São Paulo – A China é e vai continuar a ser o principal “fabricante” global. Mas pandemia, polarização com os Estados Unidos, avanço do mercado interno e novos “caminhos” de crescimento do gigante asiático estão criando oportunidades para que outros países ampliem sua presença como fornecedores de produtos manufaturados. Nesse novo equilíbrio de cadeias produtivas, os países do Sudeste Asiático largam na frente, mas há oportunidades de substituir alguns espaços deixados pelos chineses até bem longe da Ásia: no Brasil.
Desde que Donald Trump assumiu a Presidência dos Estados Unidos (2017-2021), a maior economia do mundo divulgou medidas para diminuir a presença da China no fornecimento de manufaturados para o país. Foram anunciadas a restrição de exportação de microchips à China, restrição de investimento chinês em companhias dos EUA, abertura de processos na Organização Mundial do Comércio (OMC) e aumento de tarifas de importação a produtos chineses. O sucessor de Trump, Joe Biden, manteve e aprofundou essa política.
A quebra na cadeia de produção global levou países e empresas a reavaliar a dependência da China para o fornecimento de manufaturados. A estes fatores, soma-se outro: o governo chinês indica que o crescimento do país será menor, com outros focos de expansão.
De acordo com o professor de Economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Antonio Carlos Alves dos Santos, todas as mudanças pelas quais a China e a geopolítica global estão passando não deverão diminuir a presença do país no cenário econômico global. “As empresas continuam na China, talvez com um foco maior no mercado doméstico, o que não significa que elas deixarão de exportar sua produção. Elas vão continuar a exportar. Mas na pandemia ficou claro que depender de um único mercado era arriscado”, diz Santos.
Na avaliação de Santos, a polarização que se observa entre Estados Unidos e China não é uma política de governos, mas de estados. Mesmo que mudem os presidentes dos dois países nos próximos anos, as zonas de influência e processos geopolíticos que estão colocados deverão permanecer.
Custo no centro do debate
Parte da manufatura que deixou a China nos últimos anos, como de smartphones, vestuário, calçados, eletrônicos e peças automotivas, seguiu para Índia, Tailândia, Bangladesh, Vietnã e Malásia, que estão principalmente no Sudeste Asiático, e até o México, na América do Norte. Parte desta mudança também pode ser atribuída ao custo da mão de obra. Tanto o aumento do custo do trabalho como o direcionamento da China para uma indústria de tecnologia de ponta, como aviões e carros elétricos, diz Santos, é resultado natural do amadurecimento da economia chinesa. Na foto de abertura, uma ilustração desse movimento: fábrica de drones na China.
Presidente da Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (Abrinq), Synésio Costa afirma que o setor observou uma queda da presença de brinquedos chineses no mercado nacional. “No ambiente de brinquedos, em 2017, 2018, 2019, a indústria brasileira tinha um share (participação de mercado) entre 45% e 48% dentro do Brasil. Hoje, esse percentual é de 75% e, além disso, observamos que os produtos da China perderam espaço aqui”, diz Costa.
“As fábricas estão mudando para o Vietnã. Agora, na China, é preciso pagar imposto de renda e seguridade social. Aquele empreendedor chinês mais antigo não aceita pagar esses impostos, é uma novidade que não faz parte da natureza dele (como empreendedor)”, explica Costa, além de indicar as medidas comerciais norte-americanas e busca por tecnologia de ponta como outros motivos para a nova realidade manufatureira da China. “Na China, a mão de obra hoje custa US$ 450 por mês, mas outros países do sudeste da Ásia ainda têm mão de obra a US$ 30 por mês”, compara.
Presidente da Calçados Bibi, empresa brasileira que produz calçados infantis, com duas fábricas e clientes em 60 países, Andrea Kohlrausch avalia que, durante e após a pandemia, mercados compradores vivenciaram problemas de abastecimento, o que os levou a “descentralizar” a dependência de um único mercado. Mesmo assim, a China continua sendo o maior fabricante mundial de calçados.
Kohlrausch afirma que as empresas brasileiras deste setor têm potencial para aproveitar as oportunidades que surgirem, pois a indústria se qualificou no decorrer dos anos, tem produtos de qualidade e design “excelente”. “A Bibi, por exemplo, tem o projeto futuro de ‘Pintar o Mundo de laranja’ (uma referência à cor da logomarca da empresa). Além da exportação de nossos calçados com marca e design próprio, estamos buscando também internacionalizar nosso modelo de negócios de lojas omnichannel (que atuam em diversos canais de venda de forma integrada), iniciando pelo mercado da América Latina”, diz.
Não é só exportação
Santos, da PUC-SP, diz que aproveitar as oportunidades que se abrem a partir do novo momento chinês é questão de estratégia dos países. “Competir depende de preço, de estratégia adequada. Isso vale tanto para atrair investimento estrangeiro direto como para exportar. Se a Alemanha conseguiu, por que o Brasil não consegue? Mesmo com trocas de governo, a política de estado brasileira não se altera muito”, diz Santos.
Costa, por sua vez, acredita que a perda de mercado de produtos chineses que já se observa no mercado nacional deverá ocorrer nas exportações em dois anos e há oportunidades para os fabricantes brasileiros. Mas, para ganhar da concorrência, é preciso ter estratégia. “Precisa viajar, visitar feiras internacionais e conhecer a demanda lá fora. É, sim, uma super, uma mega oportunidade”, afirma.