São Paulo – Internacionalização é um objetivo para algumas empresas, uma consequência para outras e um sonho para muitas outras. Todas, porém, podem chegar lá. Para tal, é preciso investimento de longo prazo, estudar os mercados em que se pretende atuar, montar uma equipe especializada em comércio internacional, ter profissionais que falem outros idiomas além do português e, principalmente: é preciso ter paciência, pois os resultados chegam no longo prazo.
De acordo com a professora e pesquisadora do Núcleo de Estratégia e Negócios Internacionais da Fundação Dom Cabral (FDC), Lívia Barakat, diversos podem ser os resultados que uma companhia obtém ao se colocar na vitrine do mundo, mas nem sempre esses resultados se convertem exclusivamente em renda.
“Em primeiro lugar, [a empresa] ganha em capacitação da sua equipe para atuar globalmente. Eu colocaria o desenvolvimento de talentos como um ponto fundamental”, diz. “Um segundo ponto é a diversificação de riscos. Ela [a empresa] fica menos vulnerável a um mercado só. Muitas empresas se internacionalizam para reduzir a dependência do mercado doméstico. Um outro ponto é inovação. Ao se internacionalizar, ela é forçada a desenvolver produtos e serviços de alto nível para poder competir globalmente com os ‘tops’ que estão lá fora”, afirma. Outros resultados deste investimento são os ganhos em moeda estrangeira e acesso a financiamentos e capacitação oferecidos especificamente a companhias que atuam no exterior.
A 16ª edição do estudo Trajetória FDC de Internacionalização das Empresas Brasileiras, divulgado pela instituição em setembro, entrevistou 237 companhias brasileiras que são internacionalizadas ou estão em processo de internacionalização. Desse total, 50,4% das companhias são médias empresas (com faturamento anual entre R$ 4,8 milhões e R$ 300 milhões, segundo classificação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), mais da metade tem matriz no Sudeste e 40% no estado de São Paulo. Os Estados Unidos foram o primeiro destino da internacionalização de 16% delas, seguidos por Argentina, Paraguai, Uruguai e Portugal.
Ainda com base nas 237 empresas pesquisadas, 75% começaram seu processo de internacionalização por meio de exportações (na imagem acima), que correspondem a 85,7% da modalidade de internacionalização, seguida por subsidiária comercial (19,6%), subsidiária produtiva (13,9%) e presença virtual (11,7%).
Consultora de Comércio Internacional da BMJ Consultores Associados, Monica Rodriguez afirma que internacionalização compreende diversas modalidades de relacionamento de uma companhia com o exterior. Entre elas estão a importação e exportação de produtos, franquias, lojas, investimento direto e indireto, fabricação de produtos e prestação de serviços em outros países. Ela afirma que o Brasil tem pouco mais de 500 de empresas internacionalizadas e que a perspectiva é de aumento mesmo diante dos desafios geopolíticos globais.
Lívia afirma que o processo de internacionalização demanda uma ampla pesquisa da empresa e que, geralmente, as companhias começam por países que são próximos ao Brasil ou que compartilham algumas semelhanças. Isso não significa que destinos distantes não possam ser o primeiro mercado global de uma empresa brasileira. Mas é sempre preciso estudar o mercado e as regulações do país em que se pretende atuar e é necessário conhecer detalhes que nem sempre são captados por pesquisas.
Monica, por sua vez, afirma que atuar em mercados internacionais é um desafio para as empresas. “A internacionalização tem suas vantagens e desvantagens que precisam ser avaliadas pela liderança para estabelecer o melhor planejamento para mitigar os riscos da empreitada”, diz.
As vantagens da internacionalização, para além da redução da dependência do mercado doméstico, são, segundo Monica: alcançar novos mercados, possibilidade de criar uma marca global, diluição dos riscos, modernização da empresa, atualização tecnológica, redução de carga tributária, investimento e faturamento em moeda estrangeira, maior valor de marca, maior competitividade, elevação do nível de gestão.
O tempo para que a companhia obtenha os primeiros lucros desse investimento varia de acordo com a empresa, o setor, o planejamento realizado, mas, segundo Livia, há estudos que indicam que o prazo para esse retorno é de cinco anos. “Empresas mais bem-sucedidas são aquelas que se planejam para o processo e entendem que os resultados virão, mas talvez numa velocidade menor do que eles veem no mercado doméstico”, diz Livia.
A pesquisadora afirma que o processo de internacionalização tem mudado no decorrer dos anos. Antes, diz ela, as companhias esperavam consolidar sua atuação no mercado nacional, tornar-se líderes, para, então, investir no exterior em um processo que demorava 20 anos . Agora, o tempo médio de internacionalização é de oito anos e as empresas não esperam mais a liderança do mercado nacional chegar para fazerem seus primeiros movimentos em outros países. Ela observa também que a forma de “sair” do Brasil também tem mudado.
“Nos últimos anos, as empresas têm acompanhado formas alternativas de se internacionalizar. Vemos um crescimento muito grande do e-commerce, que pode ser caracterizado como exportação, mas tem capilaridade grande porque usa o meio virtual, então vimos empresas que vendem para fora apoiadas no marketplace. Empresas que atuam com aplicativos, com equipes multilocalizadas sem ter um escritório. Pode contratar pessoas em outro país e essa pessoa trabalha de home office. A pandemia quebrou seus paradigmas de trabalho”, diz Lívia.
Objetivo: atuar no exterior
A Vitta Gold Cosmetics surgiu com o propósito de atuar fora do Brasil. Os proprietários, Lucas Mendes e Cecilia Araujo, eram sócios de outras empresas e decidiram criar a Vitta Gold já com foco no mercado externo. Por este motivo, os processos da empresa foram desenvolvidos com um olhar para fora do Brasil: rótulos, comunicação, marketing, procedimentos operacionais. Tudo foi pensado no mercado externo.
Esse “olhar” ajudou a empresa a cortar caminhos no processo de internacionalização, mas, mesmo assim, atuar fora do país demandou investimentos e a adaptação e atendimento às regras regulatórias específicas de cada país. Ainda hoje, diz Mendes, atender aos processos regulatórios e de certificação e encontrar mão de obra qualificada são os principais desafios para a atuação internacional da Vitta Gold.
“Um dos principais investimentos foi, e continua sendo, em montar uma equipe de qualidade. No comercial, profissionais multilíngues, com experiência em vendas B2B complexas; no marketing, precisamos ter uma equipe versátil que consiga comunicar bem com diferentes culturas e contextos históricos; em operações, precisamos de pessoas com experiência em comércio exterior, registros internacionais, financeiro com operações cambiais e etc.”, afirma Mendes.
A empresa exporta para 73 países em todos os continentes e conta com operação própria por meio de escritórios ou estoque local nos Estados Unidos, Canadá, Índia, países europeus e Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. “A internacionalização nos deixa na fronteira do conhecimento do nosso setor, pois temos acesso diário a tendências em diversos países, o que nos dá uma visão ampla do mercado. Nosso faturamento hoje é quase completamente internacional e o fato de estarmos em muitos países também nos ajuda a mitigar riscos, já que crises em alguns mercados podem ser compensadas por bons momentos em outros”, diz Mendes.