São Paulo – Ele já foi reserva de Sócrates no Corinthians, jogou em lugares tão remotos quanto Mineiros, em Goiás, e Tessalônica, na Grécia, esteve em times arquirrivais como Grêmio e Internacional, jogava futevôlei com Maradona em Dubai. Hoje, Luís Fernando Abichabki (foto acima) pode ser encontrado dentro de um clube em São José do Rio Pardo, sua cidade natal e o lugar para onde gosta de voltar. Ele é diretor de esportes da Associação Atlética Riopardense, que fez parte da infância e adolescência e faz agora novamente parte da sua rotina.
O sobrenome Abichabki revela as origens árabes e esconde as italianas, de parte de mãe. Na dúvida sobre o país do qual a família veio, ele crava logo ‘sírio-libanês’. Tudo o que o ex-jogador sabe é que o bisavô era um comerciante que foi parar no interior paulista. De herança, além do sobrenome, ficou somente o gosto por iguarias como o charuto de uva.
Nando, como é chamado pelos mais íntimos, cresceu jogando de tudo um pouco no clube e nas ruas. Quando veio a oportunidade de jogar futebol no Guarani em troca de uma bolsa para fazer faculdade na PUC Campinas, deu certo. E lá foi ele para a primeira de suas muitas mudanças de cidade e casa.
Em 1981, aos 20 anos, o jogador recebeu uma proposta para um treino no Corinthians. O lugar, segundo ele, era bem precário, em nada honrava a alcunha do Timão. Aos poucos, os craques foram aparecendo e ele foi reconhecendo um a um. Zenon, Wladimir, Sócrates, nomes que brilhariam nos anos seguintes como o “Esquadrão Imortal”. Osvaldo Brandão, então técnico, na presença do presidente Vicente Matheus, disse: o menino fica.
Jovem, ele viveu o auge do Timão. Fez parte da chamada Democracia Corinthiana, que ficou muito marcada nas figuras de Sócrates e Walter Casagrande. Segundo Luís Fernando, o movimento não era só um posicionamento político contra a ditadura militar que já estava esmorecendo no Brasil, mas também um desses raros acontecimentos. “A gente era muito unido, e essa sintonia se dava dentro e fora do campo”, recorda.
Do “Doutor Sócrates”, só boas recordações e grandes ensinamentos. O jogador, que morreu em 2011, tinha como hábito levar livros nas viagens e compartilhar trechos em voz alta com os companheiros de quarto. “Ele lia e fazia a gente refletir e debater o que tinha acabado de ler”, lembrou Luís Fernando. Em 1984, quando partiu para o Fiorentina, na Itália, Sócrates deu uma declaração dizendo que Luís Fernando seria seu sucessor. “Foi para me dar uma força, muito generoso da parte dele, mas ele sabia, eu sabia, todo mundo sabia que ninguém o substituiria”, contou.
De São José do Rio Pardo a Dubai
Luís Fernando jogou no Corinthians até 1987, e chegou a ser emprestado para o Internacional, do Rio Grande Sul, onde foi campeão gaúcho. Na sequência, foi para o arquirrival Grêmio. Também jogou no Coritiba, Atlético Paranaense, Guarani e Ponte Preta. O ex-jogador nunca foi muito de planejar cada passo da carreira e nem da vida. Fora do Brasil, jogou no time grego Paok, em Tessalônica, e para o Bellinzona, na Suíça italiana.
Já casado com Christiane, vieram os filhos, Eduardo e Leonardo, e uma fase de idas e vindas para times menores no Brasil. Cansado, Luís Fernando pendurou as chuteiras e voltou para casa, onde abriu uma escolinha de futebol. Concluindo a faculdade de Educação Física, deu aulas em escola e no clube local. A vida, entretanto, ainda o tiraria da pacata São José do Rio Pardo mais algumas vezes.
Em 2010, graças a contatos antigos dos tempos de jogador, recebeu um convite para ser técnico em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. Já tendo iniciado uma curta carreira como técnico no Santo André, ele viu no convite a chance de dar aos filhos uma vida que no Brasil não seria possível. Durante sete anos, o brasileiro treinou o sub-19 do time Al Nasr e o segundo time do Al Shabbab.
Em 2017, ele chegou a voltar ao Brasil. Não por muito tempo. Logo veio o convite para trabalhar para o governo do emirado de Sharjah, onde ele coordenou nove equipes profissionais e categorias de base. “Desenvolvi uma pedagogia de ensino específica para eles, construímos um centro de treinamento com cinco campos apenas para atender ao projeto”. As aulas eram tanto para jogadores como para treinadores, todos nativos ou filhos de moradores residentes dos Emirados.
Era no país do Golfo que ele jogava futevôlei com Maradona, estrela do futebol argentino que morou em Dubai e treinou times locais na década de 2010. Ao todo, Luís Fernando passou dez anos no país, onde aprendeu a falar termos técnicos de futebol e palavras básicas do dia a dia em árabe. De lá, ele sente saudade da beleza, segurança, oportunidades que os filhos tiveram. “É um oásis, um paraíso, lá você tem uma vida boa demais. Fora que a comunidade brasileira é grande e a gente faz muita amizade”, recorda.
Saudoso de casa, o brasileiro decidiu que era hora de voltar. De vez? “Já fui chamado para ir para Dubai, e posso até aceitar novas propostas se achar que é o que devo fazer. Lá eu tinha apartamento, carro, trabalho ótimo e salário muito bom”, explica. E aqui? “Aqui eu tenho afeto”.
Reportagem de Débora Rubin, especial para a ANBA.