Isaura Daniel
São Paulo – O Brasil vai enfrentar mais concorrência nos mercados agrícolas mundiais a partir deste segundo semestre. Os novos membros da União Européia (UE), Chipre, República Checa, Estônia, Hungria, Letônia, Lituânia, Malta, Polônia, Eslováquia e Eslovênia, que se incorporaram ao grupo no início de maio, já estão recebendo do bloco subsídios agrícolas e investimentos para a modernização das zonas rurais.
A Comissão da Agricultura da UE aprovou na terça-feira (20) a liberação de 4,1 bilhões de euros para agricultores da Polônia, Hungria, Eslováquia e Eslovênia. O dinheiro, que será complementado com 1 bilhão de euros dos governos locais, vai ser aplicado até 2006. A Polônia, justamente um dos países com maior potencial agrícola entre os novos integrantes, receberá 68% do valor, cerca de 2,8 bilhões de euros.
"Estes países vão aproveitar os subsídios às exportações para entrar em mercados nos quais o Brasil está, como na Ásia, África e Oriente Médio", diz o técnico da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Eugênio Stefanelo. A Polônia, por exemplo, é forte em centeio, aveia, batata e carnes suínas. O país também produz trigo, frango, milho, beterraba para açúcar, leite e derivados lácteos. Há cerca de 18 milhões de hectares de terras polonesas cultivadas.
De acordo com informações da Delegação da Comissão Européia em Brasília, porém, os produtores rurais dos dez novos países estão recebendo subsídios menores do que os antigos membros. "A Europa não tem como garantir subsídio para todos", diz o gerente de relações internacionais da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Christian Lohbauer.
O orçamento anual da UE para a área agrícola é de 47 bilhões de euros, de acordo com a Delegação, um pouco mais da metade do orçamento total da União, de 96 bilhões de euros.
Investimento
A expectativa dos dez países, porém, é destinar aos seus agricultores, mais adiante, os mesmos valores que os demais integrantes da UE. Isso deve significar, para as demais nações agrícolas do mundo, como o Brasil, 38 milhões de hectares a mais de produção agrícola subsidiada.
A União Européia já sinalizou a intenção de investir na expansão e modernização rural dos novos integrantes. "Nos demais 15 países a área agrícola já chegou ao seu limite. Os novos países têm área para aumentar", lembra Stefanelo.
Dos 3,5 bilhões de euros que a Polônia vai começar a receber ainda este ano para a área agrícola, 726 milhões do governo local e 2,8 bilhões da UE, 243 milhões são voltados à modernização de equipamentos da produção de leite e criação de aves.
Na lista dos recursos, porém, também estão incluídos 705 milhões para complementação de renda dos fazendeiros e 976 mil para garantia do uso contínuo da terra e dos empregos rurais.
Comércio interno
A maior vantagem que os novos membros terão como fornecedores agrícolas deve ser dentro da própria UE, formada hoje por um total de 25 países. "Os países da União Européia vão passar a comprar mais um do outro por questões de frete e logística", diz Stefanelo.
Isso sem falar na redução de tarifas. "Sempre que há alargamento de um espaço regional surgem menos oportunidades de comércio para quem está fora", diz o coordenador do curso de Diplomacia Econômica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad), Mário Presser.
O técnico da Conab lembra, porém, que alguns tipos de produtos, como soja, café, frutos de clima tropical, que os europeus não produzem, continuarão a ser comprados de terceiros. Hoje, os produtos básicos representam metade das exportações brasileiras para a Europa. Dos US$ 11,1 bilhões vendidos pelo país para os europeus entre janeiro e junho deste ano, US$ 5,7 bilhões foram produtos primários.
Política agrícola
A entrada dos dez países deve dificultar também a decisão da União de reduzir seus subsídios agrícolas. "A partir do ano que vem eles terão direito a voto e vão pressionar a União Européia a manter as medidas protecionistas aos agricultores", diz Stefanelo. Uma representante da Embaixada da Polônia afirmou à ANBA que os poloneses são favoráveis a uma reforma total na política agrícola do bloco, mas querem igualdade de condições dentro da União Européia. Em outras palavras, a Polônia abrirá mão dos subsídios se os demais países do grupo também o fizerem.
Mercosul
Na terça-feira (20), representantes da União Européia, reunidos em Bruxelas com técnicos do Mercosul para discutir um acordo comercial entre os dois blocos, apresentaram uma proposta considerada pelos brasileiros um retrocesso nas negociações pela diminuição dos subsídios agrícolas.
A União Européia propôs o estabelecimento de um sistema gradual de cota para as exportações de carne do Mercosul para a região num prazo de dez anos. A proposta foi considerada inaceitável pela diplomacia brasileira, já que, pela cota proposta, as exportações de carne do Mercosul para a região teriam que diminuir de 60 mil toneladas para seis mil no primeiro ano.

