Cláudia Abreu
São Paulo – Janela e tijolo viram mesa. Porta vira armário. Batente vira banco. Na Artmorfose, em São Paulo, tudo se transforma. Nada se perde. A empresa fabrica móveis com material que sobra da demolição de casas antigas. Aproveita madeira e tijolos de construções – que foram postas a baixo – e cria peças rústicas que lembram as fazendas do Brasil Colônia. “São móveis originais e ecologicamente corretos. Não derrubamos árvores, mas sim reaproveitamos materiais autênticos, disponíveis para fazer nossas peças”, afirma Maura Spiellmann, dona da Artmorfose.
O resultado enche os olhos de compradores que buscam adquirir objetos personalizados: os móveis são únicos. “Nunca uma peça será igual a outra, mesmo se a madeira usada for da mesma variedade, o produto final sempre será diferente. A tonalidade, as marcas do tempo e as tintas que foram usadas na madeira, quando ela foi pintada pela primeira ou segunda vez, é que dão personalidade ao móvel", explica Maura. Essa última característica, a empresária chama de pátina natural.
Tanta originalidade chamou a atenção de diplomatas brasileiros que buscavam pequenas empresas com produtos diferenciados para exporem na Europa. "Recebemos um convite para realizar mostras nas embaixadas do Brasil em Paris, na França, e em Haia, na Holanda", conta Maura. As exposições foram realizadas, respectivamente, em outubro e dezembro do ano passado. "A receptividade foi boa, um importador francês, que trabalha no mercado de decoração de lá, comprou seis peças", diz Maura.
A próxima empreitada é o mercado português. No mês que vem, a Artmorfose vai expor em Cascais, 25 quilômetros de Lisboa. Segundo Maura, a intenção da empresa é conseguir representantes no exterior. "A idéia é firmar parcerias com pessoas que conheçam bem o mercado local e ofereçam suporte pré e pós-venda aos clientes, expliquem como são feitos os móveis e a questão da sustentabilidade da produção do mobiliário", diz.
Segundo Maura, a Artmorfose tem capacidade para enviar dois contêineres por mês ao exterior. São cerca de 100 mesas e 50 armários e cristaleiras. O prazo para a entrega é de cerca de 90 dias. Os preços dos produtos variam, os mais trabalhados – portanto mais caros – custam entre R$ 5,5 mil e R$ 7,4 mil.
Fabricação
O processo de fabricação não é nada simples. A matéria-prima tem de ser escolhida a dedo e é preciso destreza para selecionar as casas. Por isso, Maura mantém uma espécie de "olheiro" em Minas Gerais. Ele procura de mansões e fazendas antigas, mas também não descarta os casebres, "que podem ter muita madeira boa". Quando surge uma oportunidade, a Artmorfose compra a casa inteira. Os preços variam. Um casebre, por exemplo, pode custar cerca de R$ 8 mil. Maura também consegue comprar construções no Espírito Santo, Bahia e Santa Catarina.
Casa comprada, entra em cena o pessoal que retira o material. São peões treinados para isso, tomam o cuidado para não quebrar tijolos – que são usados em móveis como mesas de centro – nem rachar madeiras. O passo seguinte é a marcenaria. Outra fase nada simples. Para selecionar os artesãos, Maura levou um tempo. Tentou com profissionais de São Paulo, mas não conseguiu o resultado esperado. Acabou fechando contrato com artesãos mineiros. "A madeira de demolição tem suas particularidades. Nem todo mundo sabe trabalhar com ela", explica.
Uma das particularidades da madeira é o que dá charme às peças da Artmorfose: as marcas do tempo cravadas no mobiliário. É comum uma mesa de madeira de lei ter nuances de outras tintas – verde, creme, vermelha. Isso significa que, antes de ser mesa, ela era uma porta ou janela que foi pintada várias vezes. "Nós optamos por deixar essas marcas", explica. A função do artesão é encontrar o veio mais bonito da madeira e trabalhar isso no móvel. "Se é uma mesa, a parte mais interessante da madeira vai para o tampo, por exemplo", explica Maura.
Inspiração
Os desenhos das peças são feitos pela proprietária. A inspiração: os móveis de fazendas antigas do Brasil, das épocas do café e da cana-de-açúcar. O mobiliário da região de Provence, na França, do interior da Inglaterra e das fazendas da Holanda também têm influenciado as coleções de Maura. "Como morei na Europa, tive a oportunidade de conhecer o campo e ver as peças usadas por lá", conta.
Museus e igrejas complementam o trabalho de pesquisa. Esta última rendeu à Maura uma das peças mais desejadas da loja: a mesa esculpida como desenhos medievais, inspirados numa porta de igreja visitada por ela, na Holanda. A peça custa cerca de R$ 7,4 mil.
Outro trabalho resgatado pela Artmorfose é o de policromia barroca, que dominava os móveis do Brasil colonial. A técnica consiste em aplicar sete ou oito camadas de tintas sobre a madeira e depois pintar com motivos essencialmente coloniais, como arabescos, fazendas, frutas e pássaros. As nuances da tinta ficam expostas depois que o artesão lixa a peça e, então, aparecem, em algumas partes, cores que foram usadas no trabalho.
Projeto social
Além da preocupação ambiental, a pequena empresa de Maura também contribui com um projeto social. A empresa doou máquinas de costura e tecidos para um orfanato que abriga crianças e adolescentes até 17 anos. Também paga uma professora que os ensina a fazer almofadas.
As peças são vendidas na loja da Artmorfose, que fica no bairro da Vila Madalena. Cada uma custa 30 reais. Parte da renda é depositada numa conta-poupança individual. "Cada criança recebe o seu dinheiro e pode guardar se quiser. Quando tiver de sair da casa – por lei, eles só podem ficar em orfanatos até completarem 17 anos – tem dinheiro e sabe fazer alguma coisa", explica Maura.
Contato:
Site: www.artmorfose.com.br
Telefone: 55 + (11) 3812-5704 ou 3815.2722