São Paulo – O futebol brasileiro está mais propício a entrar na rota dos grandes investimentos internacionais e especialistas da área acreditam que há potencial para atrair o capital árabe. A lei que entrou em vigor há três meses no Brasil e instituiu a Sociedade Anônima do Futebol (SAF) criou as condições legais para a transformação dos clubes em empresas, tornando o ambiente favorável para a inversão estrangeira.
O executivo Francisco Clemente Pinto, líder de Mídia e Esportes da KPMG Brasil, já percebe um movimento de investidores internacionais em direção ao futebol do Brasil, tanto de países árabes como de outras partes do mundo. “Vejo investidores vindo interessados em colocar dinheiro. Essa lei realmente abriu uma avenida grande para percorrer”, disse Clemente, que é responsável por Oriente Médio na KPMG Brasil.
O advogado Pedro Trengrouse (foto de abertura), um dos fundadores do escritório referência em negócios do esporte no Brasil, o Trengrouse & Gonçalves Advogados (TGA), acredita no interesse que o futebol brasileiro pode gerar em investidores árabes. Trengrouse está em viagem aos Emirados e pretende ter conversas sobre o assunto. O TGA também se associou à Câmara de Comércio Árabe Brasileira. O advogado acredita que o investimento árabe pode revolucionar o futebol brasileiro.
Os clubes brasileiros de futebol foram criados em sua maioria como associações civis sem fins lucrativos, muitas vezes de bairros, e acabaram se tornando grandes estruturas, com movimentação volumosa de dinheiro e alguns com altos passivos financeiros e sem administração profissional. Por meio da nova lei, eles podem se tornar empresas gozando do uso de ferramentas como qualquer companhia para captar recursos, inclusive com a venda do clube ao capital estrangeiro. Também terão condições especiais para o pagamento de impostos.
Antes da entrada em vigor da lei que instituiu a sociedade anônima do futebol, já houve a transformação empresarial de alguns clubes brasileiros, caso do Bragantino que se tornou Red Bull Bragantino e está atualmente nas mãos da empresa austríaca Red Bull, e do Cuiabá Esporte Clube, que foi comprado pela família brasileira Dresch, que atua no setor de borrachas. Os times dos dois clubes tiveram rápida ascensão no futebol brasileiro desde que isso ocorreu. Eles, porém, não são caracterizados como sociedades anônimas de futebol porque foram transformados antes dessa possibilidade.
A nova lei prevê que uma sociedade anônima de futebol pode ser constituída tanto por um clube inteiro, apenas por seu departamento de futebol ou que seja criada do zero. Ela também determina como pagamento de imposto 5% da receita nos cinco primeiros anos e 4% nos demais anos, sendo que a taxa só é cobrada sobre venda de jogadores a partir do sexto ano. Hoje os clubes não pagam impostos, mas as taxas que serão aplicadas às SAFs são menores do que as empresas pagam no geral.
“Quando você cria uma sociedade anônima você impõe governança, impõe gestão, impõe regras que permitem que investidores coloquem dinheiro de uma maneira segura”, afirma Clemente. O executivo da KPMG vê como os três grandes benefícios da lei a criação da estrutura legal para atrair investidores, a possibilidade de uso de ferramentas e instrumentos para renegociação de dívidas e do aperfeiçoamento da governança nos clubes esportivos.
Liga profissional
A lei abre a possibilidade de formação de liga profissional, o que Clemente e Trengrouse acreditam que também possa despertar interesse de investimento estrangeiro. A liga negociaria coletivamente para os clubes direitos de transmissão, merchandising, bilheteria, entre outros. “Você vai conseguir fazer o futebol brasileiro crescer três ou quatro vezes mais”, diz Clemente. Trengrouse acredita em crescimento de 330% nas receitas a partir da liga.
Países da Europa como Inglaterra e Alemanha criaram ligas profissionais. “A grande oportunidade que nós temos aqui é de olhar para o futebol brasileiro como algo que tem um grande potencial de crescimento. Entre os dez maiores mercados de futebol do mundo, só o Brasil não tem liga profissional e nem clube-empresa, todos os outros já avançaram nessa direção e deram um grande salto econômico”, diz Trengrouse.
Investimento barato
O cenário propício para a chegada do capital internacional no futebol vai além do arcabouço jurídico trazido pela lei, segundo o executivo da KPMG. Ele percebe também como atrativo esse espaço que o futebol brasileiro tem para avançar. “Tem a questão toda de ter muito o que crescer, do investidor entrar quando o negócio está menor para crescer, qualquer investidor quer isso”, afirma. O dólar valorizado diante do real também torna o investimento no Brasil barato para os estrangeiros.
O advogado Trengrouse percebe ainda outros fatores como favoráveis para a chegada do investimento árabe no futebol, como a aproximação do Brasil com o mundo árabe em setores estratégicos. Ele lembra que o presidente Jair Bolsonaro visitou países árabes e assinou nove acordos comerciais, e que ocorre a Expo 2020 Dubai com presença brasileira. “Abre a possibilidade de que o futebol brasileiro seja considerado no contexto desses grandes investimentos que o País está discutindo com o mundo árabe, a exemplo do que aconteceu na França”, afirma.
O time francês Paris Saint Germain (PSG) foi comprado por uma empresa de investimentos do Catar, a Qatar Sport Investments (QSi), em 2011. Trengrouse afirma que isso aconteceu no contexto de uma parceria estratégica entre os governos do Catar e da França. Outro exemplo é o Abu Dhabi United Group, dos Emirados Árabes Unidos, que adquiriu o Manchester City, na Inglaterra em 2008. Com alta injeção de recursos árabes, as duas equipes cresceram substancialmente e foram para as melhores posições no futebol dos seus países.
A transformação em sociedade anônima de futebol é facultativa aos clubes brasileiros, mas o advogado do TGA acredita que ela passará a ser obrigatória no futuro, como ocorreu em países como Portugal, alguns anos após a adoção da legislação. “Ela traz um indicativo de mudança cultural, ela já aponta na direção de que a sociedade espera que os clubes se organizem melhor, se estruturem melhor profissionalmente e recebam investimento empresarial”, afirma Trengrouse.
KMPG e TGA
A KPMG e o escritório TGA trabalham assessorando interessados em investir na área esportiva no Brasil e o fazem também em parceria. Entre outros títulos e história de trânsito no esporte, Pedro Trengrouse é professor de Direito Esportivo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), vice-presidente da Comissão Especial de Jogos de Esportes, Loterias e Entretenimento da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e atuou nas Nações Unidas como consultor de esportes.
A KMPG Brasil é associada à Câmara Árabe. Francisco Clemente Pinto tem mais de 14 anos na KPMG, dos quais um trabalhou e morou na Arábia Saudita. Além de liderar Mídia e Esportes e estar à frente dos assuntos de Oriente Médio na empresa no Brasil, Clemente é também um dos líderes da Equipe de Reestruturação responsável por atividades como desenvolvimento de negócios, gestão de equipes, reestruturação financeira, entre outros.