São Paulo – Está marcada para este sábado (09) a proclamação da independência do Sudão do Sul. Quem acompanhou a guerra civil do país e o processo de paz que começou em 2005 acredita que o Sudão do Sul pode dar certo se procurar resolver seus desafios pela via política em vez de optar pela guerra. A tarefa não é fácil. O sul tem tribos que desafiam o governo e sofre com falta de infraestrutura, mas herda reservas de petróleo do norte, terras cultiváveis e grande quantidade de cabeças de gado, cabras e ovelhas.
O embaixador do Brasil em Cartum, Antonio Carlos do Nascimento Pedro, afirma que os dois países estão otimistas com a divisão, embora existam diferenças que precisam ser negociadas. “Há discussões sobre cidades, recursos naturais e acordos em outras áreas. No sul há um espírito de otimismo, é um país que precisa de impulso e apoio, porém, tem um sentimento muito positivo. O norte também. O processo está nos trilhos”, diz.
Ele observa, no entanto, que há questões complexas a serem resolvidas, como a situação da região de Abyei, que é rica em petróleo e disputada pelos dois países. “A questão do petróleo é muito importante para o norte e o sul. A maior parte dos recursos conhecidos fica ao sul, mas a estrutura de escoação, refino e exportação do petróleo fica na região norte do país. Não pode haver uma ruptura, pois os dois países perderiam. Eles estão ponderando sobre este assunto, mas é muito complexo”, afirma. O sul não terá saída para o mar. Um referendo será realizado para que os moradores de Abyei escolham se querem ficar no Sudão ou no Sudão do Sul.
Empresário brasileiro que há nove anos atua na região, Paulo Hegg retornou do Sudão no último dia 04, após três semanas no país. E afirma: “Tudo transcorre com muita tranquilidade. Os moradores estão imbuídos de um sentimento de nacionalismo positivo e orgulhosos de ser independentes.” Hegg é associado ao Grupo Pinesso, de Mato Grosso, na plantação de 80 mil hectares de algodão, milho e soja no estado do Nilo Azul, no norte do país. Ele não acredita que a separação entre norte e sul possa prejudicar os negócios.
Mesmo otimista, Hegg vai esperar alguns meses para decidir por novos investimentos no sul. “Quero ver como será a formação do novo governo, quem serão os ministros, como esse processo será feito”, afirma o empresário, que deve retornar ao Sudão em setembro.
Invasões, motivos étnicos, religiosos, econômicos e políticos provocam guerras onde hoje fica o Sudão desde o século 07 d.C., durante a expansão islâmica. Desde então, os conflitos deixaram mais de 2 milhões de mortos e 4 milhões de refugiados: a parte norte do país é de maioria árabe e muçulmana e a parte sul, de cristãos. As diversas etnias do sul viveram em paz por espaços curtos de tempo. As diferenças entre elas aumentaram quando os colonizadores britânicos ocuparam o país e incentivaram o desenvolvimento do norte em detrimento do sul. Quando o país se tornou independente, em 1956, entrou em guerra civil.
A divisão do Sudão em dois países começou em 2002, junto com conversas de cessar-fogo entre o governo e rebeldes do Movimento de Libertação do Povo Sudanês (SPLA, na sigla em inglês). A guerra civil só acabou em 2005. O acordo abrangente de paz previa que os moradores do sul escolhessem, em referendo, se gostariam de se separar do norte. Em janeiro, eles decidiram pela separação.
Mesmo assim, os conflitos continuam. Um relatório divulgado na quinta-feira (07) pela Organização das Nações Unidas mostra que os conflitos se intensificaram na região de Pibor, no sul, nos últimos dias. Segundo o levantamento, 2.368 pessoas morreram no país do começo do ano até junho em conflitos violentos. Destas, 500 morreram nos últimos 15 dias do mês passado.
O embaixador do Sudão em Brasília, Abd Elghani Elnaim Awad Elkarim, diz que foi a busca pela paz o motivo que levou norte e sul à divisão. “Esperamos que o sul siga em paz e que prospere como país.”
O Brasil tem papel de protagonista neste processo. “Somos considerados parceiros deles, porque temos essa relação Sul-Sul (entre países em desenvolvimento) muito forte. E também tivemos grande influência negra e árabe na nossa consolidação. Então o diálogo com eles é muito fácil. Do ponto de vista econômico, temos muita experiência em agricultura e é um caminho importante para o desenvolvimento deles. Os sudaneses querem isso”, afirma Pedro. Já o embaixador do Sudão em Brasília afirma que o Brasil é um “exemplo” de país em desenvolvimento e, por isso, pode ajudar o Sudão do Sul a crescer.
Segundo o Itamaraty, o Brasil participa das missões de paz no Sudão desde o fim da guerra civil. Agora, deverá ser uma das primeiras nações a reconhecer o novo país e a estabelecer relações diplomáticas com ele. O Ministério das Relações Exteriores deverá ter um embaixador não-residente no Sudão do Sul.
O embaixador brasileiro em Cartum acredita que, se a paz for mantida, os dois vizinhos podem trilhar o caminho da prosperidade. “Com a paz entre os dois lados, o sul vai crescer rapidamente, porque tem recursos férteis. Já o norte vai deslanchar porque tem uma estrutura melhor. Com paz eles só têm a ganhar, mas não podemos prever acidentes no percurso”, diz Pedro.