos critérios desejados. A minha principal dificuldade está sendo encontrar materiais que não sejam quentes, que funcionem bem na água e que não grudem no corpo. Por isso, acredito que eu lance os produtos no ano que vem, entretanto eles só vão sair quando eu estiver totalmente satisfeita com a qualidade”, completa.

Vendendo exclusivamente por seu site, a comercialização das outras peças da marca, como lenços e vestidos, já chegaram para todo o território brasileiro. Mesmo sabendo da existência de demanda internacional, especialmente de países como Estados Unidos e Inglaterra, Beatriz, por enquanto não exporta devido aos altos custos logísticos.
A bióloga Soha Chabrawi, doutora em Neurociência e Cognição e gerente técnica da Fambras Halal Certificadora, em São Paulo, é uma das consumidoras interessadas por burquínis e tem expectativa que o lançamento da marca que já conhece, a iCovered, seja adequado às suas necessidades, já que gosta de nadar quando vai para a praia ou a piscina. “Eu conheço todas as peças dela, eu acho que vai ser uma peça de excelência porque ela sempre faz peças muito boas e consulta muito os consumidores”, diz Soha, muçulmana nascida no Brasil filha de egípcios.
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