São Paulo – O professor doutor Leonardo Tonus é um acadêmico, escritor e poeta que em meio aos estudos em literatura encontrou na questão migratória um tema ao qual acabaria se dedicando por muitos anos, até hoje. Há 20 anos ele atua como professor na Sorbonne, em Paris, estudando e ensinando sobre a produção literária lusófona, principalmente a brasileira e a de imigrantes de diferentes nacionalidades ao Brasil – há uma grande produção literária da comunidade sírio-libanesa em português -, e sobre a produção literária francesa, incluindo autores de países árabes do Norte da África. Ele faz a ponte entre esses fluxos migratórios em suas aulas, palestras, livros e projetos.
Nascido na cidade de São Paulo, Tonus viveu até os 21 anos em São Bernardo do Campo. Com formação eclética, ele iniciou os estudos em Música, Composição e Regência na Universidade Estadual Paulista (Unesp). Foi para a França em 1988, onde cursou Letras em Francês, Estudos Germânicos, e desde o final da graduação se interessa pelas questões de deslocamentos territoriais e pela questão migratória.
“Como eu fiz uma formação em Literatura Comparada, sempre fui voltado a estudar outras literaturas que não só as nacionais. E claro, estando na França e tendo uma presença muito forte dessa literatura, muitas vezes de expressão francesa ou árabe produzida no espaço do Maghreb (como é conhecida a região de países árabes do Norte da África que inclui Argélia, Líbia, Marrocos, Mauritânia e Tunísia), desde então sempre fui um grande leitor dessa literatura”, disse Tonus em entrevista à ANBA.
Depois, ele se dedicou aos Estudos Lusófonos, trabalhando com literatura lusófona brasileira em primeiro lugar, mas também de outros países de língua. “Tentei fazer essa relação de como o Brasil, sendo esse espaço de acolhimento de várias nações, nacionalidades e culturas, também pensou sua relação com o mundo árabe, e daí vem toda minha pesquisa sobre autores de origem árabe produzindo literatura brasileira, como é o caso do Milton Hatoum, Raduan Nassar e Marcelo Maluf”, disse.
No início desses vinte anos de pesquisa, o brasileiro descendente de italianos fez uma recapitulação de tudo que já havia sido produzido em torno da questão das migrâncias. “No século 19 surge essa personagem na nossa literatura, quando o imigrante começa a ser debatido no espaço público, e inicialmente eu tentei fazer catálogos realmente, levantamentos, de que forma ele é debatido, em função de cada origem”, contou.
Então ele criou uma lista de autores da literatura, tanto dos migrantes quanto dos povos originários, porque os primeiros textos redigidos por pessoas oriundas do processo migratório no Brasil, segundo ele, só vão aparecer por volta dos anos 1950. “É necessária uma inserção desses imigrantes nesse tecido social e econômico; havia também a necessidade do aprendizado da própria língua do país de acolhimento e do estabelecimento de uma rede de contatos para que eles pudessem ser publicados e lidos por outras pessoas que não fossem das suas próprias origens”, explicou.
O trabalho de levantamento primeiramente se debruçou sobre como os autores brasileiros retratavam os imigrantes nos seus livros, e em um segundo momento, como os escritores oriundos do processo migratório começaram a surgir dentro do espaço literário dando esse passo da sua língua natal para a língua de acolhimento, no caso, a portuguesa.
“No caso dos árabes, toda essa literatura Mahjar inicialmente é escrita em árabe. Ela é produzida em vários jornais que circulavam sobretudo por São Paulo, e era legitimada por associações que foram criadas, mas ficavam muito restritas dentro de um espaço estrangeiro que o público brasileiro não tinha acesso. Então eu comecei fazendo um levantamento por origem, italianos, japoneses, árabes, chineses, coreanos, tudo que havia sobre cada comunidade”, disse o pesquisador.
Ao longo da pesquisa, Tonus leu muito sobre o processo migratório e identificou que havia estudos esparsos, sobre um autor ou uma comunidade, mas nenhum fazia uma relação entre essas diversas comunidades. “Eu acho que talvez isso tenha sido algo que eu tenha trazido para dentro dessa discussão sobre o processo migratório. Que muitas vezes a imagem representada, a imagem estereotipada, não diz [respeito] só necessariamente a uma comunidade, mas ao conjunto de várias comunidades. Isso diz muito de como nós brasileiros somos em relação ao estrangeiro”, contou.
Os primeiros estrangeiros representados na literatura brasileira são sobretudo ingleses e portugueses, segundo Tonus. Depois surgem os japoneses, os árabes, os italianos. “O que eu quero dizer é que muitas vezes os estudos se aprofundavam em uma etnia e não faziam esse diálogo com outras culturas para entender, por exemplo, o porquê do estereótipo. Então o que eu trago na minha pesquisa é um estudo por vezes pontual em relação a algumas culturas, – a cultura árabe representada na cultura brasileira, a cultura japonesa – mas ao mesmo tempo, venho trazer um diálogo desse processo de representação, e como muitas vezes há elementos comuns que dizem muito do que nós somos enquanto brasileiros, de como nós vemos esses imigrantes”, continuou.
Tonus apontou que, analisando toda a representação dos imigrantes até o Modernismo, em muitos casos os imigrantes eram elementos ligados ao riso, ao risível. “Eles eram ridicularizados. Por exemplo, em O Cortiço (Aluísio Azevedo, 1890), o português João Romão era ridicularizado, em uma perspectiva naturalista. Depois aparece nos jornais no início dos anos 1910, 1920, o árabe ridicularizado, o japonês ridicularizado”, disse.
Ele lembra que encontrou um antigo jornal de sátira política de São Paulo chamado Diario do Abax’o Piques. “Para fazer a sátira, muitas vezes o jornal se utilizava de personagens estrangeiros, como árabes e japoneses, para discutir a política local. Então, assim, o porquê disso? Aí você vê que na verdade o estrangeiro é sempre o elemento do risível, mas é aquele que permite um distanciamento para você falar de si próprio, para falar das questões brasileiras, e isso tem uma longa tradição na literatura”, explicou.
Tonus enfatiza que é interessante estudar os fluxos migratórios por comunidades, mas que é importante também estabelecer esses diálogos e pontos em comum. “Se pegarmos a literatura mais contemporânea, acontecem, por exemplo, diálogos sobre questões de herança cultural. O que traz o [Marcelo] Maluf em A Imensidão Íntima dos Carneiros? Ele não traz somente o relato de migrantes árabes para o Brasil, mas uma questão essencial da nossa contemporaneidade que é trabalhada em outros textos, que é a herança traumática de um processo migratório. Nesse sentido, Maluf está dialogando com outros autores como Adriana Lisboa, por exemplo, que em outros livros vai falar de emigrantes brasileiros nos Estados Unidos, mas que também vai refletir sobre essa questão de uma transmissão traumática do processo migratório”, disse.
Desde o início de seus estudos, o pesquisador tentou criar uma visão mais amplificada do processo migratório para entender como autores árabes, japoneses, italianos e outros dialogam entre si para debater essas questões, quer seja sobre o racismo, sobre a representação estereotipada, sobre a questão da permanência traumática do processo imigratório nas gerações futuras, ou até sobre o que ele chama de “constituição de utopias”.
“Um exemplo sobre essas utopias foi o trabalho que eu realizei sobre Milton Hatoum e o Relato de um certo Oriente. Ele publica em 1989. Curioso, né, por que 1989? Se a gente pensar, ele está publicando em pleno processo de volta à democracia no Brasil. E as pessoas muito mais leem aquele livro como sendo sobre a experiência imigratória. Esse livro não é só sobre experiência imigratória, mas é um livro que fala sobre o tempo, sobretudo”.
“Há várias figuras do tempo que vêm pontuar o livro. Tem o relógio, que atravessa toda a história, tem uma tartaruga, que simboliza o tempo, tem a imagem de um cometa que simboliza o tempo, então o livro faz uma reflexão muito mais profunda que é sobre o tempo. Que é o tempo da atualidade. Que é o tempo do processo de transição democrática, e um tempo de construção de um novo País, de um projeto civilizatório. É o que ele traz por dentro”, explicou.
Tonus menciona que outros livros publicados naquele mesmo período [da redemocratização] e que tratam da questão imigratória também trazem essa reflexão sobre o tempo atual do Brasil. “[Retratam] o fim de um momento da ditadura, mas sobretudo um projeto para um novo tempo do Brasil que há de vir”, disse.
Em sua tese de livre docência, que defendeu em 2016, Tonus estabelece um diálogo entre ‘Relato de um certo Oriente’ (1989), de Milton Hatoum, ‘A República dos sonhos’ (1984), de Nélida Piñon, (sobre a imigração galega para o Brasil), e um livro pouco conhecido de um autor brasileiro de origem dinamarquesa chamado Per Johns, que se chama ‘As Aves de Cassandra’ (1990), e que também traz, a partir da perspectiva de imigrantes dinamarqueses, essa nova projeção de construção de um Brasil.
“Eu não me limito somente a uma comunidade, mas vejo como as comunidades de expatriados dentro de um período histórico estão dialogando entre si sobre questões contemporâneas, sobre questões da atualidade. Claro, tem algumas especificidades. No caso do Milton Hatoum, há ali todo um manancial cultural da cultura árabe, que ele traz até nessa perspectiva de se criar um consenso. No livro dele tem um personagem de origem [cristã] maronita e um personagem muçulmano, o que causa aparentemente um embate, mas que a partir de imagens, do seu percurso, estabelecem ali a visão de um consenso que seria então na minha interpretação um consenso para a reconstrução de um país saindo de um processo ditatorial”, disse Tonus.
O primeiro autor a colocar o imigrante árabe como personagem principal na literatura brasileira foi Raduan Nassar, com Lavoura Arcaica (1975). “O livro dele traz essa questão da memória traumática do processo migratório, que depois vai ser retomada com [Marcelo] Maluf. Mas eu diria que Lavoura Arcaica é um dos primeiros livros que traz o migrante como personagem principal, sobretudo de um livro que tem grande difusão para o Brasil todo e que aí traz esse imaginário para o mundo brasileiro”, disse. Ele mencionou que além dos já citados, aparecem outros autores de origem árabe, como Alberto Mussa, com O Enigma de Qaf (2004).
Tonus, que não tem ascendência árabe, vê que como brasileiros sentimos uma proximidade muito maior com o mundo árabe do que com outras comunidades de imigrantes. “Não tenho necessariamente um vínculo específico com a cultura árabe, mas é claro que trabalhando com imigração, o mundo árabe toma um protagonismo dentro das minhas pesquisas. Além disso, o fluxo migratório árabe no Brasil também se sobressai quantitativamente em termos de produção literária”, analisou.
Mundo árabe e a academia
Leonardo Tonus leciona Civilização e Literatura Brasileira na Universidade Sorbonne, no departamento de Estudos Lusófonos, para graduação e pós-graduação. As aulas são em francês e português. “O mundo árabe faz parte da minha estrutura acadêmica e curricular já há muitos anos. No curso de Civilização do Brasil há toda uma parte relacionada com os processos migratórios, então eu trago a questão da migração árabe para o Brasil, e não só do século 19, início do século 20, mas também dessa imigração mais atual, relacionada com uma situação mais trágica dos fluxos decorrentes da guerra na Síria, e como artistas brasileiros têm repensado essa questão do fluxo e desse drama humanitário que é a questão dos refugiados”, disse. Ele contou que, durante muitos anos, ‘Relato de um certo Oriente’ e ‘Dois Irmãos’, de Milton Hatoum, fizeram parte de sua grade curricular na universidade.
Outro vínculo com o mundo árabe em suas aulas, segundo o professor, é a presença de muitos estudantes de origem marroquina, tunisiana e egípcia em seu curso. “Acho interessante tentar estabelecer esse vínculo triangular entre esses mundos, não mais o vínculo triangular da escravidão, mas um vínculo de fluxos culturais entre os países. E é curioso porque muitos estudantes que vêm do universo marroquino falam que se sentem próximos do Brasil. Parece que temos as mesmas preocupações, as mesmas interrogações, e a literatura tem tratado muito isso”, contou.
Textos do filósofo tunisiano Albert Memmi também estão presentes nas aulas de Tonus. “‘Retrato de um Colonizado’ e ‘Retrato de um Colonizador’ são textos críticos sobre o processo da descolonização no Maghreb, então eu gosto de trazer para a sala de aula porque permite você pensar a questão da colonização do mundo árabe, mas também permite pensarmos como espaços de colonização e como a gente tem repensado essa questão do colonial dentro da estrutura. Eu acho que é um pensador fundamental, para que estudantes brasileiros tomem conhecimento desse pesquisador e que os estudantes originários do Maghreb possam estabelecer essa relação”, afirma.
Tonus já visitou três países árabes, os Emirados Árabes, a Tunísia e o Marrocos. Em 2017, ele começou a organizar a antologia em árabe de autores brasileiros que o levou a Abu Dhabi, Da Terra de Migração para a Terra Natal (Min al mahjar ila al watan), uma colaboração com a Revista Pessoa e o Departamento de Cultura e Turismo de Abu Dhabi, dos Emirados Árabes Unidos (Editora Kalima, 2019). O projeto da antologia teve a parceria da Câmara de Comércio Árabe Brasileira. “Essa viagem para o mundo árabe me levou a me apaixonar ainda mais por esse universo e tentar então estabelecer esses vínculos entre as nossas culturas”, disse.
Além de vasto currículo acadêmico, Leonardo Tonus organizou sete livros e antologias de ficção, e escreveu três livros de ficção, “Diários em mar aberto” (Edições Folhas de Relva, 2021), “Inquietação em tempos de insônia” (Editora Nós, 2019) e “Agora vai ser assim” (Editora Nós, 2018).
Ele pretende retomar o Projeto Migra ainda este ano ou em 2023. O projeto foi realizado durante a pandemia pelas redes sociais e reuniu artistas de diversos países em encontros virtuais. “Deve voltar de forma híbrida, com a presença cada vez mais forte de artistas do mundo árabe, de processos migratórios ou não, com a perspectiva de incluir o Maghreb, o Marrocos, o Canadá também por conta de grandes autores que tenho encontrado, como a Nora Attala, canadense de origem egípcia, excelente poeta, e claro, para o próximo Projeto Migra haverá, com certeza, a participação de autores da Arábia Saudita”, disse. A ideia é estabelecer diálogos em encontros em torno de temáticas não só da literatura, mas de artes plásticas, gastronomia, política, questões sociais e humanitárias.
Primeiros contatos
Em junho, Tonus participou de dois importantes eventos literários árabes. O professor, autor e poeta falou em uma conferência no Salão Internacional da Edição e do Livro (SIEL) em Rabat, no Marrocos, e foi o primeiro brasileiro a se apresentar no Festival Internacional de Poesia de Sidi Bou Saïd, na Tunísia.
Na participação como convidado da Embaixada do Brasil para o SIEL, no Marrocos, Tonus proferiu palestra sobre as relações entre o mundo árabe e o Brasil do ponto de vista cultural. Ele focou nos encontros a partir do século 19, vinculados sobretudo ao Maghreb, contando primeiro sobre a viagem de Dom Pedro II ao Egito, Palestina, Líbano, Síria, e o território onde atualmente fica o Sudão.
“Ele vai não como imperador, mas como indivíduo, com seu próprio patrimônio, nessa perspectiva de descoberta do mundo oriente, se inscrevendo um pouco aqui naquelas viagens orientalistas que os grandes intelectuais faziam na época, mas talvez com um diferencial, que talvez não houvesse por parte dele esse olhar sobranceiro, esse olhar muitas vezes do colonizador em relação a esses espaços”, disse.
Tonus contou que Dom Pedro II foi aos países árabes como um grande curioso e que isso acabou abrindo portas, inicialmente para um primeiro contato entre o Oriente e o Brasil e para a vinda de migrantes libaneses ao Brasil. “E o que eu chamo da criação de um imaginário do Brasil enquanto país de acolhimento para essas populações da Palestina, do Líbano e da Síria que chegam ali no final do século 19 e sobretudo por volta de 1913 e 1915, que é o grande auge da crise econômica e social da região do Líbano”, disse.
Em um segundo momento, Tonus falou sobre os pintores brasileiros e sua visão orientalista. “O próprio Pedro Américo [de Figueiredo e Melo], que estando em Paris acabou fazendo uma viagem para a região da Tunísia e do Marrocos a pedido do governo francês, acabou reproduzindo em alguns quadros um pouco essa visão orientalista do Delacroix, esse aspecto de um oriente como sendo fonte de uma civilização ainda protegida, que é um pouco esse sonho orientalista do século 19 dos pintores.
Segundo o acadêmico, essa visão tem a ver com um grande imaginário que se constrói em torno do oriente. “São vistos como países de viagem exótica, muitas vezes com a erotização da mulher oriental, da mulher árabe, ou como espaço que preserva uma cultura não atingida pela civilização”, disse.
É o que se vê em alguns quadros de Pedro Américo e de Dario Villares Barbosa, outro pintor brasileiro, pouco conhecido, que viajou para o Marrocos no início do século 20. “É um pintor ainda acadêmico, mas as temáticas que ele trabalha, como a moura, a marroquina, a mulher do Tanger, trazem esse olhar um pouco exotizante”, disse.
Ainda sobre as artes plásticas, Tonus informa que o mundo árabe fica ausente do movimento modernista. “Tem um quadro por exemplo da Anita Malfatti, o único quadro dela que retrata o mundo oriental, na verdade é um estudo, uma cópia, que ela faz do [Eugène] Delacroix, das ‘Mulheres de Argel em seu aposento’ (Delacroix, 1834 – Malfatti, 1928). Então esse mundo oriental permanece, ele não penetra na era do nosso modernismo brasileiro. Mas é interessante ver que há uma primeira aproximação dos pintores”, contextualiza.
Ele afirma que sua preocupação na palestra foi trazer esses primeiros contatos que podem ter trilhado os caminhos posteriores para a nossa relação cultural entre o Brasil e o mundo árabe.
Do ponto de vista da literatura, esses caminhos, segundo Tonus, foram trilhados pela presença de intelectuais de origem libanesa no Brasil. “O primeiro se chama Fawzi al-Maluf, e o outro Chafic Maluf, da mesma família de Amin Maluf. São escritores imigrantes libaneses que chegaram no Brasil, e por volta do início do século 1920 vão fundar academias literárias com pessoas oriundas do Oriente Médio, tentando estabelecer o reconhecimento do que a gente chama de literatura Mahjar, que é essa literatura de emigração libanesa como uma literatura inovante, voltada pra preocupações estéticas do modernismo”, contou, comparando ao movimento de Khalil Gibran nos Estados Unidos.
“Então nessa palestra tentei dar um pouco dessa perspectiva, como se formam os primeiros contatos, para depois chegar com os autores brasileiros e como estes têm repensado essa herança cultural, têm apresentado personagens árabes em seus livros, ou têm refletido sobre essa presença árabe oriunda do processo migratório”, disse, mencionando os mascates de Jorge Amado até a literatura voltada às questões de migração, com Raduan Nassar, Milton Hatoum e Marcelo Maluf.
Já no festival de poesia na Tunísia, Tonus disse que a experiência foi completamente diferente. “Vivi poeticamente durante quatro dias, foi uma experiência fascinante”, disse. Ele ressalta que o que achou mais interessante foi a participação de poetas lendo poesia em espaços públicos, para quem ali estivesse.
“A leitura se fazia tanto em língua original como em língua estrangeira, muita poesia lida em árabe sem tradução, e o que é interessante com a poesia é que você não precisa necessariamente conhecer a língua pra ser atingido pela força da poesia. A musicalidade por si própria traz um bem-estar que acho que estamos precisando cada vez mais e que a poesia tem essa força, mesmo”, avaliou.
A Arábia Saudita foi o país convidado do evento, e Tonus disse que conheceu diversos autores do país árabe. “Fiquei muito surpreso com a poesia da Arábia Saudita, que eu não conhecia. Traduzida para o francês, esses textos trazem uma literatura que eu desconheço totalmente. Me vi lendo sobre história da Arábia Saudita, porque eu não conheço nada daquele lugar, para poder entrar naquele universo poético. Faz você deslocar o seu eixo de referenciais por completo. As poesias traziam mitologias pré-islâmicas que vão além dos jinns e uma visão pré-islâmica a qual nós não temos praticamente acesso a não ser que você seja um especialista no mundo árabe, mas um leitor comum não tem”, disse.
Tonus se diz um apaixonado pelo mundo árabe. “O meu vínculo [com o mundo árabe] é de paixão por uma cultura que eu desconheço, por uma produção artística de grande valor não só em termos de ancestralidade, mas dessa contemporaneidade. A produção artística no mundo árabe é muito fértil, a produção literária é muito fértil (…), então a minha relação é de paixão, sempre a partir de um olhar crítico, de pesquisador, tentando estabelecer essas relações possíveis e não só ficando restritamente vinculado a uma comunidade cultural”, concluiu.