São Paulo – A logística mundial enfrenta dificuldades em função do coronavírus, mas se adaptou rapidamente à nova realidade para manter o abastecimento, principalmente de alimentos, equipamentos de proteção individual e produtos farmacêuticos, aos países. O setor também está usando mais os mecanismos digitais para funcionar. Essa é a percepção de especialistas da área, do Brasil e do exterior, que falaram nesta quarta-feira (22) em webinar internacional promovido pela Câmara de Comércio Árabe Brasileira.
“Quando falamos do transporte de commodities, a boa notícia é que a adaptação ocorreu rapidamente. Muitos países já trabalharam na adaptação de seus portos e sistemas, incluindo transporte ferroviário ou rodoviário. Eles se adaptaram rapidamente e esse é o grande desafio e prioridade agora”, afirmou a decana da Faculdade de Transporte e Logística Internacional da Academia Árabe de Ciência, Tecnologia e Transporte Marítimo (AASTMT), Sara Hassan Kamal Elgazzar (foto acima), que falou desde o Egito.
No seminário, o foco dos debates foi o transporte de cargas voltado ao comércio internacional. O transporte de passageiros foi totalmente afetado pela pandemia do coronavírus em função do fechamento das fronteiras e da restrição da circulação das pessoas pelos países para conter a disseminação do vírus, o que foi mencionado pelos palestrantes no webinar.
“O transporte é o primeiro que sente o impacto, mas ele não para, tanto que agora é tido como atividade essencial no combate dessa crise, principalmente o transporte de alimentos, produtos de higiene, de medicação e de produtos hospitalares”, disse a coordenadora de desenvolvimento de transportes da Confederação Nacional do Transporte (CNT), Fernanda Rezende.
Segundo Rezende, pesquisa da CNT mostra que o transporte rodoviário de cargas do Brasil sentiu queda de 43% na demanda em março, em função de setores como shopping centers, indústrias, linha branca e automobilística, mas a atividade portuária, ligada ao comércio internacional, não sentiu muito a crise ainda. “A gente está no meio da exportação da safra brasileira”, disse a coordenadora.
Ela relata que as empresas do setor portuário conservaram a demanda e tiveram crescimento por conta do agronegócio, mas estimam redução nos próximos 60 dias. Entre as mudanças causadas nos portos pela pandemia, Rezende citou uma pequena crise dos contêineres, que ficaram retidos em alguns portos pelo mundo e acabaram limitando a exportação, os controles de acesso nos portos, com medição de temperatura e medidas para proteger os trabalhadores, e a proibição da troca de tripulação dos navios.
Segundo os palestrantes, a crise, no entanto, trouxe um legado, que é a aceleração do uso de ferramentas digitais no comércio e na logística. Elgazzar lembrou que o mundo já vivia, antes do coronavírus, transformações macroeconômicas gigantes, como a quarta revolução industrial e suas aplicações, como blockchain e e-commerce. “O coronavírus acelerou e adicionou pressão a isso”, disse.
Rezende falou que mecanismos remotos e mais inteligentes já estavam sendo desenvolvidos, mas seu uso foi acelerado. Ela citou a digitalização de trâmites aduaneiros, a criação de novas plataformas digitais e o utilização do blockchain na cadeia de suprimentos, principalmente na navegação. “A crise impulsionou muito a utilização das plataformas digitais na relação comercial”, afirmou.
O gerente da TradeLens na Maersk Line, Nicolas Buhmann, relatou no webinar os fortes impactos que a pandemia trouxe para o transporte marítimo, mas lembrou também as oportunidades, principalmente a digitalização dos processos. O TradeLens é uma plataforma digital para troca de documentos entre os participantes cadeia de suprimentos, como transporte, portos e autoridades aduaneiras. Segundo ele, essa plataforma está sendo implementada atualmente junto às aduanas jordanianas.
Buhmann afirmou que, no atual cenário da pandemia do coronavírus, muitos contêineres chegam nos portos, mas não podem ser transportados para dentro dos países por falta de documentos. “Os governos estão se esforçando bastante e investindo uma grande energia para digitalizar alguns dos seus processos”, afirmou o executivo. Segundo Buhmann, a pandemia fez com que os países se focassem mais nisso. Ele disse que está, inclusive, em conversas com a Câmara Árabe para a digitalização dos documentação para o comércio do Brasil com os países árabes. “Tudo isso vai nos permitir sair mais fortes dessa crise”, disse, sobre a digitalização.
O vice-presidente de Desenvolvimento de Produtos e Negócios da Emirates SkyCargo, Dennis Lister, dos Emirados Árabes Unidos, contou no webinar sobre a adaptação das operações da Emirates a esse período de crise. A companhia passou a utilizar seus aviões de transporte de passageiros para as cargas essenciais ao enfrentamento da pandemia, como de equipamentos de proteção individual, produtos farmacêuticos e alimentos. “A Emirates está extremamente ocupada”, afirmou Lister.
Segundo o executivo, essas cargas estão sendo levadas para 60 destinos no mundo, com 50 a 60 toneladas por avião. Ele relatou que o Brasil recebeu 1,5 milhão de kits de testes para o coronavírus vindos da China por meio da Emirates. A companhia também voou para o Brasil para a repatriação de pessoas nesta semana, e que essa atividade – a repatriação – tem estado nas operações da empresa.
Também falaram no webinar o coordenador de licenciamento e despachos da cooperativa Aurora, Eduardo Lima, que lançou seus questionamentos sobre o transporte marítimo. A Aurora é uma das grandes produtoras de proteína animal no Brasil. Ademir Bazzotti, diretor da marroquina OCP Fertilizantes no Brasil, também falou no seminário online, e contou sobre a situação que vivencia a empresa, que é fornecedora de fertilizantes e de fosfato para ração animal ao mercado brasileiro.
“Temos a responsabilidade de continuar a nossa operação, para que a cadeia de alimentos seja abastecida”, disse Bazzotti no webinar. O Brasil não é autossuficiente na produção de fertilizantes e depende de importar grande parte do adubo que coloca em suas lavouras para produzir alimentos. O diretor conta que neste cenário da pandemia, a empresa mantém 100% das suas operações, e adotou ações como o trabalho remoto dos funcionários, quando possível. Os escritórios no Brasil estão em home-office.
O webinar foi aberto e conduzido pelo presidente da Câmara Árabe, Rubens Hannun, com a participação do secretário-geral, Tamer Mansour. Hannun explicou que a escolha do tema do seminário foi feita em função do entendimento de que a logística é essencial para o abastecimento mundial. O Brasil é importante fornecedor de alimentos dos países árabes, que, em função das suas condições climáticas, não produzem o necessário para o consumo interno.
“Os países produtores, e o Brasil, que é um dos maiores produtores, têm um dever social de não deixar faltar alimentos, principalmente quando existe uma crise, um problema qualquer, aos seus principais parceiros. Esses países parceiros têm que ter a certeza de que, nesses momentos difíceis, os alimentos vão chegar”, disse Hannun. O primeiro webinar promovido pela Câmara Árabe ocorreu no dia 08 de abril e foi sobre o abastecimento de alimentos. O evento online teve participação da ministra da Agricultura, Tereza Cristina, e do secretário-geral da União das Câmaras Árabes, Khaled Hanafy.