Cairo – A vice-presidente do governo da Espanha, Maria Teresa Fernandez De La Vega, visitou o Egito na semana passada. Ela esteve com o presidente, Hosni Mubarak, e com o primeiro-ministro, Ahmed Nazif, com quem assinou um memorando de entendimento para ativar as relações econômicas e comerciais entre os dois países.
Em entrevista à ANBA, durante uma visita ao Centro Cervantes no Cairo, a vice-premiê falou sobre a posição da Espanha em relação à aproximação da América do Sul com o mundo árabe. Segundo ela, seu país se encontra em excelente posição em relação a esse movimento geopolítico, por manter relações privilegiadas com ambas as regiões.
Maria Teresa falou também de questões como a iniciativa da Aliança de Civilizações, lançada pelo primeiro-ministro espanhol, Jose Luis Rogrigues Zapatero, hoje adotada pelas Nações Unidas e que terá a próxima reunião sediada no Brasil.
A questão da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres e uma maior participação feminina na vida pública mundial são também assuntos sobre os quais ela tem grande interesse. Para a vice-primeira-ministra, a mulher deve ter uma maior participação na tomada de decisões mundiais, podendo assim oferecer preciosas contribuições para melhorar o diálogo e chegar à paz mundial. Seguem os principais trechos da entrevista:
ANBA – Como a senhora avalia o estado atual das relações entre o Egito e a Espanha?
Maria Teresa Fernandez De La Vega – A Espanha e o Egito são países amigos e aliados e atravessamos, sem dúvida alguma, uma fase extraordinariamente positiva de nossas relações em todos os níveis. Estas foram relançadas com a visita de suas Majestades, o rei e a rainha da Espanha, a este país no ano passado, quando foi assinado um tratado de amizade e cooperação. O presidente Mubarak me manifestou sua intenção de intensificar as relações econômicas e comerciais, visto que nossas relações políticas são excelentes. Assinamos também, com o primeiro-ministro egípcio, um memorando de entendimento que visa ativar o tratado de amizade e cooperação assinado no ano passado.
Como a iniciativa espanhola da Aliança de Civilizações está repercutindo sobre o diálogo entre o Ocidente e o mundo árabe e muçulmano?
Acredito que o diálogo deve ser o instrumento de base, imprescindível para que as pessoas possam viver em paz. O diálogo de culturas e civilizações é um mecanismo fundamental para se atingir este objetivo. A Aliança de Civilizações, lançada em 2004 pelo presidente Zapatero e adotada, em seguida, pelas Nações Unidas, soube provar ao longo destes anos que é um instrumento válido, capaz de ajudar a construir um futuro baseado nos princípios de respeito ao outro e da tolerância, num mundo tão complexo como o nosso. Estamos bastante satisfeitos em constatar que a Aliança de Civilizações está avançando, conseguiu até agora conquistar e catalisar um grande apoio em todas as partes do mundo e está criando um verdadeiro terreno dedicado ao dialogo, acordo e entendimento. Além disso, posso dizer que o grande sucesso em termos de representatividade, obtido no ultimo Fórum de Istambul, mostrou que nossa iniciativa não somente era uma idéia muito importante, mas também que ela foi lançada num momento decisivo, num momento onde ela era extremamente necessária.
A senhora não acha que esta idéia está também encontrando vários entraves e dificuldades de ordem prática como, por exemplo, a crise econômica mundial, que pode favorecer o aumento de tensões étnicas ou da xenofobia, ou ainda ser afetada por problemas políticos como as conseqüências da crise de Gaza?
Não, eu não acredito que ela será afetada por estas questões. Creio que temos que assumir a complexidade do mundo onde vivemos. Por esta razão devemos nos habituar a criar instrumentos dedicados a tratar desta complexidade de maneira adequada. Isso quer dizer criar mecanismos que possam fomentar o respeito e a tolerância entre os povos e mostrar a medida através da qual a coabitação pacífica e os intercâmbios podem nos ajudar a obter um enriquecimento de nossas culturas, e não o contrario. Devemos fazer isso de forma a mostrar que o outro, aquele que é diferente, tem sempre muito a nos ensinar e nos ajudar a obter uma visão mais enriquecedora do mundo.
E como isso ocorre na prática em um país como a Espanha, onde vive uma importante comunidade de imigrantes muçulmanos?
Estamos trabalhando muito seriamente para seguir esta lógica. Em nosso país estamos promovendo uma política de imigração centrada no reconhecimento dos direitos de todos os cidadãos procedentes de outros países para trabalhar em nosso território. Reconhecemos todos os seus direitos e fazemos tudo para a sua integração, com base nos princípios da ordem pública e regras do país onde foram viver, mas também garantindo a eles o respeito à sua cultura de origem e ao fato que sejam diferentes.
Realmente dispensamos imensos esforços para que a integração dos imigrantes se produza. Posso dizer, com muita satisfação, que temos, na Espanha, uma situação muito positiva. Os imigrantes trouxeram muitas riquezas ao nosso país, e não somente riquezas do ponto de vista econômico, eles foram muito importantes para que a noção de pluralidade fosse instalada em nosso país.
E mesmo com a crise econômica e o inevitável aumento do desemprego decorrente desta situação, não houve na Espanha situações onde ocorreram manifestações de xenofobia?
Na verdade não houve nenhum caso do qual eu tenha conhecimento. Para que isso não ocorra, nosso governo está trabalhando seriamente junto à sociedade civil. Estamos operando juntamente aos movimentos associativos, às associações de imigrantes, com as instituições e com as comunidades autônomas para fazer prevalecer nossa política de integração, que é centrada no respeito da lei e da ordem e que reconhece os direitos, mas também estabelece obrigações. Nessa lógica posso dizer que felizmente, até agora, nenhuma manifestação ou incidente desse gênero, de racismo ou xenofobia, se produziu em nosso país.
Os países árabes e sul-americanos vêm mantendo uma política comum de aproximação, que se traduz nos trabalhos das cúpulas América do Sul-Países Árabes (Aspa). O que representa para a Espanha esta aproximação no plano geopolítico?
Acreditamos que se trata de uma aproximação bastante importante e acompanhamos de perto esta iniciativa lançada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Fazemos isso na condição de país ibero-americano e também na nossa condição de país euro-mediterrâneo. Mantemos, portanto, relações privilegiadas com ambas as regiões e nos encontramos numa posição que nos ajuda a ter uma perspectiva única para compreender esta aproximação e apoiá-la plenamente.
A senhora se preocupa com a questão do apoio ao desenvolvimento da mulher. Como a senhora avalia a questão de igualdade de gêneros atualmente no mundo e particularmente nesta região?
Acredito sinceramente que o mundo não pode mais avançar sem a participação clara das mulheres, pois elas se converteram, felizmente, no principal vetor e o melhor agente de transformação social. Notamos que as sociedades que evoluem mais rapidamente são aquelas onde as mulheres foram integradas e participam plenamente em todos os setores da vida, seja o político, o econômico, da educação, etc. Mas, infelizmente, as desigualdades em termos de oportunidades continuam a existir em todas as partes.
E aqui no Egito, a senhora teve algum contato com projetos ligados ao desenvolvimento do potencial feminino?
Participei de uma reunião de uma entidade de mulheres empreendedoras e me felicitei muito em estar presente a este encontro. É muito interessante notar que, em todas as partes do mundo, constatamos uma raiz de desigualdades entre homens e mulheres derivada de uma situação de dominação patriarcal à qual fomos submetidas ao longo dos séculos e que fez do “masculino” um valor preponderante e, do “feminino”, um valor subordinado. É necessário que finalmente tomemos consciência da importância da contribuição feminina para esta nova sociedade, em termos de, por exemplo, capacidade de exercício do diálogo.
Notamos que o mundo, que até agora foi governado somente pelos homens, não está tão bem quanto deveria. Por isso devemos dar uma oportunidade às mulheres para mostrar como, através de sua gestão e participação, elas podem introduzir importantes elementos que contribuirão para se chegar à paz tão importante para todos.