São Paulo – “Às vezes, os pais dizem coisas que vão se revelar verdadeiras profecias”, acredita o chef Georges Barakat, nascido em Zgharta, uma aldeia no norte do Líbano, e radicado no Brasil há duas décadas. Quando comunicou à mãe que viria visitar parentes e conhecer o País, ser proprietário do melhor restaurante árabe de cidade, na escolha do júri de ‘Veja Comer & Beber’, em 2021, não era algo com o qual sonhasse, mas dona Jeanette deu a dica: “quem sabe, filho, eu não vou também e a gente abre um restaurante por lá?”.
De um jeito torto, foi mais ou menos isso o que aconteceu, conta o chef, que desde os dez anos, já sabia preparar a própria comida. Durante o curso de Engenharia Mecânica, morou em uma república de estudantes e quando ia passar os fins de semana em casa, chegava com roupas para lavar e saía com marmitas para a semana. Até o dia em que a mãe reclamou do fardo e escalou o rapaz para ajudar nas tarefas culinárias. “Foi ótimo, a gente se aproximou mais, porque cozinhava junto e colocava o assunto em dia. Eu falava das minhas coisas e ela, das dela.” Depois de formado, trabalhando na Arábia Saudita, sempre que sentia falta do tempero da mãe, ligava para casa e pedia uma receita.
Em 2004, quando chegou a São Paulo, Georges foi trabalhar com confecção, na região do Brás, pensando seguir o mesmo caminho de prosperidade encontrado pelos primos. “Mas eu não gostei. Fiquei cinco anos no negócio, pois era o prazo necessário para que minha documentação ficasse em ordem. Ao fechar tudo, pensei: e agora?” Como nada acontece por acaso, dona Eva, proprietária do local onde eles costumavam almoçar, se aposentou e deixou “órfãos” os seus clientes.
Foi nesse momento que a profecia da mãe do chef começou a se delinear. “Perguntei aos meus primos: se eu fizer comida, vocês compram?” Diante da afirmativa, começou a preparar marmitas. No início eram apenas cinco, mas em pouco tempo os pedidos aumentaram e quando passou a fazer vinte entregas diárias achou que precisava melhorar e crescer.
“Voltei para o Líbano e passei três meses estagiando na cozinha da minha mãe, anotando tudo. Eu pesava o que cabia nas xícaras e colheres que ela usava como medida, e transformava em ficha técnica, para ter uniformidade nos preparos”, explica. Ao voltar dessa temporada, dona Jeanette veio com o filho para conhecer o neto Shahiya e a neta Luiza, que nasceram na mesma época, há 12 anos.
O início de tudo
Para começar o Shahiya, em 2012, Georges fez acordo com o dono de um pequeno espaço no Brás: sem contrato, pagava aluguel, mas o combinado era que se o proprietário pedisse, o imóvel precisaria ser devolvido. Quando esse dia chegou, ele foi para um lugar maior, com vinte lugares, e de lá, para outro ainda maior, na chácara Santo Antônio, com 120. “Mas com o início da pandemia e o fim do contrato, resolvemos sair. Foi quando vimos, em Moema, uma pizzaria fechada há mais de ano, e alugamos; em maio começamos uma reforma, e em agosto de 2020, inauguramos.” Georges justifica o plural porque nesse processo ainda tinha um sócio, o empresário Fábio Cavalotti, que se desligou do negócio, sem traumas ou brigas, no início da nova fase.
No ano seguinte à reabertura no bairro novo, o Shahiya foi escolhido como o melhor da sua categoria. “Aqui no Brasil, todos são chamados de árabe, seja marroquino, turco ou egípcio. Acho estranho, pois há mais de 20 culinárias diferentes sob essa denominação. Eu, por exemplo, faço comida libanesa tradicional.” Ele explica que, em alguns poucos pratos, se permitiu colocar um toque pessoal, respeitando as tradições, mas dando uma nova leitura sem abrasileirar os preparos. Exemplos? Seu “faláfel à l’acarajé” é uma mescla das duas versões desse bolinho frito, já que o acarajé tem origem no falafel. Ao tradicional homus, Georges adicionou folhas de manjericão que, na medida certa, mudam a cor e o sabor da pastinha de grão-de-bico. Aos 45 anos sente-se realizado. “Eu não imaginava esse futuro, mas estou feliz de ter descoberto a minha vocação. É isso que quero e amo fazer, é uma paixão.”
Georges é também chef consultor no Esporte Clube Sírio, onde elabora banquetes para os sócios, e conta que seu maior prazer está em ativar a memória afetiva dos convidados. “Me realizo, ganho o dia, ganho tudo quando alguém conta uma lembrança despertada pela minha comida!”
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Reportagem de Paula Medeiros, em colaboração com a ANBA