São Paulo – Simone Yunes cresceu com seus avós paternos, Wady Yunes e Hendy Yunes, que gostava mesmo era de ser chamada de Dona Ida. A atual gerente adjunta no CineSesc foi uma das fundadoras da Mostra Mundo Árabe de Cinema e herdou dos avós suas origens e influências libanesas. “Meu avô veio do Líbano com 16 anos, e a família da minha avó também era do Líbano. Fui criada e fiquei a maior parte da minha vida com eles. Eu tinha uma ligação muito grande com meu avô, tanto que nunca quis mudar meu nome quando casei. E nos meus filhos, dei um jeito de inverter o sobrenome para ficar com o ‘Yunes’ do meu avô também”, contou ela.
O convívio fez com que ela criasse gosto pela culinária libanesa. “Minha comida preferida é árabe, folha de uva se eu pudesse comeria todos os dias. E eu cozinho bastante comida árabe. Já meu avô adorava arroz com feijão”, lembra ela, que só lamenta não ter aprendido a falar o idioma. “Uma pena, mas não teve esse hábito [de falar o árabe] em casa”, disse.
Da família, ela também recebeu a percepção de uma ancestralidade acolhedora. “Em relação à cultura árabe, eu vim de uma família onde, particularmente, meu avô era uma pessoa muito doce. Meu pai sempre foi um homem extremamente feminista, ele colocou meu nome por causa da Simone de Beauvoir. Vim de uma família que tinha muito carinho e cuidado pela cultura. Meu lugar na cultura árabe vem desse afeto, respeito pela mulher. Gostaria que quando alguém pensasse em árabes, que fique sempre nesse lugar”, lembrou.
O cinema
Formada em Relações Públicas, Yunes fez especialização em História da Arte. No início de sua carreira, ela lecionou em escolas infantis, mas logo em 1996 ingressou no Serviço Social do Comércio (Sesc). “Fiquei quatro anos no Sesc Pompeia, depois vim para cá [CineSesc] em 2000 e acabei ficando direto com cinema”, revela.
Já no CineSesc, Yunes recebeu Soraya Smaili para uma reunião que daria origem à Mostra Mundo Árabe de Cinema. “No começo, não tinha curador e nós viajávamos e tínhamos foco maior de assistir filme árabe, pesquisar e tive envolvimento grande na curadoria por anos. Depois, entrou o Geraldo [Campos], que tinha uma curadoria bem interessante e hoje é o Arthur Jafet. Tenho uma lembrança de muito carinho [pela trajetória do evento], porque começou sem apoio e só com a vontade”, lembra.
Neste ano, a mostra chegou a sua 17ª edição e retornou ao modelo presencial que havia sido interrompido no início da quarentena em 2020. Na pandemia o evento aconteceu apenas em formato virtual. “É muito importante pensar no lugar do cinema árabe como uma cultura tão antiga e importante. Tem a questão do feminino e trazer diretoras. A mostra começou com duas mulheres. Aí está a importância de pensar essa pluralidade, e mesmo a questão da Palestina que para nós e tão cara, em todas as questões envolvidas”, destacou.
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Apesar de ser pensada para exibições na telona, o formato online possibilitou que mais pessoas tivessem acesso aos filmes árabes. “Para nós foi uma grata surpresa a procura e o interesse. Muitos cinéfilos que conhecem a mostra desde o começo também tinham interesse em ver. Isso faz com que entre na agenda cultura mesmo”, afirmou a gerente do CineSesc.
Yunes explica que a equipe busca incluir filmes também ligados ao mundo árabe na programação do cinema ao longo do ano. “Pensamos nessa periodicidade, para criar um olhar [da produção árabe] para além da mostra. Somos uma equipe basicamente só de mulheres, nada contra os homens, mas nesse momento acho que tem sido um alento. Não temos um projeto de cada uma, é coletivo. Todo mundo se une. A ideia é que sempre tenha um olhar nosso na curadoria”, explicou ela.
Planos
O dia a dia de trabalho da profissional e equipe inclui pesquisar e acompanhar festivais e lançamentos, para atualizar a programação do Sesc tanto em salas de cinema, quanto no digital e em projetos internos. E é esse ofício que ela pretende seguir exercendo. “Quero continuar no CineSesc. Às vezes, quando reflito sobre isso, vou na cabine de projeção e penso ‘meu lugar é aqui e está tudo ótimo’. Também temos planos de mostras que gostaríamos de fazer”, diz.
A brasileira gostaria de conhecer um país árabe. “Quero ainda conhecer o Líbano”, revela. Entre outras aspirações, Yunes mantém como um desejo central. “Meu maior plano é tentar que o País continue vivendo um futuro de democracia. Estou muito preocupada enquanto mulher e pessoa que trabalha com cultura. Durante a ditadura, tive um primo preso. Então, nesse momento, estou muito mexida com relação a tudo isso. Tenho um filho de 19 anos que entrou na faculdade agora e outro pequeno e gostaria que eles tivessem o futuro de um País melhor”, declarou.