São Paulo – A indústria têxtil nacional não seria a mesma sem os árabes que começaram a se estabelecer no Brasil ao final do século 19. Numa influência que vai da atuação dos mascates como divulgadores de novidades ao turbante que as baianas, símbolo-maior da Bahia, usam enquanto preparam acarajé nas ruas da capital Salvador. Tais conclusões são do jornalista Luís André Prado e do professor e pesquisador João Braga, autores do livro História da Moda no Brasil – Das Influências às Autorreferências. A obra, publicada pela Editora Pyxis, foi lançada no último mês de junho.
Em seu trabalho, Prado e Braga destacam o papel dos comerciantes da região da Rua 25 de Março, desenvolvida a partir da chegada dos imigrantes de origem árabe em São Paulo, como estimuladores do comércio de roupa. Segundo a dupla, em 1901 havia na área mais de 500 lojas de estrangeiros vindos principalmente do Líbano e da Síria. Entre eles, estavam os primeiros atacadistas de tecidos, além dos armarinhos que então abasteciam os mascates e, até hoje, fazem a festa de quem trabalha entre linhas e agulhas.
"A herança árabe na divulgação de produtos de moda, de novos tecidos e materiais, foi muito importante para o crescimento do setor têxtil no Brasil", afirma Braga. Conforme informação registrada em História da Moda no Brasil, em 1920, um levantamento feito na capital paulista apontou que, entre os 91 estabelecimentos industriais sírios e libaneses fixados na cidade, 65 eram de confecção e 12 de têxteis.
No tabuleiro da baiana
Dos mascates aos tabuleiros repletos de quitutes com sabor de Bahia, Prado conta que a presença das arábias no figurino dos brasileiros está até na tradição afro. "Os negros que vieram para cá saíram principalmente da África árabe", diz. "Ou seja, o turbante da baiana vem daí", explica.
Como destaque de hoje, o jornalista cita, entre outros nomes, o estilista Fause Haten como talento de origem árabe.
Imigrantes empreendedores à parte, o livro de Prado e Braga é recheado de bastidores da história da moda no país. Com destaque para talentos das agulhas que, além de tudo, ainda foram grandes personagens. É o caso, por exemplo, do estilista paraense Dener Pamplona, que fez carreira (e sucesso) em São Paulo, onde se tornou rival mais que declarado de outro nome famoso dos croquis: Clodovil Hernandes. "Dener foi sem dúvida um dos primeiros a se destacar no Brasil", diz Braga. "Um dos mais emblemáticos, aliás", conta.
Entre as histórias famosas de Dener, Prado cita, como a sua predileta, a vez em que o estilista opinou sobre um vestido de Maria Thereza Goulart, mulher do então presidente João Goulart. "Quando Maria Thereza teve que se exilar às pressas no Uruguai porque seu marido, o então presidente João Goulart, havia sido deposto pelo golpe militar de 31 de março de 1964, Dener afirmou: ‘Mas ela (Maria Thereza) não pode ir para o exílio de tailleurzinho azul-turquesa! Meu Deus, isso não é traje para a ocasião!’. Não é muito bom?", conta o jornalista, guardião dessas e de muitas outras passagens acerca da formação, crescimento e consolidação da moda feita no Brasil.