Isaura Daniel
São Paulo – A música é "Lamentos", de Pixinguinha, mas o ritmo que vem do alaúde é árabe. Na sexta faixa do CD "Carlinhos Antunes – Orquestra Mundana", lançado no início deste ano, o som brasileiro se encontra com o árabe. O nome da canção é Alaúde Virtuoso/Lamentos. O nome do grupo, uma referência ao que o músico Carlinhos Antunes, que lidera a orquestra, sabe fazer de melhor: misturar os ritmos do mundo.
Carlinhos Antunes já esteve se apresentando e pesquisando música em 36 países. Um deles foi o Marrocos. Foi lá no Marrocos, aliás, que o músico, também compositor e cantor, descobriu que queria mesmo tocar os sons das diferentes partes do globo. "Fui em 1987 para o Festival Moussen Cultural de Asilah, cidade perto de Tânger. Divido minha vida musical em antes e depois deste encontro", diz Carlinhos, que toca violão, viola, charango, cuatro, kora, saz e percussão.
O festival do Marrocos mostrava canções de várias regiões do mundo, desde a África Árabe, a África Negra até a Índia e os Estados Unidos. "No mesmo palco vi flamenco e um cântico de trabalhadores árabes. O encontro do Andaluz árabe com o espanhol. A música nunca mais deixou de passar por aí para mim", diz. Carlinhos participou desse festival com o grupo brasileiro que integrava na época, o Tarancón. Cerca de três anos depois ele voltou ao Marrocos para morar.
A maneira encontrada para retornar ao país árabe foi participar de um grupo musical que se apresentava em hotéis. Já no Marrocos, porém, Carlinhos acabou se dedicando a outros projetos de música e a cursos de danças brasileiras, juntamente com um colega bailarino, em escolas locais. "Eu falava sobre cultura brasileira, sobre música, mexia com a parte de ritmo da dança", explica. "Tive que aprender francês rapidinho para dar aulas".
Carlinhos afirma que encontrou no Marrocos muitas semelhanças com o Nordeste brasileiro. "Você pega o avião, viaja oito horas e cai num outro mundo. Mas é ao mesmo tempo parecido com o Nordeste do Brasil. É o Nordeste com uma outra roupa", diz. Entre as semelhanças: a praia, a agricultura, o artesanato, o pastoreio. Enfim, a cultura. Carlinhos lembra que o Nordeste brasileiro teve muita influência da Península Ibérica. "Nossa latinidade veio da Península Ibérica, que estava impregnada de influência árabe, judaica e cigana".
Música do mundo
O músico ficou por seis meses no país africano. Quando voltou ao Brasil, depois de passar quatro anos na Espanha, Carlinhos se dedicou a montar projetos e shows com ritmos latinos e dos países que visitou e nos quais morou. Um deles foi o "Lorca na Rua", bancado pelo Sesc, no qual misturava flamenco, música brasileira e árabe. As apresentações aconteceram em 1996. No ano seguinte, o compositor criou o "São Paulo de Todos os Povos", no qual chamou para tocar com ele no palco japoneses, ciganos, árabes, índios.
O espetáculo "Latinidades" foi montado em 2002 e tinha como participantes Carlinhos, os palestinos Samir e Wissan Jubran, no alaúde, além do guitarrista português Antônio Chainho. Hoje, Carlinhos leva adiante a Orquestra Mundana, da qual participam de forma fixa oito músicos e cantores. O grupo, porém, costuma chamar sempre um ou mais músicos, normalmente estrangeiros, para cantar e tocar junto. Essa é a filosofia de Carlinhos, que já se apresentou até com ciganos romenos. "Levei para a música a utopia de historiador", diz Carlinhos. Além de músico, o paulistano é também historiador.
Atualmente a Orquestra Mundana tem como integrantes também dois árabes, Sami Bordokan, que toca alaúde e canta, e William Bordokan, que toca percussão. No último CD do grupo, além da música "Alaúde Virtuoso/Lamentos", que traz o ritmo árabe misturado à música brasileira, também a quarta faixa, Mitli-Mitlac, e a décima primeira, Lamma Bada lataçanna, são árabes. Carlinhos Antunes quer levar o seu grupo para se apresentar nos países árabes. Ainda não há, porém, nenhum projeto em vista.

