São Paulo – Emirados Árabes, Arábia Saudita e Omã são apenas alguns dos países que nos últimos meses anunciaram investimentos bilionários em produção de hidrogênio verde. Muitas nações começam a se voltar para a tecnologia que promete ajudar a resolver os desafios energéticos do século 21 porque não emite gases causadores do efeito estufa na atmosfera. Nesse grupo está também o Brasil. Não é só: já existe uma parceria entre o Complexo do Pecém, no Ceará, e o Porto de Sohar, em Omã, para troca de conhecimento sobre a tecnologia.
O hidrogênio como fonte de energia pode ser extraído de diversas formas, como a partir da produção de amônia, por meio do sequestro de gases causadores do efeito estufa e por meio da dissociação, da separação das moléculas de hidrogênio (H2) da molécula de oxigênio (O), formadoras da água. Na foto acima, planta de hidrogênio verde na Europa.
O hidrogênio é considerado verde quando não se utiliza nenhum combustível fóssil na produção nem emite gás carbônico. Geralmente, uma fonte “limpa” como energia solar ou eólica envia a energia produzida para reservatórios de água equipados com um aparelho chamado eletrolisador: esse sistema é responsável por “separar” as moléculas de oxigênio das moléculas de hidrogênio. Obtém-se, então, hidrogênio para ser utilizado como combustível com uma eficiência energética maior do que a gasolina, o gás natural e o carvão, entre outras.
De acordo com o pesquisador colaborador do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético e chefe do Laboratório de Hidrogênio da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Ennio Peres da Silva, o interesse pelo hidrogênio verde está crescendo e o combustível poderá se tornar até uma commodity – produtos cujo valor é determinado pelo mercado global e não pelo produtor – em poucos anos.
Além dos árabes e do Brasil, Alemanha, Austrália, Uruguai, China e Estados Unidos são alguns dos países que têm projetos relacionados ao hidrogênio verde em algum estágio de desenvolvimento e em alguma etapa de produção do combustível. “Cada país tem um interesse ou possibilidade de atuar com essa tecnologia. É um mercado emergente, e aqui no Brasil nós também fizemos um projeto”, diz Silva.
O professor afirma que, embora o tema ganhe cada vez mais força com a demanda crescente por energia limpa, ele não é novo. A tecnologia para separar as moléculas de hidrogênio de outras moléculas começou ainda nos anos 70. Entre os seus precursores estão a Arábia Saudita e o Brasil, que criou o Laboratório de Hidrogênio da Unicamp em decorrência às crises do preço do petróleo dos anos 1970. Altos e baixos nos preços do petróleo, porém, levaram a interrupções e retomadas no desenvolvimento da tecnologia nos anos 1980, 1990, 2000, 2010 e agora.
“Se a ideia não for suspensa novamente, o momento que vivemos agora é a terceira onda do hidrogênio e dela árabes e brasileiros, inclusive na região Nordeste, podem se aproveitar. O que se desenvolver ou produzir no mundo árabe pode vir para cá e vice-versa”, diz Silva. “Mas nos dois casos, os países dependem de fornecedores internacionais”, completa. Essa dependência decorre do fato de que a tecnologia existe, porém ainda está sendo aperfeiçoada. Eletrolisadores são equipamentos caros e produzidos por fornecedores internacionais. Ao mesmo tempo, há o desafio de armazenar o hidrogênio produzido e exportá-lo.
Apesar disso, projetos se desenvolvem em todos os lugares, e no mundo árabe em especial: o Egito planeja investir US$ 4 bilhões na obtenção de hidrogênio verde. A Arábia Saudita, outros US$ 5 bilhões em uma usina de hidrogênio a partir da energia eólica. Abu Dhabi vai alocar US$ 1 bilhão em uma unidade capaz de produzir amônia a partir de hidrogênio verde, ao mesmo tempo em que Omã promete ter a maior unidade geradora de hidrogênio verde do mundo, alimentada por energias solar e eólica.
No Brasil, o Complexo de Pecém, no Ceará, está investindo na construção de um “hub”, um centro de produção e distribuição de hidrogênio verde. Alguns memorandos de entendimento já foram assinados em investimentos que podem somar US$ 10,5 bilhões. De acordo com a diretora comercial do Complexo do Pecém, Duna Uribe, a estimativa é que parte do hub esteja em operação em 2025.
“A ideia de termos no Complexo do Pecém essa cadeia de produção e distribuição se baseia na concepção de termos no HUB de H2V (hidrogênio verde) produtores e distribuidores desse tipo de energia instalados em nosso Complexo e termos inclusive armazenadores, transportadores e consumidores de H2V, tendo como principal público-alvo externo os países que pretendem zerar suas emissões de poluentes oriundos de geração/consumo energético”, afirma Uribe ao citar como exemplos a Alemanha e a Coreia do Sul. Ela também indica que há oportunidades para as empresas locais, “que seriam as indústrias consumidoras de hidrogênio: aço, fertilizantes, cimento, mineração e petroquímica, que já existam ou que se instalarão no Complexo do Pecém”, afirmou.
Sobre a parceria com o Porto de Sohar, Uribe disse: “Fechamos recentemente uma parceria com o Porto de Sohar, localizado em Omã, no Oriente Médio, que também é parceiro comercial do Porto de Rotterdam, assim como o Complexo do Pecém, e nesse termo de cooperação comercial e técnica está previsto o intercâmbio de conhecimentos e o desenvolvimento de tecnologias para Hidrogênio Verde (H2V) e outras energias renováveis”, afirmou.
Competitividade brasileira
O Brasil tem potencial de produzir de “forma competitiva” hidrogênio verde em grande escala, de acordo com o gerente-executivo de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Davi Bomtempo.
“Segundo dados do último Balanço Energético Nacional disponível, 83,0% da oferta interna de energia elétrica no Brasil provêm de fontes renováveis. Por isso, a indústria brasileira tem potencial de produzir hidrogênio verde de forma competitiva, tanto para consumo doméstico quanto para exportação”, afirma Bomtempo. Ele explica que o hidrogênio tem duas formas principais de utilização: para consumo final ou como insumo industrial.
“Como insumo industrial ele serve para a produção de uma gama de produtos. Dentre eles, destaca-se a amônia, uma importantíssima matéria-prima para o agronegócio brasileiro”, exemplifica Bomtempo. “Como energético, as aplicações ainda são limitadas, porém bastante promissoras, sobretudo no que tange ao desenvolvimento de novos produtos relacionados ao setor de transportes e ao armazenamento de energia”, conclui.
De acordo com Silva, há testes para uso do hidrogênio como combustível em caminhões, trens, embarcações e ônibus. A indústria automobilística japonesa vende um modelo de automóvel movido a hidrogênio nos Estados Unidos.
Ainda de acordo com Bomtempo, o Brasil tem enorme potencial exploratório do hidrogênio e a expectativa é que o seu custo caia rapidamente a partir de 2030. Para isso, há uma “lição de casa a ser feita”, com um ambiente regulatório que propicie o investimento: “A CNI acredita que parte desse arcabouço será contemplado no Programa Nacional do Hidrogênio que está em elaboração sob a coordenação do Ministério de Minas e Energia, porém ainda se faz necessário uma maior aproximação entre os atores públicos e privados para que o marco regulatório, de fato, contribua para o desenvolvimento tecnológico e industrial brasileiro”, completa Bomtempo.
Reportagem de Marcos Carrieri, especial para a Anba