São Paulo – A escritora somali Ayaan Hirsi Ali lança nesta sexta-feira (16) no Brasil seu terceiro livro editado pela Companhia das Letras. “Nômade” retrata a história da autora desde que deixou sua família, no Quênia, até seu endereço mais recente, nos Estados Unidos. Em “Nômade”, Ayaan revela por que escolheu viver nos Estados Unidos e os motivos que a levaram a deixar a religião e a família.
“Escrevi ‘Nômade’ para responder questões que os leitores tiveram depois de ler ‘Infiel’ [livro em que conta sua infância e adolescência]. Muitos leitores gostariam de saber mais sobre a minha relação com a família. Usei integrantes da minha família para ilustrar diferenças em atitudes como sexualidade, dinheiro e violência entre ocidentais e muçulmanos. Leitores queriam saber sobre minhas experiências nos Estados Unidos e se eu tinha propostas para remediar o conflito de valores entre os muçulmanos que vivem no ocidente e suas sociedades”, afirma a escritora à ANBA.
Ayaan nasceu na Somália, em 1969, mudou para a Arábia Saudita em 1977, foi para a Etiópia um ano depois e viveu no Quênia entre 1979 e 1980. Depois retornou para o Quênia, onde viveu até 1992. Naquele ano, ela deveria deixar o Quênia e seguir para o Canadá para se casar com um parente a quem fora prometida. “Na jornada do Quênia até o Canadá, eu deveria fazer uma escala na Alemanha, onde obteria meu visto canadense e então seguiria viagem. Mas uma espécie de desespero instintivo me fez mudar de ideia. Tomei um trem rumo à Holanda”, revela no livro.
Ela mentiu às autoridades locais para poder ficar na Holanda, país que lhe emprestou dinheiro, lhe colocou em um lugar para morar e onde ela pode estudar e trabalhar, até se tornar deputada. A mentira que contou para ser aceita na Holanda e viver no país europeu foi a causa, anos depois, de sua nova mudança de endereço: desta vez para os Estados Unidos, onde vive desde 2006.
Desde que decidiu ir para a Holanda e abandonar o marido prometido, Ayaan percebeu que todos os seus parentes sofreriam as consequências. “Meus pais e o resto da minha família sofreram uma angústia coletiva de vergonha. Tiveram de lidar com o fato de que sua filha não só rejeitou a escolha deles por um marido, mas todo o quadro moral que viviam. No contexto de uma sociedade tribal-islâmica, as escolhas que eu fiz são vistas como algo pior do que a morte”, diz.
A escritora também sofre as consequências. Ayaan frequentemente recebe ameaças de morte. Há locais em que ela não pode ir sem escolta. Um desses lugares foi o hospital em que seu pai ficou internado antes de morrer, em 2008, em Londres. No bairro onde fica o hospital viviam pessoas que não a querem viva. “Minha vida de ameaças e segurança não é somente emocional, mas também uma questão prática. É o preço que eu pago pela minha liberdade, e isto vale a pena”, afirma.
Além de narrar sua história de país em país e de cidade em cidade, quando chegou nos Estados Unidos, a escritora questiona procedimentos do islã, principalmente no que diz respeito à submissão das mulheres. Em alguns trechos, no entanto, ela revela o primeiro contato que teve com atitudes, lugares e valores comuns do Ocidente. Isso ocorre nos momentos em que ela narra quando explicou a uma assistente social holandesa que não sabia o que era poupança ou quando ela revela sua primeira experiência no mundo das apostas durante uma visita a Las Vegas. Ayaan não compreendeu nem quando foi convidada pela primeira vez para assistir a um casamento “tipicamente norte-americano”. “Em silêncio perguntei a mim mesma se algum ser humano seria capaz de honrar tais promessas: amar e respeitar, na saúde na doença, na riqueza e na pobreza, até que a morte os separe’”, relata no livro.
Hoje, nos Estados Unidos, Ayaan vive com escolta. Ela ainda recebe ameaças por e-mail ou em sites na internet. Mesmo assim acredita que sua vida hoje é melhor do que se tivesse continuado a viver com seus parentes ou com o marido prometido. “Não posso viajar ou ir para qualquer lugar sem segurança, mas se eu estiver com segurança, posso levar minha vida em liberdade e, por isso, eu sou profundamente grata”, afirma.
Serviço
Nômade, Ayaan Hirsi Ali
392 páginas
R$ 46,00
Editora Companhia das Letras