São Paulo – O embaixador Qais Shqair, chefe da Missão da Liga dos Estados Árabes no Brasil, está encerrando suas atividades no posto, após sete anos – ele assumiu a função em 15 de novembro de 2018. Em entrevista à ANBA, ao se despedir do cargo e citar iniciativas realizadas neste tempo para fortalecer os laços de amizade e cooperação dos países árabes com o Brasil, o diplomata diz perceber que esse relacionamento tem florescido consistentemente nos domínios econômico, cultural, acadêmico e social.
O embaixador cita a política externa brasileira como um dos facilitadores disso. “A política externa brasileira, reconhecida por seu compromisso inabalável com o direito internacional, pela adesão aos princípios consagrados na Carta das Nações Unidas e por um legado exemplar de engajamento regional e global, tem facilitado significativamente os esforços da diplomacia árabe no fomento de uma cooperação robusta entre o Brasil e o mundo árabe. Essa conquista é ainda reforçada pelo compromisso compartilhado com o diálogo baseado em princípios, o multilateralismo e a resolução pacífica de conflitos”, afirma.

Shqair deixa o cargo percebendo as boas perspectivas do relacionamento. “Olhando para o futuro, as perspectivas para as relações entre o Brasil e o mundo árabe são bastante promissoras. Esse crescente ímpeto é vividamente ilustrado por tendência cada vez maior de visitas bilaterais de alto nível”, diz, citando a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a países árabes no início de 2024, que culminou com discurso histórico no Conselho da Liga Árabe em 15 de fevereiro. “Representa um marco crucial nessas relações”, diz. Segundo ele, igualmente significativa foi a participação da Liga Árabe, pela 1ª vez, na Cúpula do G20, no Rio de Janeiro em novembro de 2023, liderada pelo secretário-geral da organização, Ahmed Aboul Gheit.
“A ambição primordial agora é forjar uma estrutura estratégica que transcenda a distância geográfica, elevando as trocas comerciais convencionais a parcerias abrangentes e multifacetadas”, diz, sobre o futuro. Shqair defende criar zonas industriais em portos do Mediterrâneo com investimento árabe-latino-americano. “Essas zonas são concebidas como centros logísticos e de investimento fundamentais, conectando perfeitamente a região árabe com a América Latina por meio de investimentos conjuntos e empreendimentos transfronteiriços, fomentando, assim, uma aliança econômica robusta e dinâmica.”
Na entrevista respondida por escrito para a ANBA, o embaixador Qais Shqair afirma que tomou posse do cargo em um momento particularmente sensível e sem precedentes desde o estabelecimento da Missão da Liga no Rio de Janeiro, em 1958. “O período de transição com a Liga dos Estados Árabes exigiu um compromisso renovado com o engajamento e a interação com as instituições brasileiras, a comunidade diplomática, a mídia e a dinâmica diáspora árabe dispersa por todo o País”, relata o embaixador.

Sobre o período à frente da Missão da Liga Árabe no Brasil, ele lembra as várias atividades, como o acolhimento pela missão de sessões ordinárias e extraordinárias do Conselho dos Embaixadores Árabes acreditados no Brasil e a participação no Fórum Econômico Brasil-Países Árabes, organizado pela Câmara de Comércio Árabe Brasileira, e no Global Halal Brazil Business Forum, este promovido pela instituição em parceria com a Fambras Halal Certificadora em 2021, 2023 e em outubro deste ano.
“O engajamento direto com a sociedade brasileira provou ser um dos meios de comunicação mais eficazes”, disse, citando a publicação de vários artigos em veículos de comunicação influentes e diálogo constante com instituições da sociedade civil. Com a mídia e embaixadores árabes foram promovidos simpósios abertos e cafés da manhã de trabalho. “Esses encontros proporcionaram uma plataforma de prestígio para um diálogo franco e esclarecedor, catalisando oportunidades para fortalecer ainda mais os laços entre o mundo árabe e o Brasil”, afirma Shqair. O diplomata também destaca a contribuição do Conselho dos Embaixadores Árabes no Brasil para a promoção do incremento da relação dos países árabes com o Brasil.
Em abril deste ano, a Liga dos Estados Árabes celebrou 80 anos de fundação. Na ocasião, a Missão no Brasil realizou uma recepção em comemoração à data, que incluiu uma exposição fotográfica remontando aos primeiros momentos da Liga Árabe no Brasil e América Latina, ainda na década de 1950. Segundo o embaixador, a Liga dos Estados Árabes é a mais antiga organização regional e internacional do mundo.
Shqair percebe que a dimensão cultural da parceria árabe-brasileira também é um pilar do relacionamento. “Essa relação remonta à visita do Imperador Dom Pedro II ao Egito, Síria e Palestina no século XIX, acompanhado por acadêmicos e técnicos cujas contribuições enriqueceram profundamente o ambiente intelectual e cultural do Brasil”, afirma. O diplomata lembra que, na esteira desse momento histórico, sucessivas gerações de imigrantes árabes vieram ao Brasil. “Teceram fios vibrantes na tapeçaria social diversa e dinâmica do Brasil, moldando sua identidade multicultural”, afirma.
Cultura, Literatura, Letras
Homem também do mundo das letras e da cultura, o embaixador acredita que a herança compartilhada exige uma colaboração cultural e midiática mais profunda, impulsionada por iniciativas sinérgicas dos setores público e privado do mundo árabe e do Brasil. Sqhair conta que durante seu período no Brasil, ele explorou a literatura do País e ficou impressionado com o espírito cosmopolita de escritores eminentes como Jorge Amado, cujas obras, segundo ele, refletem a abertura do Brasil às culturas do mundo, principalmente à europeia, e especialmente à francesa, preservando, ao mesmo tempo, uma autêntica identidade brasileira. “Essa identidade, uma síntese vibrante forjada pela confluência de influências indígenas, africanas e de imigrantes dos continentes europeu e asiático, encapsula a essência do singular mosaico cultural do Brasil”, diz.
A esposa do diplomata, Shatha Jarrar, também é uma personalidade das letras e da cultura. “Minha esposa, Dra. Shatha Jarrar, professora assistente de Língua Árabe, uniu-se a mim na tarefa de engajar-se com a academia brasileira, lecionando árabe voluntariamente na Universidade de Brasília (UnB) por três semestres consecutivos”, conta. O embaixador afirma que ele e sua família foram profundamente tocados pelo calor, generosidade e camaradagem do povo brasileiro. “Ao nos prepararmos com a despedida desta nação extraordinária, com seus 26 estados, a serena elegância de sua capital, Brasília, e suas inúmeras cidades esplêndidas, levamos conosco uma gratidão eterna pelas profundas conexões feitas durante nosso tempo aqui”, afirma.
Antes de atuar no Brasil, Shqair foi diplomata de carreira no Ministério das Relações Exteriores da Jordânia e serviu nas embaixadas desse país em Atenas, Ancara, Roma, Mascate e Cairo. Nesta semana, Qais Shqair, foi homenageado em jantar de despedida promovido pelo Conselho dos Embaixadores Árabes no Brasil, na capital federal. Entre outras autoridades e convidados, o encontro teve a presença do diretor do Departamento de Oriente Médio do Itamaraty, Clélio Nivaldo Crippa Filho, e do secretário-geral e vice-presidente de Relações Internacionais da Câmara Árabe, Mohamad Orra Mourad.


