São Paulo – Um livro organizado por três estudiosos brasileiros traz a perspectiva dos países em desenvolvimento sobre o sistema de solução de controvérsias da Organização Mundial do Comércio (OMC). A obra “The WTO Dispute Settlement Mechanism – A Developing Country Perspective” foi lançada em maio deste ano, em inglês, pela Editora Springer, da Suíça, mas o assunto tratado ganhou destaque mundial nos últimos dias em função da paralisação do Órgão de Apelação do organismo por causa do esvaziamento do seu quadro de juízes.
O Órgão de Apelação contará apenas com um juiz e o mínimo para funcionar é três. Os Estados Unidos vêm bloqueando a nomeação de substitutos e impedindo a liberação de recursos para pagar os árbitros a partir de 2020. Em entrevistas à imprensa, o diretor-geral da OMC, Roberto Azevêdo, afirmou que a paralisação não impedirá o sistema de resolução de conflitos de funcionar, o que poderá ser feito por outros mecanismos, como consultas, painéis e arbitragem. O Órgão de Apelação funciona como uma espécie de última instância dos processos.
O livro traz a visão do que é a resolução de conflitos na OMC, chamada de Sistema de Solução de Controvérsias, com seus aspectos jurídicos, políticos e econômicos. Uma das organizadoras da obra é a brasileira Luciana M. de Oliveira Sá Pires, que vive nos Emirados Árabes Unidos. Ela é consultora em direito do comércio internacional, Ph.D. e pós-doutora em direito internacional pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).
O livro foi planejado em 2015, por ocasião do 20º aniversário da Organização Mundial do Comércio, e reúne textos de 33 autores e autoras, a maioria especialistas brasileiros e, entre eles, diplomatas e grandes autoridades no tema do comércio internacional. Além de Luciana, organizaram a obra Alberto do Amaral Júnior, professor associado do Departamento de Direito Internacional da Faculdade de Direito da USP, e Cristiane Lucena Carneiro, professora assistente do Instituto de Relações Internacionais da USP.
Luciana conta que cursava o programa de pós-doutorado na USP, sob a supervisão de Amaral, e havia sido aceita como pesquisadora visitante do Instituto de Altos Estudos de Genebra, quando resolveram fazer o livro. “Iniciamos o trabalho, Professor Alberto e eu, e no ano seguinte convidamos a Professora Cristiane Lucena para integrar o projeto e conferir seu olhar e experiência como cientista política”, disse Luciana à ANBA por e-mail. Eles convidaram autores para uma análise sistêmica dos principais temas do Sistema de Solução de Controvérsias.
A obra tem 24 capítulos divididos em três seções. Uma delas trata justamente sobre as questões processuais e as consequências das interpretações do Órgão de Apelação, no que se refere à jurisprudência da OMC. Luciana lembra que o Órgão de Apelação tem sofrido redução no número de membros desde 2017. “A realidade atual afeta sobremaneira o funcionamento do sistema e preocupa, sobretudo, os países em desenvolvimento”, diz.
O livro tem prefácio de Roberto Azevêdo, no qual ele dá uma visão sintetizada sobre a relevância do mecanismo de solução de controvérsias da OMC, na promoção de uma estrutura robusta e fundada em regras para as relações comerciais globais. Há o capítulo da mestre em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da USP, Jacqueline Spolador Lopes, na qual ela afirma, entre outras coisas, que os países em desenvolvimento podem se valer de um sistema de solução de controvérsias orientado em regras para alavancar o poder de barganha nas negociações, uma vez que eles enfrentam diferenças nas disputas pela falta de poder econômico.
O diplomata Celso de Tarso Pereira, ministro conselheiro na embaixada do Brasil em Pequim, na China, analisou o envolvimento do Brasil no Sistema de Solução de Controvérsias. O doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina, Welber Barral, e a fundadora da rede Women Inside Trade, Renata Vargas Amaral, questionaram sobre qual é a maneira mais significativa e eficaz para países em desenvolvimento resolverem disputas, se a legal – e mais onerosa – ou a política. Esses são só alguns dos autores e dos temas abordados.
Os estudos apontam que o mecanismo de solução de controvérsias na OMC é eficaz e que há espaço e vontade, sobretudo por parte dos países em desenvolvimento, para o seu aperfeiçoamento. Segundo a obra, o sistema da OMC é um modelo de sucesso entre os sistemas internacionais de solução de controvérsias. “Os autores têm em comum um olhar para a OMC sob o ponto de vista de um país em desenvolvimento”, explica Luciana, lembrando que a maioria foi educada em país em desenvolvimento, conquistou espaço na academia, setor privado e governo, após estudos de pós-graduação em instituições prestigiadas voltadas ao direito na OMC na Europa e EUA.
O livro pode ser comprado nos sites da Springer, da Amazon e da livraria da OMC em Genebra, em livrarias com acervo especializado em direito internacional e áreas correlatas, ou com a editora em eventos direcionados a esse público. Um lançamento do livro deverá ser feito em Abu Dhabi no começo de 2020. Luciana se mudou para os Emirados em 2007 para acompanhar o marido em trabalho no país e se divide entre trabalhos no Brasil, Europa e Emirados. Em agosto ela concluiu período como acadêmica visitante na New York University Abu Dhabi.