Minha família veio para o Brasil em 1967, como refugiada. Eram do vilarejo de Al Janiah, que fica na região de Ramallah, da Cisjordânia. Meus pais e quatro irmãos – três irmãs e um irmão – nasceram na Palestina e vieram para cá. Eu nasci depois, em 1973, no Rio Grande do Sul e estou em São Paulo desde 2002. Somos da geração de refugiados da Guerra de 1967, fazemos parte dos seis milhões de palestinos que estão fora da Palestina.
Tem muito esse questionamento: “Ah, mas não é mais refugiado porque nasceu no Brasil”. Hoje são 12 milhões de palestinos, metade nasceu na Palestina e metade nasceu fora, então até a gente retornar, nossos filhos, nossos netos, somos todos refugiados.
O meu pai, como a maioria dos árabes que vieram para cá, começou a trabalhar como mascate. Ele foi para o Rio Grande do Sul, na fronteira com o Uruguai. Na época muitos palestinos foram para Chuí, Santana do Livramento e Uruguaiana. Meu pai foi para Chuí porque era uma oportunidade que todo mundo tinha de trabalhar, era um comércio que funcionava, então os árabes iam atrás e um puxava o outro. Ele ficou um período lá e saiu quando a fronteira perdeu força.
Eu morei seis anos no Oriente Médio. Fiquei um ano na Palestina, nove meses ilegal, sem visto. Tive que sair para a Jordânia e fiquei até 2002, quando voltei para o Brasil.
Desde 2011 sou impedido de entrar na Palestina. Para entrar lá, é preciso passar pela fronteira de Israel e eu fui barrado, após doze horas esperando. Eu não chego mais na Palestina.
Quando vou para lá, vou para a Jordânia e vejo a Palestina com os olhos, pela fronteira, mas não alcanço mais. Isso é bem complicado. Estive agora em janeiro, na Jordânia. Fui até o mar Morto e vi o pôr do sol na Palestina.
Aí acabei vindo para São Paulo, já com a intenção de me articular com algumas pessoas para organizar o movimento Palestina da Esquerda. As lideranças palestinas estavam enfraquecidas depois dos acordos de Oslo [acordos assinados entre Israel e a Palestina na década de 1990]. Em 2007 a gente organizou o Movimento Palestina para Todos, junto com outros companheiros. Desde a volta, milito dentro dos comitês de apoio, movimentos sociais, partidos de esquerda e organizações que pautam a questão palestina. A gente fez várias atividades, sempre que tem uma questão política mais ativa acontecendo a gente se mobiliza, temos essa consciência de mobilização. Estamos permanentemente fazendo atividades, palestras, indo a lugares em que abrem as portas para a gente falar sobre a questão palestina.
E tem a questão do apoio a chegada dos refugiados palestinos que vieram do Iraque em 2008 e agora mais recentemente o pessoal que vem da Síria.
É um apoio para tentar mesmo trazer para a luta e de acolhida, porque o pessoal chega sem saber o idioma, sem saber quase nada do país. Tem pretensão política, sim, que é eles contarem a sua própria história, trazer a questão palestina em pauta
A gente já fez vários atos, sempre estamos presentes onde precisa. Mas tem uma coisa que tentamos fortalecer: a campanha de BDS, Boicote dos Investimentos e Sanções contra Israel. Queremos identificar os produtos israelenses que estão aqui e pedir apoio ao boicote, seja boicote a produtos de consumo final, seja o boicote acadêmico, cultural. Até que acabe a ocupação [de Israel no território palestino]. É uma forma da gente pautar o que está acontecendo na Palestina para as pessoas terem conhecimento.
Eu tinha pretensão de abrir um bar, pois trabalhei na produção de cerveja artesanal em São Paulo, em 2012 ou 2013.
Eu também tinha essa relação com vários setores da esquerda, então a ideia era abrir um bar e fazer um debate político. Eu estava na época na ocupação Leila Khaled e aluguei um espaço aqui no centro de São Paulo. Aí fui chamando o pessoal [da ocupação] para trabalhar e foi crescendo, precisando de mais gente…
Hoje estamos em torno de 20 pessoas. São sete brasileiros e o resto refugiados: temos um cubano, um argelino e o restante a maioria é palestino ou palestina.
Começou no centro em janeiro de 2016, ficamos um ano naquele espaço e mudamos em janeiro de 2017 [para um espaço maior, na rua Rui Barbosa, também próximo ao centro]. O espaço está aberto para reunião de coletivos, organizações. A gente sempre reserva um espaço para isso. Aqui também tem curso de língua árabe dado por um professor sírio, formado em Idiomas na Universidade de Damasco, tem aula de tambor africano, dança africana, alguns cursos de filosofia, vai ter um curso agora sobre História do Oriente Médio, mais extenso.
Estamos tentando também dar fôlego ao Cineclube de filmes árabes no quintal, que queremos fazer de forma permanente, pelo menos uma vez por semana. Mas somos um bar, é um espaço que está dentro do sistema capitalista, pagamos aluguel e temos vários problemas, como todo mundo. A gente tenta só ser um lugar mais ameno para trabalhar, oferecer uma flexibilidade maior.
O Al Janiah, apesar de ser um bar palestino, então um bar com funcionários árabes, proprietário árabe, tem a culinária árabe, tem muita presença africana. Toda quarta-feira, por exemplo, temos o palco aberto para grupos estrangeiros que é organizado por um cantor do Congo.
Sinto um pouco a falta da presença árabe aqui dentro, ele não é muito frequentado por árabes.
Não estamos no circuito mais tradicional da comida árabe, então conseguimos manter um preço bem abaixo dos outros lugares. Estamos abertos a todos, inclusive é uma das propostas, ficamos muito felizes com a presença africana bem forte, é uma das coisas que mais nos dá alegria, mas a gente sente que a comunidade árabe não chega aqui. Uma pena, porque tem um processo que defendemos de formar a questão politica árabe, porque muito do que acontece no Oriente Médio é parte de desinformação e falta da gente ter unidade política. A gente queria que a comunidade árabe estivesse mais aqui e propusesse debates, uma presença maior.
Serviço
Al Janiah
Aberto de terça a sábado a partir das 18:30
R. Rui Barbosa, 269 – Bela Vista, São Paulo
Mais informações: https://www.facebook.com/aljaniah01/