Por Caio Favaretto*
Hoje representando um mercado de US$ 5 trilhões, segundo o London Stock Exchange Group, as finanças islâmicas têm sua origem nas relações comerciais entre a Europa e a Ásia Central ainda na Idade Média. Atualmente, a chamada Sharia-compliant finance tem se destacado no cenário econômico global por sua fundamentação em princípios éticos e sustentáveis, como a proibição da cobrança de juros abusivos (riba), a exigência de operações lastreadas em ativos reais, o compartilhamento de risco entre tomador e emprestador e a aversão à especulação e ao risco excessivo.
Essas características têm atraído crescente interesse por promoverem maior transparência e estabilidade financeira, tornando o sistema menos suscetível a crises econômicas profundas, que frequentemente afetam os mercados convencionais. Nas últimas décadas, mesmo países de minoria muçulmana como Reino Unido, Luxemburgo, França, Hong Kong e Singapura têm se dedicado com sucesso ao desenvolvimento e operação de um arcabouço legal de finanças islâmicas capaz de estruturar operações financeiras robustas de crédito, private equity, real estate e fintechs, além de títulos soberanos. Atualmente, a London Stock Exchange conta, inclusive, com fundos de índices (ETFs) exclusivos dedicados às finanças sharia-compliant.
A recente expansão do grupo BRICS+, com a inclusão de países de maioria islâmica como Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Egito, Irã e, mais recentemente, a Indonésia, apresenta uma oportunidade estratégica para o Brasil fortalecer uma agenda de cooperação em finanças islâmicas. Essa iniciativa é particularmente relevante em um momento de crescente instabilidade internacional e guerra tarifária, agravando a necessidade de diversificarmos e fortalecermos parcerias econômicas, buscando uma política comercial mais diversa e resiliente.
Nesse contexto, a realização da COP 30 em Belém oferece uma plataforma ideal para promover debates sobre instrumentos financeiros islâmicos, especialmente os chamados green sukuks. Esses títulos islâmicos sustentáveis, alinhados aos princípios islâmicos, podem financiar projetos estratégicos relacionados à transição climática, energia renovável, infraestrutura sustentável, segurança alimentar e soberania energética. Essas iniciativas estão em consonância com as agendas estratégicas nacionais e internacionais de países do Golfo e do Sudeste Asiático para 2030.
Além disso, a criação de um arcabouço regulatório compatível com as finanças islâmicas no Brasil poderia atrair fluxos financeiros significativos em mercados altamente líquidos, como Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Catar. Essa integração fortaleceria a posição do Brasil como um dos principais exportadores de produtos halal, consolidando o ciclo no país, que já é exitoso nessa agenda na esfera industrial, especialmente na produção de proteína animal. Basta lembrar que em 2023, o Brasil exportou mais de 2,2 milhões de toneladas de carne de frango halal para mais de 30 países, totalizando mais de US$ 3,9 bilhões em receitas, segundo dados do Ministério da Agricultura e Pecuária do Brasil.
O Brasil, ao aprofundar essa agenda, poderia acessar recursos expressivos destinados ao financiamento de setores prioritários como agropecuária sustentável, infraestrutura crítica, minerais estratégicos e ciência e inovação ligadas às soluções climáticas. Ao ampliar seu leque de opções financeiras sustentáveis, o Brasil reforçaria seu papel como protagonista no cenário global.
Essa iniciativa é especialmente relevante no contexto da presidência brasileira do G20 em 2024, que propôs um conjunto de reformas visando a democratização dos fluxos financeiros internacionais. Tais propostas buscam o avanço na integração financeira entre países do Sul Global e o aprimoramento de suas estruturas de governança.
Embora o desenvolvimento de um sistema complexo envolvendo crédito, seguros e outros mecanismos sofisticados de mercado seja uma meta de médio a longo prazo, é possível implementar desde já modelos simplificados que permitam iniciar o mercado brasileiro às finanças sharia-compliant. A construção gradual desse arcabouço regulatório seria estratégica, permitindo adaptações progressivas e oferecendo segurança jurídica para investidores internacionais interessados no mercado brasileiro.
Portanto, as finanças islâmicas apresentam-se como uma oportunidade concreta para o Brasil diversificar e fortalecer sua economia, atraindo investimentos internacionais, ao mesmo tempo em que reforça sua posição global no debate sobre desenvolvimento econômico sustentável e governança financeira internacional.
*Caio Favaretto é advogado, consultor e doutorando em Direito Econômico pela Universidade de São Paulo