Santos – Em época de Copa do Mundo, com todos os olhos voltados para a África do Sul, seria normal que um dia de treinamento em qualquer clube brasileiro não chamasse tanto a atenção da imprensa. Mas a tarde de ontem (23) no Centro de Treinamento Rei Pelé, em Santos, atraiu uma dezena de repórteres e também os olhares do time masculino do Santos Futebol Clube. O motivo? O primeiro treino misto entre a Seleção Palestina de Futebol Feminino e as Sereias da Vila Belmiro, como é chamado o time feminino da casa.
As vinte meninas palestinas que ontem corriam pelo campo santista têm entre 13 e 25 anos. Elas formam um time novo, criado há apenas dois anos, mas com muita vontade de crescer. Elas chegaram ao Santos F.C. por meio de um pedido do Ministério das Relações Exteriores, conforme já noticiado pela ANBA. O que elas vieram buscar no Brasil? A “ginga e o molejo” do melhor futebol do mundo, como conta Kleiton Lima, técnico dos times femininos do Santos e da Seleção Brasileira.
“Sinto que elas têm uma escola voltada para a parte tática, mas não têm esse estilo que a brasileira tem”, diz. “O que a gente faz nos treinos é para que a atleta tenha esse molejo. O diferencial do futebol brasileiro é esse improviso, esses recursos técnicos. O Hani (técnico da Seleção Palestina) tem me perguntado o que as brasileiras têm”, explica.
Seja o que for que as brasileiras tenham, é exatamente o que as palestinas querem levar para casa. Natalie Sheheen, de 15 anos, joga futebol há quatro, e diz que ama o esporte. Seu sonho é jogar as Copas da Ásia e do Mundo. “O Brasil é a seleção mais popular do mundo. Elas são fortes e eu quero pegar a experiência delas”. Em seu país, Natalie é estudante e conta que os treinos acontecem apenas três vezes por semana.
A alegria e a interação dos dois times mostravam que, apesar das barreiras lingüísticas e das diferenças culturais, o futebol e a receptividade nacional foram suficientes para aproximar árabes e brasileiras. “Cada uma tinha uma expectativa, mas futebol é igual em qualquer lugar do mundo”, disse a capitã santista, Aline Pellegrino, sobre o que seu time esperava ao saber que receberia as meninas da Palestina. “Elas têm surpreendido sempre positivamente, estão entregues ao trabalho. A experiência para nós também está sendo muito grande.”
Por falar em experiências, fora o futebol, o samba tem sido o grande interesse das meninas árabes, que também estão tentando ensinar dança do ventre às brasileiras. Entre as jogadoras, 13 são muçulmanas e sete são cristãs. Apenas uma delas usa o hijab (lenço na cabeça), o que despertou grande curiosidade na imprensa brasileira. O véu não atrapalha? “Em nada”, responde tranquilamente Nevin Alkolayb que, antes de se tornar jogadora de futebol, praticou corrida e natação.
Aos 13 anos, Michelini Hadeeh é a mais nova do grupo palestino. Ela declara seu amor pelo futebol e também diz querer jogar as copas asiática e mundial. “Estamos treinando e queremos levar isto para a Palestina. Queremos ensinar a outras garotas como se joga futebol no Brasil”, revela. Ao ser perguntada sobre o que pensa em relação a uma partida entre palestinas e brasileiras, ela não hesita: “Eu quero vencer [o jogo] contra um time brasileiro.”
Apesar de ainda faltar muito treino para que isso possa acontecer, vontade elas têm bastante, diz o supervisor técnico do Departamento de Futebol Feminino do Santos, Rubens Quintas Junior. “Nós estamos agregando para que elas participem do nosso treinamento, de como é feito o dia-a-dia, pra que a gente se prepare para uma partida oficial”. Haverá, de fato, uma partida entre as meninas palestinas e as santistas, mas a data ainda não foi definida.
Murilo Barletta, diretor de Futebol Feminino do clube brasileiro também destaca a integração das meninas árabes com seu time. “Eu tenho notado que, do primeiro dia, quando as conheci, e hoje, elas já estão mais à vontade, mais descontraídas. Estão brincando, interagindo com as nossas atletas, é uma ensinando a língua para a outra. Isso é uma troca muito gratificante de cultura e experiência de vida”, destaca.
Ele conta ainda sobre a conversa que teve com o embaixador palestino, Ibrahim Alzeben, no domingo (20), durante a recepção das atletas. “O embaixador me disse: ‘Murilo, para você ter uma noção da importância disso para o povo da Palestina, é a primeira vez que uma delegação palestina de esportes atravessa o Atlântico, seja masculina ou feminina’. Então, a gente sente a importância que está sendo dada por este povo e a gente tenta atender da melhor forma possível, entendendo a responsabilidade do Santos nessa história”, diz (veja vídeo abaixo).
Para o técnico palestino, Hani Almajdoubah, este intercâmbio vai agregar muito mais do que qualquer técnica esportiva. “Construímos uma relação com o povo brasileiro. Eles gostam de nós e nós gostamos deles. Vimos coisas novas que elas estão praticando, construímos uma relação entre as nossas garotas e as brasileiras, e esperamos vê-las na Palestina para jogar conosco.”