São Paulo – A Aurora, uma das grandes vinícolas do Brasil, é também uma das maiores produtoras de suco de uva integral do mundo. A empresa com sede no Rio Grande do Sul vem investindo no segmento de bebidas não alcoólicas para exportação, uma tendência mundial crescente, e além do suco de uva tradicional oferece o suco de uva gaseificado, feito com uvas tintas e brancas, vendidos em garrafas de vinho espumante. A empresa está produzindo uma versão em lata, mais fácil e prática para exportar em contêineres.
A gerente de exportações da Aurora, Giorgia Mezacasa, disse à ANBA que vende o suco de uva com gás para a China e para a Líbia, e está em negociação com o Paraguai. Ela afirma que o suco gasoso é sem aditivos ou açúcares e que contém apenas o conservante igual ao do vinho, suficiente para que o produto viaje bem.
“Desenvolvemos um bom relacionamento com a China, temos um representante da nossa marca lá. Vendemos os vinhos e o suco de uva integral, e em 2020 eles pediram para que a Aurora desenvolvesse um suco de uva com gás”, contou Mezacasa. A companhia brasileira começou a comercializar o suco com gás para a China em grandes volumes nas versões branco e tinto, em garrafas de vinho espumante, de 660 ml, com rolha natural.
Para a Líbia, os embarques são mais recentes. “Já vendemos o suco integral para esse país há muitos anos, conversamos sobre esse novo produto e enviamos um lote de garrafas de 660 ml”, contou a gerente. Para lá, o rótulo da garrafa vai em árabe, mas o nome Aurora é mantido em português. Outra opção de tamanho é uma garrafa de vidro menor, de 275 ml, com tampinha metálica. O suco de uva com gás também está sendo vendido no Brasil, apenas na versão tinta.
Mezacasa acredita que as exportações trazem o benefício da inovação para a empresa. “É muito bom poder ter esse intercâmbio de culturas. Em uma feira de vinhos na China, vi produtores de países como Austrália, Itália, Espanha e França lançando sucos de uva com gás e vinhos desalcoolizados. Muitos países estão investindo nesses produtos sem álcool, mas o suco de uva deles sempre tem algum tipo de aditivo; o nosso produto é de muito melhor qualidade”, enfatizou.
Segundo a empresa especializada em dados de mercado e consumidores Statista, o consumo de bebidas não alcoólicas deve aumentar consideravelmente nos próximos anos. Em 2021, foram consumidos 354,55 bilhões de litros de refrigerantes e refrescos, e 35,06 bilhões de litros de sucos em todo o mundo. Para 2026, a projeção para o consumo é de 385,135 bilhões de litros de refrigerantes e refrescos, e de cerca de 38 bilhões de litros de sucos no mercado global.
O suco de uva gaseificado da Aurora leva os mesmos conservantes que vão no vinho. “Para chegar do outro lado do mundo, precisamos utilizar um pouco de conservantes, mas temos orgulho de ter uma lista de ingredientes pequena”, explicou. Os sucos da Aurora são feitos com uvas americanas cultivadas no Vale dos Vinhedos (RS).
O próximo passo, segundo Mezacasa, é o lançamento do suco com gás em lata para o mercado externo. “Por enquanto, vendemos só no Brasil o suco em latinhas de 269 ml. A lata é um diferencial muito grande, tem uma competitividade fora porque dá para encher o contêiner. A quantidade para exportação é benéfica; a garrafa de vidro é bem vista, mas em lata tem uma redução de peso, além de suportar melhor as altas temperaturas”, informou.
No ano passado, a Aurora vendeu 150 mil litros de suco, contando com gás e sem gás, o que representou 41% do faturamento da empresa. As exportações cresceram 88% em volume e 89% em receita.
Mezacasa garante que o suco de uva brasileiro é o melhor do mundo. “Não existe suco de uva nos Estados Unidos, e outros países que produzem, fazem à base de concentrados. Só aqui fazemos o suco de uva puro, 100% integral, sem aditivos”, contou.
Ela afirma que pretende exportar 40% da litragem total de suco produzido pela Aurora. “Queremos tirar proveito dessa exclusividade, do nosso produto diferenciado e do nosso know-how, e agora, acompanhando a evolução das tendências de mercado, conseguimos produzir o suco com gás”.
A gerente da Aurora afirmou que pensa em obter a certificação halal do suco no ano que vem. A companhia pretende ter representantes de vendas nos Emirados Árabes e no Egito para abrir esses mercados e vender o suco de uva e os vinhos. O vinho desalcoolizado não está nos planos da empresa.
Vinoh
A empresa Vinoh começou a produzir vinhos desalcoolizados no ano passado. As vendas iniciaram em outubro de 2021. Na pandemia, o sócio-diretor Vlademir Grechi, que era agente comercial em uma vinícola, e sua esposa Luci Penso, enóloga e sócia-proprietária, resolveram empreender com um produto diferente do tradicional. “Está tendo uma aceitação boa, nossa ideia foi atender pessoas com restrição médica, e por enquanto, estamos voltados ao mercado interno”, disse à ANBA.
A produção ano passado foi de duas mil garrafas. A Vinoh fica em Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul. A empresa compra o vinho pronto de vinícolas parceiras da região e faz o processo de desalcoolização. Por enquanto, eles comercializam as versões Rosé (uvas Moscatel e Merlot) e Tinto (Merlot), mas Grechi disse que já estão pensando em elaborar também brancos e espumantes da marca.
“Se você oferecer para uma pessoa que toma vinho com frequência, ela vai notar a diferença, a gama de aromas e o sabor mudam, mas nosso trabalho é manter boa parte dos aromas”, explicou. Segundo o diretor, o vinho desalcoolizado é uma bebida agradável e refrescante. “Para quem não pode beber álcool, seja qual for o motivo, e está em uma festa, em um ambiente de socialização, essa é uma alternativa, você não se sente excluído”, declarou.
Os vinhos desalcoolizados da Vinoh têm 0,5% de álcool, o máximo permitido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Por ser uma empresa que está começando, o foco ainda é no mercado interno, mas há vontade de exportar.
Vinho halal
Alguns produtores de vinhos em países como Espanha, França e Itália estão investindo nos vinhos totalmente desalcoolizados, ou seja, com 0,0% de álcool. A possibilidade de certificação halal para esses produtos, no entanto, é um assunto é controverso.
A Federação das Associações Muçulmanas do Brasil (Fambras) explica que a regra básica na jurisprudência islâmica (Sharia) sobre comida e bebida é que todas as coisas são halal (permitidas para o consumo de muçulmanos), exceto aquelas que são especificamente descritas na Sharia como sendo haram (proibidas), como bebidas alcoólicas. “Desta forma, é bem descrito no Alcorão que o vinho é uma bebida haram, devido à presença de álcool em sua composição, que causa o efeito inebriante ou embriagante”, disse a Fambras.
No caso do vinho desalcoolizado, há diferentes posicionamentos entre as autoridades religiosas islâmicas do mundo, segundo a Fambras.
De acordo com a lei islâmica do Comitê Permanente da Arábia Saudita, se uma bebida, ingerida em pequenas ou grandes quantidades, não causa embriaguez, então, é permitido vendê-la, comprá-la e bebê-la, informou a federação. “Se o vinho não for inebriante, como resultado da eliminação do álcool através de método científico (físico ou químico), e ainda for possível remover o odor e sabor característicos do vinho, e se o cheiro e o sabor do vinho forem, também, eliminados, escolas islâmicas como a Maliki e Hanafi sustentam que esse tipo de vinho é permitido, de acordo com o processo de purificação por destilação do álcool, seja de maneira natural ou através de aditivos, ou por tratamento. Essa é a tese aprovada pelo departamento de Fatwa do setor de assuntos Islâmicos e caridade de Dubai, bem como pelos estudiosos do Reino da Arábia Saudita”, explicou a Fambras à ANBA.
Por outro lado, as escolas Shafi’i e Hanbali, e Casa de Iftaa jordaniana não aceitam o vinho desalcoolizado como uma bebida halal, pois a destilação do álcool não ocorre de maneira autônoma natural, como por ação do sol, e sim por uma ação intencional. “Verificamos também que autoridades do Egito orientam que uma bebida não deve ser consumida caso remeta ao vinho, ou seja, tenha características como cor, odor e sabor, ainda que não tenham a presença de álcool, para que as pessoas não se confundam ao ponto de caírem no ilícito. O mesmo vale até mesmo para bebidas lícitas, como suco de uva gaseificado, se este for vendido em garrafas de vinho, por exemplo, devido à confusão”, disse.
A Fambras mantém uma posição neutra quanto ao tema dos vinhos desalcoolizados. “Há quem permite, e quem proíbe, baseado em questões internacionais, e a Fambras se adaptaria ao mercado, conforme exigência. Mas nós da Fambras não adotamos a posição de proibir, nem de permitir”, declarou a entidade.