Cairo – Para o secretário geral da Organização da Conferência Islâmica (OCI), Ekmeleddin Ihsanoglu, que acaba de fazer uma visita ao Brasil, o Islã vem sendo confrontado com inúmeros desafios atualmente. Na Europa e em muitos países ocidentais, a discriminação contra muçulmanos começa a adquirir decisões alarmantes e em certos países está a ponto de ser institucionalizada, segundo ele. Ao mesmo tempo, a Islamofobia (repúdio ao Islã) fomenta o avanço do extremismo nos próprios países muçulmanos.
Em entrevista exclusiva concedida à ANBA, Ihsanoglu alerta para os perigos produzidos por este fenômeno, afirmando que, ao mesmo tempo em que os responsáveis nos países ocidentais onde isto acontece têm o dever de conter as correntes extremistas, os países membros da OIC também devem trabalhar para promover um Islã moderno e moderado adaptado à realidade do século 21.
Ihsanoglu também afirma que está feliz com a situação dos muçulmanos no Brasil e em toda a América do Sul, dizendo que a OCI tem um grande interesse em fortalecer seus laços com esta região do mundo. Acompanhe abaixo os principais trechos da entrevista do secretário-geral da
ANBA – Quais são hoje, os principais objetivos da OCI?
Ekmeleddin Ihsanoglu – Devo admitir que neste momento vivemos uma fase importante de nosso trabalho. Pela primeira vez, hoje, notamos que instituições européias e internacionais, como, por exemplo, o Conselho da Europa, a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa, o Conselho Britânico e acadêmicos de várias partes do mundo ocidental estão sendo capazes de reconhecer a existência da Islamofobia.
Há 5 anos, quando assumi este cargo, era difícil abordar com eles esta questão. Tentavam fazer de conta que o fenômeno não existia. Mas hoje as coisas parecem estar mudando um pouco. Os representantes de instituições de extrema importância no mundo ocidental estão se associando a nós, em nossas preocupações com a seriedade da situação e a propagação de um fenômeno que se traduz claramente pelo aumento das manifestações de antagonismo e discriminação contra os muçulmanos, sobretudo em regiões como a Europa.
Muitos hoje estão preocupados com o uso de grupos de extrema direita, de um discurso contra os muçulmanos que tem, claramente, objetivos políticos. Devo dizer que na OCI trabalhamos muito para que os responsáveis no Ocidente fossem sensibilizados pela existência desta ameaça.
Mas muitos acreditam que este fenômeno não é recente. E o que faz concretamente a OCI para lidar com esta questão?
Acredito que as novas manifestações de Islamofobia no Ocidente são mais difíceis de tratar do que as antigas. Estas haviam ocorreram através das caricaturas lamentáveis e pouco civilizadas contra o nosso profeta. Elas também representaram uma maneira de propagar estereótipos contra os muçulmanos.
Mas hoje estamos numa situação que considero mais perigosa do que a crise provocada pelas caricaturas. Isto está ocorrendo em países (Suíça) que pretendem proibir a construção de minaretes. Isto quer dizer que a partir de agora pretende-se, através de emendas constitucionais, limitar o espaço de liberdade de exercício de religiões, o que constitui um direito fundamental do ser humano.
Desde que esta iniciativa foi lançada, estamos sendo confrontados com uma propaganda chocante. Imagens que comparam minaretes a foguetes ou muçulmanos com terroristas.
Por outro lado, como a OCI está trabalhando para combater os extremismos que existem, também no campo dos muçulmanos?
Nós devemos tomar consciência que os extremismos se encontram em todas as partes. Ao mesmo tempo em que sofremos em conseqüência dos atos de nossos extremistas, sofremos pelos atos dos extremistas do outro lado. A proibição da construção de minaretes é um ato que só reforça as certezas daqueles que, do nosso lado, têm uma visão antagonista em relação ao Ocidente.
Mas falando dos extremistas de nossa região do mundo, devo dizer que quando se expressam, o fazem em seu próprio nome e de mais ninguém. Não representam o mundo muçulmano pois não foi concedido a eles o mandato de falar em nome do Islã. O mundo muçulmano tem suas próprias instituições. A OCI é uma organização que representa 57 países e é porta-voz de um bilhão e meio de muçulmanos e é certamente a principal destas instituições. Mas temos também, a Universidade de Al Azhar Al Sherif que é a mais prestigiosa das instituições do mundo muçulmano e que possui uma herança de mais de mil anos fornecendo ensinamentos sobre o Islã. Também na OCI temos a Academia Internacional do Fikh ou da Jurisprudência. Portanto no que diz respeito à OCI, são seus membros os encarregados de falar em nome do Islã.
O senhor esteve recentemente no Brasil, durante o 3º Fórum da Aliança de Civilizações, organizado pela ONU e pelo governo brasileiro. E na América do Sul não há este tipo de manifestação de discriminação contra qualquer religião. Como o senhor vê a vida das comunidades muçulmanas nesta região do mundo?
Devo dizer que o que vi no Brasil me impressionou. As palavras do presidente Lula (Luiz Inácio Lula da Silva), quando ele falou da diversidade existente no Brasil e a capacidade das comunidades de viver em harmonia, foi um exemplo importante ao mundo. Também me impressionaram as palavras da presidente da Argentina, Cristina Kitchner, quando ela mencionou as culturas e religiões indígenas do seu país. Também me tocou o que disse o presidente da Bolívia, Evo Morales, quando este denunciou, com grande clareza, as práticas coloniais contra as comunidades indígenas de seu país.
É evidente que o continente latino-americano cada vez mais se apresenta no cenário mundial como uma região de grande importância. E muitos destes países são hoje considerados como potências emergentes. O Brasil é um deles. Este país é a 10º maior economia do planeta e durante o seu mandato, o presidente Lula conseguiu estabelecer pontes que ligam o Brasil a diferentes grupos e comunidades em muitas partes do mundo.
E também abordei, com o ministro Amorim (chanceler brasileiro Celso Amorim), o interesse de seu país em reforçar as relações com a OCI e de trabalhar em proximidade com a nossa instituição. Estamos muito satisfeitos com esta perspectiva pois realmente admiramos o desenvolvimento que vem ocorrendo no continente sul-americano e especialmente no Brasil. E não podemos esquecer que há uma comunidade muçulmana vivendo nesta região, e estamos empenhados em reforçar a nossa comunicação e apoio a elas.
Há alguma estratégia sendo elaborada pela OCI para se apresentar o Islã como uma religião moderna e adaptada às realidades do século 21?
Durante a cúpula extraordinária (da OCI) que ocorreu em Meca (na Arábia Saudita) em 2005, o principal assunto de nossa agenda foi como responder aos desafios do século 21. Durante este encontro, resoluções importantes foram adotadas e a principal dentre elas foi um programa de ação de 10 anos. Neste documento, adotamos uma infinidade de projetos e programas de ação em várias áreas: política, social, econômica, comercial, de ciência e tecnologia, promoção dos direitos humanos, dos direitos das mulheres e o reforço de seu papel nas nossas sociedades. Estamos, neste momento, a ponto de estabelecer um Conselho para os Direitos Humanos. Acabamos também de adotar o estabelecimento de uma Organização Internacional da Mulher no Cairo. Portanto, todos estes programas podem, para nós, serem resumidos em dois objetivos principais: o de promover a idéia de moderação e de modernidade no Islã.