São Paulo – Há 25 anos, o carioca Alessandro Stein Gonçalves (foto acima) se dedica a tirar som de peças que ele mesmo desenvolve. O ofício de luthier começou quando ele se fascinou pela sonoridade do cajón, de origem afro-latino-americana, e decidiu fazer seu próprio instrumento de percussão. Antes, Gonçalves estudava música flamenca, paixão que herdou da avó. Com a soma das duas paixões, descobriu os instrumentos árabes que, hoje, ele mesmo constrói.
“Minha ponte com instrumentos médio orientais foi através da arte flamenca. Minha avó é de Almeria [na Espanha], uma das oito províncias mouras da Andaluzia. Foi natural o interesse pela cultura árabe, que é ancestral [nessa região]”, contou Alejo, apelido pelo qual o luthier é conhecido.
Com conhecimentos em marcenaria, ele passou a fazer e refazer modelos do cajón. De maneira autodidata criou outras peças, inclusive árabes. Comercializadas pelo site de sua marca, a AG Percusión, estão as tablas, ou tambores árabes. O derbak é um dos mais conhecidos e, em 2019, pelo menos um exemplar foi vendido por mês, exclusivamente pelo site. O instrumento feito pelo brasileiro é o que ele descreve como contemporâneo, popular a partir dos anos 1970.
Mas reconstruir peças originárias de regiões com climas tão distintos do vivenciado no Rio de Janeiro exigiu anos de testes. “O derbak feito aqui tem que soar da mesma forma do que aquele que é feito no Oriente Médio. O grande desafio é produzir esse instrumento clássico em um país tropical, em uma cidade úmida como o Rio de Janeiro”, destacou ele à ANBA.
Recriando sonoridades
Em 2007, o artesão começou a fazer derbaks de alumínio e pele de acetato, mas o custo elevado fez com que em 2013 ele suspendesse a produção. Hoje, Alejo segue com pesquisas de derbaks em outros materiais como casco [corpo do instrumento] e sistema de afinação em madeira e pele sintética, e tem em produção peças com casco de cerâmica. Quem também ganhou espaço no ateliê dele foi a darbuka, tambor de origem persa e utilizado em países como o Egito e Turquia, feito com pele de caprino e casco de argila cozida no próprio espaço.
Os instrumentos, explica o luthier, são da mesma ‘família’. E os tamanhos, materiais e nomes podem variar de acordo com cada país. “Esse caráter artesanal precisa de diferenciação, por isso detalho os nomes dos modelos. Liberdade não é desvirtuar, mas é também participar e construir”, explica.
Em seu autodidatismo, o profissional refaz os caminhos na produção, mas mantém o lema “Pensar a respeito e com respeito” à tradição que cada instrumento carrega. “As pessoas estão cada vez mais procurando esses instrumentos. Recentemente, um músico árabe de renome em São Paulo comprou, e você ter uma pessoa que é árabe comprando seu instrumento é uma coisa fantástica. Para mim é uma honra. Demorou para isso acontecer, mas o tempo acaba chegando”, contou.
Para esse tempo chegar, Alejo passou por um longo processo de estudo, analisando diversas variáveis para então, combiná-las. “Qual a melhor argila para fazer o casco de um instrumento criado no Oriente Médio? E a espessura desse casco? Qual a temperatura de cozimento dessa argila? É muito mais transpiração do que inspiração”, detalha o luthier.
No caso do derbak, ele encontrou na pele do tambor uma resposta para chegar ao som oriental. “Eu criei uma forma de empachamento [encaixe da pele no corpo do tambor] onde o ponto zero para a modulação do som é bem acima [do que nos tradicionais]. Criei uma engenhoca para medir isso. Acredito que mesmo lá no Oriente Médio o instrumento vá se comportar bem, porque se em um país tropical ele tem o timbre da música árabe, terá essa qualidade lá também”, explica.
Hoje, o profissional trabalha sozinho e vem se dedicando a fazer com que o trabalho valha a pena comercialmente. “Me basear em um instrumento ou dois é muito pouco. Na pesquisa, já passei quatro horas olhando um parafuso. Mas quando você soluciona isso, uma vez chegado a um padrão, a produção no ateliê não fica dedicada a um violino ou um violão, e sim a uma linha inteira daquele instrumento”, concluiu Alejo.