São Paulo – A fala comovente da escritora, dramaturga e atriz Najla Saïd encerrou as mesas do seminário O Legado Intelectual de Edward Saïd nesta quarta-feira (11), no Sesc 14 Bis, em São Paulo. A filha de Saïd contou sobre sua viagem a Gaza com a família aos 18 anos, a vida em Nova York, as conversas e cartas com o pai e reagiu aos acontecimentos atuais.
Najla escreveu uma peça chamada Palestine (Palestina) e já se apresentou em várias partes do mundo e dos Estados Unidos. A partir da peça autobiográfica, ela escreveu o livro Looking for Palestine: Growing Up Confused in an Arab-American Family (em tradução livre, Procurando a Palestina: Crescendo confusa em uma família árabe-americana), ainda sem tradução para o português.
A autora conta que encontrou na literatura um amor que dividia com o pai, e que conversavam sobre os livros que ela estava lendo na escola, como Jane Eyre, de Charlotte Brontë, e O Estrangeiro, de Albert Camus. “A primeira lição que tive de meu pai foi como ler um livro”, disse Najla. Ele ficava indignado com a mulher presa no sótão no romance de Brontë, e com “o árabe” sem nome descrito na obra de Camus, e ela foi aprendendo sobre a leitura crítica e o colonialismo.
“Sou muito grata por ter aprendido desde muito pequena com ele”, disse Najla, que afirmou nunca ter lido os livros do pai, a não ser o prefácio de Orientalismo, sua obra mais conhecida. “Ele foi o pai do estudo do pós-colonialismo e eu tinha quatro anos quando ele escreveu Orientalismo. Ele me explicava como os árabes eram retratados”, disse.
Saïd contava para a filha sobre a importância da autodeterminação dos palestinos, e em uma nota mais pessoal, ela relatou que seu pai colecionava canetas e fumava cachimbo, e falava às vezes com sotaque inglês, às vezes americano. “Ele era um humanista que falou a verdade em face ao poder”, disse.
Na adolescência, Najla disse que se sentia desconfortável com a sua origem árabe vivendo em Nova York. “Eu tinha 13 ou 14 anos quando a primeira Intifada começou [em 1987]. Então me vi palestina e árabe. Hoje, tenho orgulho das minhas origens”, disse.
No 11 de setembro, Najla já era atriz e relata que como árabe e estadunidense, era muito importante se tornar quem ela era. Ela formou uma companhia de teatro com amigos de diferentes origens e montou a peça que falava da percepção do árabe nos Estados Unidos. “Meu pai ficou muito orgulhoso”, ela disse.
Em 2002, ela escreveu a peça Palestine e estreou no Off-Broadway, no circuito alternativo de teatro em Nova York. “Eu estava petrificada em assumir a minha identidade para o mundo. Aprendi a ser humanista, a usar a palavra Apartheid para descrever Israel e contei minha história como minoria e a deixei falar por si”, contou.
O ponto principal da peça e do livro da autora foi um texto que escreveu em seu diário em 16 de junho de 1992, sobre sua viagem a Gaza com a família, quando tinha 18 anos. “Papai não ia a sua terra fazia 40 anos”, relatou. Segundo ela, o cheiro de esgoto a céu aberto era sentido de dentro do carro com os vidros fechados. Eles almoçaram na casa de uma família importante e os homens foram para uma sala e as mulheres para outra, o que chamou sua atenção. Após voltar de lá, seu pai falava sobre a densidade demográfica da Faixa de Gaza, entre outros fatos importantes sobre a cidade. Mas, segundo Najla, ela não precisava ouvir porque estava vivendo aquilo.
Sobre os recentes acontecimentos na Faixa de Gaza, Najla Saïd disse que está apavorada e muito assustada. E pensa no que seu pai diria, que ele contaria com o conhecimento dos fatos e que isso sempre foi o que ela fez. “Mas essa propaganda [sionista] saiu de controle e eu fiquei aterrorizada”, disse.
Najla Saïd terminou sua fala com uma emocionante carta que seu pai escreveu para ela quando era adolescente, e que ela mandou enquadrar e está na sala de sua casa há vinte anos. “Eu era uma adolescente rebelde e às vezes nos comunicávamos por cartas, porque era a forma que achamos mais fácil de nos expressar”, disse.
“Ele praticava o que pregava, vivia como falava que vivia e atuava de acordo”, declarou.