São Paulo – A Sala São Paulo recebeu na noite de sábado (12) o espetáculo Al Mu’tamid, Poeta Rei do Al-Andalus, primeiro show de música de origem árabe a ser apresentado na principal casa de concertos clássicos da capital paulista. Um grupo de músicos formado por dois marroquinos, dois espanhóis e três portugueses musicou os poemas do monarca nascido em terras atualmente portuguesas, que reinou em Sevilha no século 11 e foi exilado no Marrocos.
A apresentação foi uma realização da Câmara de Comércio Árabe Brasileira, do Instituto da Cultura Árabe (Icarabe) e da Fundação Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp), e ao mesmo tempo faz parte das comemorações dos 65 anos da Câmara Árabe e da programação da 12ª Mostra Mundo Árabe de Cinema, iniciada na semana passada na capital paulista e que vai até o dia 16.
Os poemas do monarca andaluz foram musicados e são interpretados em português, espanhol e árabe por Cézar Carazo, Eduardo Paniagua, El Arabi Serghini, Filipe Raposo, Jamal Ben Allal, Janita Salomé e Quiné Teles. O conjunto de voz, teclas, cordas e sopros nos leva a uma viagem no tempo e no espaço com melodias que remetem a um passado remoto, mas ao mesmo tempo nos revelam as origens de ritmos como o flamenco, o fado e até o samba.
Tudo acompanhado por uma exibição cinematográfica produzida pelo português Carlos Gomes, idealizador e diretor artístico do espetáculo, que mostra imagens atuais dos três países percorridos pelo rei poeta. É quase um “road movie” acompanhado por bela música.
As ladainhas cantadas por Serghini são um dos pontos altos, raras de se ouvir no Brasil, mas revelam as origens da música ibérica nas canções executadas por Carazo e Salomé. O último, aliás, destacou suas origens alentejanas, como as do monarca árabe. Muito disso veio para o Brasil.
O grande destaque da noite foi a música “Nostalgia”, que mistura poema de Al Mu’tamid com melodia de cantiga de Afonso X, de Castela, e inclui dois poemas sufistas de elogio ao profeta Maomé com exaltações de Allah (Deus). Os sufistas são um ramo místico do Islã.
Cantada em espanhol e em árabe, a música teve participação dos músicos brasileiros Sami Bordokan, William Bordokan e Claudio Kairouz, que participaram de duas peças do espetáculo e também do bis, quando “Nostalgia” foi interpretada novamente.
Música mais longa do show, intercala letra em espanhol, refrão em árabe e solos dos diferente instrumentos, como o violino, a cítara e o alaúde, e o vocal de Serghini vem num crescendo, ele levanta e segue cantando, e ergue as mãos para o céu e continua, pula como em um transe. A plateia segue o ritmo com palmas, é quase como uma catarse sufista.
Com a casa cheia, o presidente da Câmara Árabe, Rubens Hannun, destacou que que o concerto era um “presente” que a entidade, o Icarabe e a Osesp estavam dando para si mesmos e para cidade de São Paulo. “A Sala São Paulo é um ícone da cidade, e pela primeira vez apresenta um espetáculo árabe. Isso significa muito”, destacou ele. “É um orgulho ver que está lotada, com ingressos esgotados, e com uma maioria de jovens”, acrescentou, sendo aplaudido. “Isso mostra a integração de culturas de forma muito intensa. Se depender de nós este será o primeiro de muitos espetáculos”, concluiu.
Segundo ele, a Câmara considera um "privilégio" trazer um pouco da cultura árabe para São Paulo. "É uma cultura extremamente rica e importante na construção de nossa civilização", destacou, acrescentando que a comunidade de origem árabe está totalmernte integrada de forma produtiva na sociedade brasileira.
Na mesma linha, a diretora cultural da Câmara Árabe, Sílvia Antibas, ressaltou que a Câmara Árabe e o Icarabe buscaram trazer para São Paulo uma atração nova e “sofisticada”. “A Câmara Árabe tem como objetivo promover o comércio, mas também divulgar a cultura árabe no Brasil, e nisso o Icarabe é nosso parceiro”, declarou. "E trazemos agora músicos maravilhosos que mostram um pouco de duas culturas, a andaluz e a marroquina", ressaltou, afirmando, assim como Hannun, que o espetáculo é um presente que a entidade dá à cidade em seus 65 anos.
De acordo com Geraldo Campos, curador do concerto e da mostra de cinema, o espetáculo se insere perfeitamente no tema do festival deste ano: "Os territórios que nos atravessam". "Fala da possibilidade decoexistência de diferentes povos, culturas e línguas", afirmou. Para ele, isso é especialmente importante num momento em que a xenofobia e o racismo estão presentes nas sociedades ocidentais. Na plateia, estavam cerca de 30 refugiados sírios e palestinos.
O vice-presidente do Icarabe, Gabriel Sayegh, disse ainda que desde a fundação do instituto, há 15 anos, seus membros sonhavam em organizar um concerto do gênero. "O sonho era fazer um grande concerto em uma grande sala de espetáculos, e hoje isso virou realidade", declarou.